Um pouco por todo o mundo, os jornais enchem-se com artigos de opinião e editoriais sobre a morte de Fidel Castro.

Na cidade que recebeu a maior comunidade de exilados cubanos nos Estados Unidos, um dos jornais não é meigo para o ex-líder cubano. O editorial do Miami Herald não hesita em classificar Fidel como “uma figura patética” e “uma peça de museu”, cujo “maior triunfo foi sobreviver tanto tempo”. Para o jornal, muito antes de morrer “Fidel tinha-se tornado naquilo que mais temeu durante a sua grande e dramática vida — uma irrelevância”. Reconhecendo ao líder comunista um importante papel na História da América Latina — “um leão cujo rugido deu voz ao ressentimento e queixas” dos povos daqueles países –, o Miami Herald escreve, no entanto, que “o doloroso preço que a sua sufocante tirania impôs ao povo cubano é impossível de medir” e que “é difícil encontrar uma única liberdade reconhecida pelos países civilizados que Fidel não tenha violado”.

Na BBC, Juan Juan Almeida assina “O dia em acariciei a barba de Fidel e deixei de acreditar nele”, um texto na primeira pessoa sobre as memórias pessoais que tem do líder comunista. O escritor, há anos exilado em Miami, conta que, quando era criança, pediu a Fidel que deixasse mexer-lhe na barba. Castro acedeu e prometeu que, se Juan Juan terminasse os trabalhos de casa depressa, o deixaria andar no seu próprio carro. Mas el comandante não cumpriu a promessa. “Naquele dia eu parei de acreditar que ele era aquele herói honesto, valente, decidido e que amava as crianças”, lê-se no texto. “Ele morreu agarrado ao poder da sua verdade e enganou-nos com a sua frase de sempre ‘Eu vou ser breve’. Longevidade. Esse absurdo foi o pior dos seus erros, porque, como dizia minha avó, ‘não há nada de épico, e quiçá de prudente, na morte natural'”, conclui o escritor.

O jornal boliviano El Deber publica um texto em que o colunista Fernando Molina admite que Fidel tinha “todo o furor, toda a arrogância, todo o narcisismo, toda a aspereza, toda a crueldade, todo o espetáculo, todo o fascínio, toda a religiosidade, toda a popularidade, todo o exotismo, toda a coragem pessoal, toda a lábia, todo o paternalismo, todo o apego ao poder, todo o encanto para os pobres, toda a fé ideológica, todo o pragmatismo, toda a miséria e toda a grandeza” dos grandes ditadores. Mas — e este mas é relevante — o seu objetivo era “trazer à terra o paraíso da igualdade sócio-económica”. Molina defende que Fidel merece reconhecimento pelo facto de se ter atrevido a “ir aonde outros caudilhos não foram”, procurando “eliminar a burguesia”.

No inglês The Daily Telegraph encontra-se outro texto de opinião pouco simpático para o cubano. O título — “Como é que alguém empenhado na defesa dos direitos humanos pode fazer luto por Fidel Castro – um homem que matou e reprimiu o seu próprio povo?” — é revelador de como o editor de política daquele jornal, James Kirkup, olha para o legado do líder histórico de Cuba. O autor defende que não se pode branquear os crimes que o regime comunista cometeu durante meio século.

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Ignacio Ramonet, jornalista e ex-diretor do Le Monde Diplomátique, escreveu um texto para o jornal venezuelano Últimas Noticias em que defende que Fidel Castro, apesar de ter morrido, “é imortal” e “pertence a uma geração de insurgentes míticos” como Nelson Mandela, Amílcar Cabral e Che Guevara. “Com a sua liderança, o seu pequeno país pôde conduzir uma política de grande potência à escala mundial”, escreve Ramonet, destacando que, apesar de múltiplas tentativas, os Estados Unidos nunca conseguiram tirá-lo do poder nem reverter o rumo da revolução. “Finalmente, em dezembro de 2014, tiveram de admitir o fracasso das suas políticas anti-cubanas, a sua derrota diplomática e iniciar um processo de normalização que implicava o respeito pelo sistema político cubano.” O jornalista denuncia que “Washington continua a fazer guerra ideológica e mediática permanente contra Havana” e defende que Cuba teve “resultados excecionais em matéria de desenvolvimento humano” com Fidel Castro, “apesar da hostilidade exterior permanente”. Ramonet, que conheceu pessoalmente o líder cubano, considera que Fidel tem lugar “no panteão mundial daqueles que com mais empenho lutaram pela justiça social e mais solidariedade desenvolveram a favor dos oprimidos da Terra”.

O tom do editorial do El Nacional, outro jornal venezuelano, é radicalmente diferente. “Adeus e não voltes”, lê-se no texto, que reduz a vida de Fidel a meia dúzia de episódios “disparatados” e aponta contradições à governação do ex-revolucionário. “O homem que ia libertar Cuba do imperialismo começou por impor a obediência do seu povo a outros impérios, como a União Soviética”, diz o editorial. Por fim, os responsáveis do jornal lamentam que as ideias de Fidel sempre tenham tido eco na Venezuela e junto de “outros líderes ingénuos”.

No jornal espanhol El País, o historiador argentino Carlos Malamud escreve sobre as manobras que os Estados Unidos da América encetaram para tentar travar a governação e a popularidade de Fidel Castro na América Latina. Uma das consequências da ação de Fidel foi, por exemplo, o aparecimento de Hugo Chávez na Venezuela. Apesar da importância que alcançou a nível regional e mundial, o líder histórico cubano “teve a infelicidade de ver, com profunda resignação, que Cuba se estava a converter em algo muito diferente do que ele tinha sonhado e por que tinha lutado e matado”, argumenta Malamud. “Hoje as coisas mudaram.”

O Diario de Cuba, um jornal dedicado à atualidade cubana escrito a partir de Madrid, escreve em editorial que Castro era um “ditador emérito” que “não cumpriu a maioria das promessas que fez ao povo” e que “conseguiu refinar a repressão, os crimes e a violência estatal” até um ponto insustentável. “Foi o pior administrador da História do país”, lê-se. “Arruinou uma economia que encontrou próspera e crescente e deixa um país em ruínas, com cidades que parecem bombardeadas”, diz o texto.

No The Washington Post, o jornalista e colunista George F. Will defende que, com a morte de Fidel, se acaba a época dos “totalitaristas carismáticos venerados por peregrinos políticos das sociedades abertas”. O autor recorre a exemplos históricos (Estaline e Mussolini) para lembrar que estes regimes autoritários recorreram a técnicas brutais contra os seus povos para, precisamente, tentar melhorar a vida desses povos. “Haverá sempre turistas da tirania a voar entre aquilo que consideram a banalidade aborrecida da sociedade burguesa e a excitação dos despotismos ‘progressistas'”, escreve Will.

O editorial do francês Libération, assinado pelo jornalista Philippe Lançon, defende que “a morte de Fidel Castro chega demasiado tarde” porque “o século em que as revoluções estiveram no epicentro” já acabou há dezasseis anos. “A extinção do último dos monstros do século passado assinala também a extinção do discurso político performativo: na fé sagrada da sua virtude, nos seus encantamentos ou, simplesmente, nas suas possibilidades. Essa fé foi-se dissolvendo numa globalização gananciosa, cega, muito estúpida — economicamente selvagem”, lê-se.

No The New York Times, Jennine Capó Crucet, escritora norte-americana de origem cubana, reflete sobre o futuro de Cuba e explica como a comunidade emigrada em Miami encara a morte de Fidel. Houve festejos, sim, mas também preocupação. “Já estamos todos a antecipar a pergunta inevitável: agora que Castro morreu, vamos visitar Cuba?”, escreve Crucet. “Muitos de nós, que fomos para as ruas ontem à noite e hoje, estão aqui como testemunhas, portadores de memória, símbolos. Muitos de nós estão aqui porque temos família que não pode cá estar — mães, avós, primos que morreram às mãos do regime de Castro. Estamos aqui para nos confortar mutuamente e para honrar os sacrifícios que esses familiares fizeram.”