A associação ambientalista GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente apresentou esta manhã uma queixa na Procuradoria-Geral da República por suspeitar que boa parte das decisões políticas tomadas no âmbito do Programa Nacional de Barragens (aprovado em 2007, no primeiro Governo de José Sócrates) tiveram na sua origem crimes de tráfico de influência e corrupção. “As decisões são tão más que não são explicadas pelos argumentos alegados, é demais para que se trate de voluntarismo político ou mera incompetência”, explica ao Observador João Joanaz de Melo, presidente da mesa da assembleia-geral da GEOTA e um dos elementos que formalizou a queixa.

Publicamente, a associação ambientalista não aponta nomes ou cargos políticos sobre os quais recaem as suas suspeitas – “não queremos difamar ninguém injustamente”, defende-se Joanaz de Melo. “Mas temos suspeitos concretos”, assegura o responsável da GEOTA. E nas situações em que há “evidências inequívocas” da existência de “más decisões” e dos respetivos autores, a associação aponta diretamente o dedo.

Certo é que os níveis de responsabilidade não se ficam por um ministro ou por um Governo. “Foram vários os órgãos da República portuguesa que tomaram decisões nestes dossiers, do Governo à Assembleia da República”, acrescenta Joanaz de Melo, recusando concretizar publicamente nomes ou cargos visados na queixa. “Estas situações têm um padrão sistemático durante uma década”, sublinha, no entanto, o dirigente, sugerindo que as suspeitas se alastram a membros do Governo liderado por Pedro Passos Coelho – as primeiras decisões sobre a barragem do Baixo Sabor remontam aos anos de 2004/2005, o que abre o leque de suspeitas até 2014, um ano antes de PSD/CDS deixarem o Governo.

A essa queixa que apresentou esta manhã na PGR, o grupo de ativistas ambientais juntou documentação que foi produzindo nos últimos dez anos, desde o nascimento do Programa Nacional de Barragens (contra o qual sempre se bateu) e notícias e reportagens que foram sendo publicadas em meios portugueses e estrangeiros. É o caso, por exemplo, de uma peça do jornal “O Globo” sobre o mega-escândalo de corrupção Lava Jato onde se dá conta de que houve dinheiro brasileiro distribuído em Portugal e que os reais (é na moeda brasileira que os registos constam de uma funcionária da empresa responsável por pagamentos sem registo oficial) se cruzaram com a construção da barragem hidroelétrica do Baixo Sabor. Os pagamentos chegariam a 750 mil euros.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Noutros casos, foram as próprias investigações do programa Sexta às 9, da RTP, a chegar à conclusão de que os decisores políticos que promoveram a construção da barragem do Foz do Tua acabaram por beneficiar, mais tarde, dessas obras, integrando as empresas envolvidas nos projetos quando deixaram de exercer funções públicas. “O encerramento da linha ferroviária do Tua, a aprovação do Aproveitamento Hidroelétrico de Foz Tua e o acompanhamento ambiental desta obra, que se encontra em fase de conclusão, são outras das decisões que a associação ambientalista pretende ver investigadas, bem como a criação do Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico, em 2007, e as posteriores avaliações que nunca analisaram o assunto na perspetiva dos custos para os cidadãos”, concretiza a associação no comunicado que enviou às redações.

“Nalguns casos [referidos pela GEOTA na queixa apresentada] percebe-se” quem ganhou diretamente com as decisões tomadas. Aquilo que a associação agora pede ao Ministério Público é que, perante as “evidências” que lhe são apresentadas, avance com uma investigação aos vários projetos que foram sendo desenvolvidos a partir do primeiro executivo liderado por José Sócrates. “Nós não temos meios para fazer essa investigação”, assume Joanaz de Melo, mas “a forma como os processos decorreram merece que as autoridades criminais competentes investiguem”, sublinha o responsável da GEOTA.

A queixa surge agora, uma década depois do início da contestação ao Programa Nacional de Barragens (PNB) porque os “outros mecanismos de recurso não têm funcionado”, justifica João Joanaz de Melo. Nomeadamente as tomadas públicas de posição e a interpelação direta aos responsáveis políticos, cujo único benefício destacado pelo dirigente da GEOTA foi a revisão do PNB, já pelo executivo de António Costa, no ano passado. “Estamos a fazer isto pelas pessoas, não é pelos passarinhos”, desabafa o dirigente da GEOTA.

O Observador tentou saber junto da PGR se alguma queixa tinha sido apresentada sobre o mesmo tema e se corria já alguma investigação aos projetos visados pela associação ambientalista, mas até ao momento não foi possível obter esclarecimentos.