Pedro Passos Coelho já tinha dito que os deputados tinham de ter a “coragem” de assumir uma posição sobre a legalização da eutanásia quando o debate chegasse e foi precisamente esse o tema da manhã debatido na Universidade de Verão do PSD: “Eutanásia: Sim ou Não?”, que pôs dois rostos do PSD a defender posições opostas. De um lado, a deputada do PSD e ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, a defender que a eutanásia é um “direito” da “vida humana”, e do outro, o deputado do PSD e médico, Ricardo Baptista Leite, a defender o “não”, reforçando antes o dever do Estado de assegurar os cuidados paliativos. E sugerindo, enquanto médico, que “desconhece” se o testamento vital, em vigor desde 2014, que permite ao doente dizer que tratamentos quer ou não receber, é ou não “respeitado pelo Serviço Nacional de Saúde”.

Para a deputada e ex-ministra, qualquer alteração legislativa no sentido da legalização da eutanásia não requer revisão constitucional, enquanto para o médico social-democrata, não só requer revisão constitucional como deontológica. Apesar das opiniões contrárias, numa coisa o PSD está de acordo: é preciso fazer um debate profundo na sociedade antes de legislar.

Legislar já, antes de o debate ser feito, seria absurdo. Todavia o que penso é que a eutanásia é um direito que tenho a morrer com dignidade e sem sofrimento“, disse a ex-ministra perante uma plateia de “alunos” sociais-democratas, sublinhando que esse “direito” não se opõe a outros, como o direito aos melhores cuidados paliativos, ou ao testamento vital. “Posso até passar por cuidados paliativos e depois pôr termo à minha vida. O que me interessa estar sedada tanto tempo? O que é que eu sou quando estou sedada? Isso é vida humana?”, questionou.

A questão do testamento vital, contudo, foi abordada pelo deputado e médico Ricardo Baptista Leite, que sugeriu ter dúvidas sobre se os médicos do SNS de facto cumprem a vontade expressa pelos doentes em relação aos tratamentos que querem ou não que sejam administrados. A posição deste deputado, e médico, é contrária à da ex-ministra, tendo defendido que o Estado tem de assumir o investimento em cuidados paliativos antes de “desistir” e oferecer a morte terapêutica como solução. “Somos do pior do mundo ocidental em cuidados paliativos, não estamos dispostos a investir nisto, mas estamos dispostos a investir numa solução com menos custos?”, questionou, afirmando que os cuidados paliativos não chegam a 80% dos doentes portugueses.

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Mas segundo a ex-ministra, a questão é outra. Há uma diferença entre “vida humana” e “vida biológica” e é essa definição de conceitos que faz diferença no momento da apreciação jurídica. Questionada por um dos “alunos” esta quinta-feira, Paula Teixeira da Cruz defendeu que “não há nenhuma necessidade de revisão constitucional” se o legislador quiser legalizar a prática da eutanásia. Isto porque “o que é inviolável é a vida humana, não a vida biológica, que acontece quando somos só tecido. A vida não passa só pela nossa biologia”, disse, depois de ter feito um à parte para dizer que “daqui a pouco” passava por “católica”.

Assumidamente católico, fator que sublinhou como ponto prévio, o deputado Ricardo Batista Leite defendeu a posição contrária: “A legalização da eutanásia exigiria alterações não apenas constitucionais mas deontológicas, do código dos médicos”, disse, defendendo que a Constituição salvaguarda o direto à saúde de todos. No entender do médico e deputado social-democrata, alguém em sentimento profundo “continua a ser incorporado na vida humana”, pelo que é nesse âmbito que a questão constitucional deve ser analisada.

Em causa estão dois artigos da Constituição: o artigo 24, sobre o direito à vida, que diz que “a vida humana é inviolável”, e o artigo 64, que diz que “todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”.

Para Ricardo Batista Leite, que recorreu aos exemplos da Bélgica e da Holanda, a legalização da morte assistida conduz à “banalização” da prática e a uma “lavagem de mãos do Estado”, que se coloca numa posição de avançar para a situação de morte medicamente assistida por “não conseguir resolver o problema de base da sociedade que é colocar nas mãos dos médicos todas as ferramentas para os melhores cuidados paliativos”. “Porque se banalizou e o Estado deixou de investir nos mais vulneráveis”, disse, falando dos exemplos estrangeiros.

Mas para Paula Teixeira da Cruz, os cuidados paliativos e a eutanásia não são antagónicos. “Não é uma questão de substituição, os cuidados paliativos devem coexistir com o direito a morrer com dignidade e sem dor”, defendeu várias vezes ao longo do debate.

Para Ricardo Baptista Leite, contudo, “o foco tem de estar na dignidade da vida, e no final da vida”, porque “a morte é inevitável”. Em todo o caso, defendeu Paula Teixeira da Cruz, o que deve prevalecer é a “liberdade individual”. “Lógicas proibicionistas acabaram sempre mal”, disse, depois de Ricardo Batista Leite ter rejeitado a ideia de fazer um referendo a esta matéria.

“Referendos levam sempre à dicotomização e ao extremar de posições”, disse, defendendo que um referendo à eutanásia iria “estupidificar o debate” e contaminar o problema de base. Para o deputado social-democrata, quando o debate se puser no contexto parlamentar, “a atitude responsável, para quem tem dúvidas, seria votar contra”.

É precisamente essa a posição do líder do PSD Pedro Passos Coelho. Em fevereiro, num colóquio sobre o tema organizado pelo PSD na Assembleia, Passos Coelho disse que o partido iria ter posição oficial sobre a eutanásia, mas que cada deputado terá liberdade de voto, conforme a sua consciência. Na altura, Passos disse que já tinha feito a sua reflexão, pedindo aos deputados que fizessem o mesmo. Em caso de dúvidas, no processo de análise individual, pediu prudência.

Para já, contudo, não há calendário definido para o debate no Parlamento. Projeto de lei só o PAN é que tem, sendo que o Bloco de Esquerda lançou um anteprojeto, mas a versão definitiva não chegou a dar entrada na Assembleia da República.