O incêndio no concelho de Pedrógão Grande e o fogo de Moguer, no Parque Natural de Doñana, em Espanha, ocorreram com uma semana de distância. A diferença essencial está no número de mortos — 64 do lado português e nenhum no território espanhol. Mas houve muitas mais.

Área evacuada e dias de combate

O incêndio em Portugal deflagrou no passado dia 17, pelas 14h00 em Escalos Fundeiros, no concelho de Pedrógão Grande, norte do distrito de Leiria. Só foi dado como extinto na tarde deste sábado, dia 24, apesar de ter sido considerado dominado na quarta-feira.

Juntamente com o incêndio do concelho de Góis, que deflagrou no domingo e foi dado como extinto também no sábado, foram consumidos quase 53 mil hectares de floresta.

O incêndio no sul de Espanha deflagrou sábado pelas 21h30 em Moguer (Huelva), numa zona de pinheiros e de culturas, a cerca de cinco quilómetros do Parque Natural de Doñana. Foi dominado apenas três dias depois, esta segunda-feira. Ainda não se sabe ao certo quantos hectares foram consumidos, mas o fogo chegou bem do espaço mais protegido, onde fica uma das maiores florestas da Europa.

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Como explica o El Pais, os mais de 100 mil hectares do Espaço Natural de Doñana dividem-se em duas zonas: o Parque Natural, com 53.835 hectares e que acabou por ser atingido pelo fogo, e o Parque Nacional, com 54.252 hectares e que foi declarado Património da Humanidade pela UNESCO em 1994.

Operacionais no terreno

A grande diferença no combate aos fogos em Portugal e Espanha foram os meios aéreos, além de Espanha ter tido muito menos operacionais no terreno.

No sábado, dia do início do incêndio, estiveram 550 operacionais e 21 meios aéreos no terreno a combater o fogo no sul de Espanha, refere o El Español. No domingo, passaram a 25 os meios aéreos.

Durante os vários dias de fogo em Pedrógão Grande, o máximo de meios aéreos usados foram dez (vindos de Espanha, Itália, França e Marrocos, que de imediato prestaram ajuda a Portugal).

De acordo com o El Pais, domingo foram 500 os operacionais a combater as três frentes do fogo espanhol que, em alguns momentos, esteve perto de populações, depois de o vento forte “reavivar as chamas”. Ao longo da madrugada de segunda-feira, o combate ao fogo foi feito por 80 bombeiros florestais, 100 membros da Unidade Militar de Emergências (UME), cinco técnicos do meio ambiente, sete veículos de combate aos incêndios do Infoca a combater as três das frentes ativas, tendo cercado outras duas. Esta segunda-feira, 200 operacionais continuavam a lutar contra o incêndio.

O número de operacionais para combater o incêndio em Portugal foi aumentando ao longo das horas dos primeiros dias — em particular, quando ao incêndio de Pedrógão Grande se juntou o de Góis. A determinada altura, chegaram a estar mais de mil operacionais no terreno.

No dia de início do fogo, quando este já se tornara gigante (cerca das 19h30), havia 180 bombeiros, dois meios aéreos e 52 viaturas a combater o incêndio em Pedrógão Grande. Às 00h51 da madrugada de domingo, já depois de se conhecer parte da tragédia e do elevado número de vítimas mortais, havia 331 bombeiros no terreno. Às 4h00, o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, adiantava que o número de operacionais era já de 593, apoiados por 191 viaturas e cinco máquinas de rasto.

No dia de domingo, os números aumentaram. Às 10h00, havia 800 operacionais apoiados por 244 viaturas. Duas horas depois, havia 690 operacionais, 216 veículos e quatro meios aéreos a combater o incêndio. Às 16h00, contavam-se 766 operacionais, 237 veículos e seis meios aéreos no terreno e, duas horas depois, 870 operacionais, 268 veículos e dez meios aéreos. Às 22h, eram 880 operacionais e 275 veículos.

Às 3h00 da manhã de segunda-feira, eram já mais de 900 operacionais apoiados por 289 veículos a combater as chamas em Pedrógão Grande. Nessa altura, já cerca de 65% da área florestal ardera no concelho de Figueiró dos Vinhos.

Populações evacuadas e estradas cortadas

Os bombeiros foram chamados para combater o fogo de Pedrógão Grande pelas 14h45 de sábado, dia 17. Mas ainda está por apurar o que se passou ao certo nas primeiras cinco horas do incêndio em Pedrógão.

Sabe-se que o Itinerário Complementar 8 (IC8), entre o nó da zona industrial de Pedrógão Grande e o nó do Outão, só foi cortado ao trânsito pelas 19h, cinco horas depois do início do fogo ( seria cortado de novo às 18h de domingo e reaberto duas horas mais tarde). A GNR decidiu contudo manter a circulação na EN236-1, a estrada que faz a ligação entre Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra. Muitos tentaram fugir ao fogo por essa estrada, ora saindo das muitas aldeias cercadas pelo fogo, ora vindos do IC8. Acabaram encurralados. Morreram 47 pessoas, 30 dentro dos carros, 17 na berma.

A GNR disse agora que não tinha meios para fazer o corte ncessário.

Pedrógão Grande. Militares da GNR queixam-se de falta de meios

Depois da tragédia ser conhecida, ao longo da madrugada de domingo, foram sendo cortadas várias estradas no distrito de Coimbra. De manhã, a GNR cortou seis estradas ao trânsito nos distritos de Leiria, Coimbra e Vila Real e, à noite, a EN2.

Quanto a pessoas, só por volta da meia-noite de dia 18 de junho é que foram evacuadas algumas aldeias. Situação que foi repetindo ao longo dos dias seguintes. Na terça-feira dia 20 de junho, já o incêndio lavrava há quatro dias, chegaram mesmo a ser retiradas as pessoas de 40 aldeias, 27 em Góis e 13 em Pedrógão Grande. Passaram vários dias até ser autorizadas a regressar a casa.

Em Espanha, segundo o El Pais, logo na noite de sábado, quando o fogo deflagrou na zona de Doñana, mais de duas mil pessoas foram retiradas do local, desde turistas em hotéis e parques de campismo a habitantes locais — alguns por iniciativa própria — e até os militares de uma base em Arenosilla. Só do parque de campismo de Doñana foram retiradas 1.500 pessoas e a localidade de Mazagón ficou praticamente deserta.

A maioria dos desalojados passou a noite de sábado nos pavilhões desportivos de Mazagón e Matalascañas ou até mesmo na praia. Ao longo do dias de domingo, as autoridades autorizaram o regresso de alguns desalojados às suas habitações, nomeadamente os que se encontravam num hotel e em casas na zona de Bonares, em Mazagón.

Na noite de domingo, dos mais de dois mil desalojados, 500 passaram a noite no polidesportivo de Moguer, 300 nas instalações da Câmara de Almonte, em Matalascañas, e 150 na aldeia de Rocío.

Em Espanha, também apenas durante a tarde de domingo foram cortadas várias estradas, entre as quais a A-483, que faz as ligações à A-49 e A-494. Cerca de 50 mil pessoas ficaram isoladas na localidade de Matalascañas durante várias horas. Este número foi avançado pela autarca de Almonte, mas a Junta da Andaluzia afirmou ser demasiado elevado, lê-se no El Confidencial.

Segundo o El Mundo, as estradas cortadas devido ao incêndio foram reabertas ao longo da noite e madrugada de domingo. As pessoas que estiveram horas à espera da reabertura das estradas em Matalascañas conseguiram sair, ainda que acompanhados da Guardia Civil. O El Confidencial dava conta que, durante a noite de domingo, o fumo dificultava a condução.

Também a praia de Matalascañas ficou temporariamente isolada, e milhares de turistas aguardavam indicações para poderem sair dali com os carros. Na zona havia cerca de 80 guardas civis a gerir o trânsito e a prestar auxilio aos cerca de dois mil desalojados.

Causas dos incêndios

Cerca de meia hora depois do início do incêndio em Pedrógão Grande, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) dava conta de uma trovoada seca entre os distritos de Leiria, de Coimbra e de Castelo Branco, que só terminaria pelas 16h00. O diretor da Polícia Judiciária afirmou, no dia seguinte, que foi uma trovoada seca que esteve na origem deste fogo — tese contrariada dias mais tarde pelo presidente da Liga de Bombeiros, Jaime Marta Soares, que suspeita de mão criminosa.

Em Espanha, por sua vez, a não existência de fenómenos meteorológicos — nomeadamente trovoada seca — levou a que a tese de mão humana, de forma intencionada ou não, fosse avançada desde cedo como causa do incêndio.

A verdade é que, nos dois incêndios, as condições meteorológicas, e em particular o vento forte, tiveram um papel importante na propagação do incêndio. Em Espanha, o jornal espanhol El Mundo fala em “vento forte” com “rajadas de 60km/h” e com “mudanças súbitas de direção”, num “calor intenso”. A mata repleta de pinhal terá ajudado o fogo, que chegou a avançar “12 quilómetros em apenas cinco horas”, refere o El Confidencial.

Em Portugal, contudo, registaram-se fenómenos atípicos. No incêndio de Pedrógão Grande, de acordo com um esclarecimento do IPMA enviado ao primeiro-ministro na quarta-feira, houve um fenómeno de downburst. Isto é, um “vento de grande intensidade que se move verticalmente em direção ao solo”, que “sopra em todas as direções” e que é, por vezes, “confundido com um tornado”.

Downburst foi o fenómeno raro de vento que ajudou a propagar o incêndio, explica o IPMA ao governo