O Governo está a tentar fechar um acordo alargado no Parlamento — incluindo PCP e Bloco de Esquerda — para aprovar o reforço dos poderes dos serviços de informações. O objetivo da legislação que está a ser preparada passa por autorizar os serviços de informações a terem acesso aos chamados “metadados”, os dados de tráfego das comunicações de suspeitos dos crimes de terrorismo. A discussão arrasta-se desde a anterior legislatura e, nessa altura, mereceu um “chumbo” do Tribunal Constitucional. Agora, a chave para integrar a esquerda no arco da política de informações e segurança, passa por “judicializar” o processo: as autorizações dependerem de juízes de instâncias superiores e envolverem o Ministério Público.

No fim-de-semana, o Expresso dava conta de que o novo diploma estava a ser trabalhado entre socialistas e sociais-democratas, de forma a garantir a existência de um consenso de regime nesta matéria. Entretanto, o CDS avançou com um pacote legislativo autónomo nesse sentido. O Observador sabe, no entanto, que o Governo socialista está a tentar um consenso mais alargado, que inclua igualmente os partidos mais à esquerda. Bloco e PCP estão dispostos a estudar uma solução.

A questão torna-se ainda mais relevante porque são conhecidas as reservas de bloquistas e comunistas em relação a esta matéria. Na anterior legislatura, a maioria PSD/CDS (com apoio do PS) aprovou um diploma que permitia aos espiões terem acesso a dados bancários, fiscais, de tráfego e de comunicações de quem estavam a investigar. A lei fazia depender essa recolha de informações de uma autorização da Comissão de Controlo Prévio, um órgão criado para o efeito e composto por três juízes conselheiros. O então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva enviou o diploma para o Tribunal Constitucional, que acabou por chumbar o diploma, argumentado que a norma era inconstitucional, nomeadamente porque colocava em causa o princípio de “inviolabilidade das comunicações privadas”. Mas também porque não dava “suficientes garantias de não haver uso abusivo” das informações recolhidas.

A maior reserva do Tribunal Constitucional prendia-se, precisamente, com as competências e o grau de escrutínio a que estava sujeita esta Comissão de Controlo Prévio. No diploma que está a preparar, o Governo pretende contornar esse problema entregando a um juiz de um tribunal superior, de preferência do Supremo Tribunal de Justiça, a competência para autorizar essa recolha de informações. Estão também a ser trabalhadas formas de garantir um maior envolvimento do Ministério Público nestas decisões, assim como da Polícia Judiciária, da PSP e da GNR.

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A garantia de maior controlo dos poderes das secretas nesta matéria e de um maior envolvimento do Ministério Público na tomada de decisões pode permitir abrir portas a um eventual apoio de Bloco de Esquerda e PCP. O Observador sabe que António Costa está muito confiante em conseguir um acordo à esquerda neste dossiê.

Em declarações ao Observador, José Manuel Pureza, deputado bloquista que acompanha esta pasta, confirma que o Governo enviou para o Bloco de Esquerda “um documento de trabalho” para consulta e discussão e que o partido está neste momento a “avaliar” a proposta.

Garantindo que o Bloco “ainda não tem nenhuma posição fechada” sobre o assunto, José Manuel Pureza acredita que o caminho escolhido pelo Governo, no sentido de “judicialização” destes poderes, é a única forma de ultrapassar as reservas do partido e do próprio Tribunal Constitucional.

Além disso, concede José Manuel Pureza, o facto de o Executivo socialista estar a preparar um diploma que tenha em devida consideração o “contexto dos crimes” em que as secretas acedem a metadados e a “individualização precisa das pessoas” que podem estar sob vigilância, pode abrir portas à aprovação do Bloco.

O Bloco de Esquerda está a analisar a proposta do Governo “com rigor e muita cautela” diz Pureza, porque se trata de uma “questão muitíssimo complexa”, que toca “nas cordas mais finas do Estado de Direito”.

Entre os comunistas, a perceção é a mesma: é preciso muito rigor nesta matéria. Mas ninguém fecha a porta a um eventual reforço dos poderes das secretas. Em declarações ao Observador, o deputado comunista António Filipe garante que “não existe qualquer acordo fechado sobre esta matéria” e que o partido aguarda pela proposta de lei do Governo para se pronunciar.

Ainda assim, António Filipe admite que a “judicialização” deste processo, ou seja, fazer depender o acesso aos metadados das comunicações das autoridades judiciais e do Supremo Tribunal de Justiça, permitiriam ultrapassar os eventuais problemas de constitucionalidade que a lei pudesse suscitar. “Parece-me o único caminho possível”, admite o deputado comunista, sem adiantar mais.

Uma das questões que sempre separou socialistas e comunistas nesta matéria prende-se com a composição do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), órgão responsável pela fiscalização da atividade dos serviços. Na anterior legislatura, o PCP chegou propor a revisão do modelo deste órgão, deixando de ter apenas três elementos (eleitos por acordo de dois terços entre PS e PSD), para o alargar a todos os grupos parlamentares. Proposta que acabaria chumbada por PSD, PS e CDS.

Autorização às secretas terá de ser dada em menos de 48 horas

Ao Expresso, Teresa Leal Coelho, que, como deputada, integra o Conselho Superior de Informações, deu alguns detalhes sobre o diploma que está a ser preparado. O juiz responsável terá de dar a autorização ao pedido das secretas em menos de 48 horas. Além disso, e ao contrário da lei que foi chumbada pelo Tribunal Constitucional, desta vez os serviços de inteligência só vão poder aceder aos dados de comunicações em casos de suspeitas de terrorismo, falhas de segurança e espionagem. De fora ficam os casos de criminalidade altamente organizada. Mais uma forma de ultrapassar as eventuais reservas dos juízes do Tribunal Constitucional, que considerou que a anterior legislação tinha um objeto “demasiado abrangente”.

Portugal é o único país da União Europeia em que os serviços de informações não têm direito legal a ter acesso a essa informação. A Suíça, que acompanhava Portugal nesta matéria, referendou o tema e conseguiu aprovar legislação nesse sentido.

Quanto a Portugal, as memórias da ditadura do Estado Novo e a prioridade dada pelo regime democrático à proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos levam a uma grande restrição legal na ação dos serviços de informações. Por exemplo, a possibilidade de realização de escutas telefónicas continua igualmente vedada às secretas. Apenas os órgãos de investigação criminal, devidamente autorizados por um juiz de instrução criminal, podem utilizar o sistema de escutas que está instalado na sede da Polícia Judiciária, como explicava aqui o Observador.