Por vezes questiono-me como seria o Glastonbury de Álvaro Costa. As histórias na zona de imprensa, as aventuras no backstage, os copos com os artistas, os jacuzzis a três, as amizades para a vida e essas coisas todas. Não me interpretem mal, isso é tudo muito divertido, mas não é Glasto. Estar na zona de imprensa é aborrecido. Ia lá para café grátis e casa de banho limpa (sou duro mas não de ferro) e bazava. Só um destes textos foi escrito lá (o primeiro), o resto foi entre a tenda e o meio da confusão. Este está a ser feito num carro, depois de arrumar tudo e procurar tendas para trazer para casa (muita gente deixa-as lá e eu só estou a ser bom português). Num telemóvel. Foi mais divertido do que estar na zona de hospitalidade/imprensa a ouvir histórias sobre posts em social media.

Na quinta-feira, um dos DJs na Silent Disco pedia para a malta que está a dormir em tendas levantar os braços. Toda a gente o fez. Depois perguntou por outras variantes, caravanas e etc., e toda a gente fez “boooooo”. Porque Glastonbury é melhor numa tenda. Livrarmo-nos das condições básicas é essencial para respirar aqui. Ajuda a criar uma nova normalidade. E é nesse novo normal que se vive durante cinco dias. Agradece-se a toda a gente, está tudo em esforço. Está tudo feliz. Não apanhei uma única discussão, alguém a levantar a voz ou à porrada em cinco dias. Claro que me cruzei com vários otários, mas esses estão em todo o lado.

Corbyn e o stage dive de Katy Perry. Um diário de Glastonberry, perdão, “bury” (parte 3)

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se não se andar no meio de Glastonbury não se está lá. De outra forma é impossível saber que há reuniões para cocainómanos anónimos (já agora, alguém deixou um saquinho de coca junto ao nosso carro, zona E11, se o quiserem de volta), ver um gajo a mijar-se nas calças às sete da tarde ou uma mãe a mudar a fralda do puto durante Radiohead. Claro que isto são histórias banais, certamente vi milhares de coisas bem piores mas nem reparei. É a tal normalidade. Estás lá, pertences, fazes o mesmo.

Só na manhã de segunda-feira, antes de sair, é que reparei que não há marcas em Glastonbury. Há Greenpeace, Oxfam e WaterAid escrito em todo o lado, mas isso não é publicidade. É hippie burguês e, feitas as contas, até é capaz de mudar a cabeça de alguém. Não há anúncios a passar nos ecrãs gigantes, apenas avisos para manter o festival limpo e essas coisas. Não há tendas ou áreas com marcas a oferecerem experiências. Engole aí, “por um mundo melhor”.

Claro que é um negócio. Mas há formas e formas de fazê-lo. Glastonbury é lúcido e responsável. Os ingleses sabem fazer isto bem, porque há uma geração de baby boomers que cresceu com uma série de valores. Foram eles que começaram o festival, há 47 anos, são eles os voluntários em muitas tendas. Já disse que a minha sogra estava lá? Foi a nona vez dela. Dormia menos do que eu e estava sempre fresca.

Esta quinta vale muito

Domingo é um dia especial na Worthy Farm. Muita gente começa a sair de manhã ou a preparar as coisas para sair à noite (segunda trabalha-se), mas muita gente também chega, às dezenas de milhares: os habitantes das vilas em redor não pagam neste dia. Por isso está tudo mais cheio, há imensa gente a ressacar nos relvados, a energia está nos mínimos mas ainda se está presente. O índice de pessoas deitadas durante a tarde é maior do que as que estão em pé, o sol quando abre torra e é perfeito para uma soneca.

Foi isso que fiz depois do almoço durante Laura Marling no Pyramid. Antes tinha ido a Riley Walker no West Holts e arrependi-me de não conhecer melhor o rapaz. Granda onda, mesmo a tocar para 40 gatos pingados. A meio da tarde cunhei a expressão barry gibbin’, que significa fazer algo muito mal que antes fizeste bem. Acho que isso arruma o concerto do Bee Gee Barry Gibb no Pyramid. Shaggy no West Holts estava cheio mas foi um regresso deprimente. Vibe zero. Fui para o Other Stage (primeira vez que fui lá) ver Haim. Energético e giro. Elas adoraram voltar a Glastonbury, tanto que nem conseguiam acabar o nome do festival: THANK YOU GLASTONBUUUUUUUUUUUUURGH.

À mesma hora The Killers tocavam no John Peel Stage (este palco nem visitei). Concerto surpresa, num dos slots abertos do cartaz. Era impossível entrar, palco restrito durante 90 minutos, diziam os placards electrónicos. Estava calor e havia pouca vontade para ver Chic, podia ser outro barry gibbin’, por isso fui para o Acoustic Stage ver The Bootleg Beatles. Sítio coberto, estava a precisar de sombra. Agora posso dizer que vi The Bootleg Beatles duas vezes num fim de semana. Nem contava vê-los uma vez na minha vida.

Houve ali um minuto em que me perdi: um diário de Glastonbury, parte 2

Há uma semana estava em Londres a beber uns copos com Ellie Goulding num pub. E uma vez que ia ver Ed Sheeran dentro de dias tive de lhe perguntar como é que ela se sentia em relação a “Don’t”, a canção que Sheeran escreveu depois de ela o ter encornado com um tipo dos One Direction. Ela mostrou alto fair play e disse que não pode desculpar-se por erros do passado (“let bygones be bygones”) e que deseja o melhor para o Ed. Está muito feliz por ele estar a fechar Glasto neste ano, seis anos depois de se ter estreado ali a tocar apenas para umas centenas de pessoas. Claro que isto da Ellie é treta. Ela só estava no mesmo pub que eu. Mas o Álvaro Costa teria passado por isto.

Ed, viemos aqui só para te ver (quer dizer…)

A melhor coisa que Ed Sheeran deu ao mundo foi isto. Fechar Glastonbury até é irreal para ele. Não faz sentido e por maiores que sejam os seus números, é um ato menor para fechar um festival assim. Bem, pelo menos não foi Coldplay. Sozinho em palco mas cheio de energia, tocou apenas uma hora e meia (porque não tem mais para tocar), sem encore, e mostrou como é o ideal de qualquer tipo branco medíocre que quer rappar e, simultaneamente, o ideal do tipo medíocre branco que pega numa guitarra e quer fazer umas coisas diferentes.

Ed Sheeran é o expoente máximo atual deste culto. Os britânicos são perfeitos a criar estes fenómenos e a vendê-los como se fossem a melhor coisa do mundo. E o resto do mundo engole. Ed Sheeran é música de alguém que escreve “vou fumar uma, beber um chivas e sonhar contigo” e de outro alguém que responde “podes continuar a sonhar”.

Mas o público adorou. Percebi porque adoraram, mas foi um final murcho para um festival desta dimensão. Ele deu a festa que as pessoas queriam (embora seja uma estupidez fazer aquilo sozinho em palco, percebe-se que mais de metade do que toca é pré-gravado), mas a festa poderia ter sido bem melhor. Mas estava tudo feliz. Eu encolhi os ombros e a achar que isto ainda é o melhor contributo de Sheeran para o mundo (a sério, sigam o link).

O que raio faço eu aqui? Um diário de Glastonbury

Não houve lama, houve pó. Gastei dinheiro em galochas para nada. Não foi nenhum Vietname, o mais difícil foi conseguir bilhete naquela manhã de domingo em Outubro: voaram em menos de uma hora. Foi mais do que estava à espera e arranjei mais fundamentos e argumentos para acabar com a ideia de que os ingleses bebem muito. Ou que não sabem beber. São é uns meninos. Ainda à espera do primeiro que me mande abaixo. Se volto lá para o ano? Não. Em 2018 a Worthy Farm tem o habitual ano de descanso para o terreno recuperar da violência destes dias. Em 2019 talvez. Em 2020 Glastonbury apaga cinquenta velas e consta que os Pink Floyd já estão seguros. Logo se vê.

Vamos ao que interessa: Portugal. Vi uma bandeira, acho eu, ao lado de uma chinesa. Era de noite e estava na casa de banho, mas parecia portuguesa. Os Throes + The Shine tocaram em Glastonbury mas não os vi. Vi uma garrafa de Coca-Cola que dizia Algarve.