A Guarda Civil espanhola desencadeou esta quarta-feira uma operação em diversas sedes do Governo regional da Catalunha onde está a ser promovido o referendo pela independência. Foram já detidas 14 pessoas, incluindo o número dois da secretaria de Estado da Economia e Finanças, Josep Maria Jové, e terão sido apreendidos milhões de boletins de voto.
Mariano Rajoy disse ao final do dia desta quarta-feira que Espanha é “um estado democrático e de direito”, que tem os mecanismos necessários para defender a lei exigir “responsabilidades” a quem “põe em risco a convivência” no país. O presidente do Governo espanhol disse ainda que é preciso “proteger a liberdade dos cidadãos e velar pelo seu respeito”.
“As leis são o instrumento que temos para conviver em liberdade e assinalar as nossas discrepâncias de maneira pacífica. Por isso, ninguém está acima da lei. E, por isso, a desobediência à lei por parte de um poder público é o contrário à democracia”, afirmou. “Este referendo” é, desde o início, “radicalmente antidemocrático”.
Mariano Rajoy disse ainda que votar” só é um sinónimo de democracia quando se vota de acordo com a lei e respeitando os direitos de todos”, acrescentando que em democracia o voto serve para tomar decisões de forma inclusiva. “O que está em jogo não é uma polémica política, que tem as suas formas de expressão. O que está em jogo é o fundamento da democracia”, afirmou, citado pelo El País.
“Aos responsáveis da Generalitat digo que abandonem os seus propósitos. Sabem que este referendo não se pode celebrar. Nunca foi legal ou legítimo”, frisou, acrescentando que ninguém vai beneficiar deste “desafio constante à democracia e à lei”. O presidente do Governo espanhol pediu aos responsáveis da Generalitat para “cessarem as suas ações”, referindo que eles sabem que “este referendo já não pode ser realizado” porque nunca foi “legal e legítimo”.
Votar solo es sinónimo de democracia cuando se hace de acuerdo a la ley. Nadie puede pretender situarse por encima de ella pic.twitter.com/ZzDP1p04CG
— Mariano Rajoy Brey (@marianorajoy) September 20, 2017
Milhares saíram à rua e há nova manifestação na quinta-feira
Entretanto, na Catalunha, os ânimos estão exaltados. Milhares de pessoas permaneceram esta quarta-feira em frente à Secretaria da Economia da Generalitat, em Barcelona, por causa das detenções realizadas esta manhã. A imprensa internacional fala num clima de alta tensão. Os porta-vozes da Òmnium e da Assembleia Nacional Catalã (ANC) estiveram em frente à Secretaria a convocar os catalães para uma mobilização permanente pela defesa dos detidos.
“Hoje escrevemos uma nova página na história deste país”, afirmou Jordi Sánchez, da ANC, ao que os manifestantes começaram a gritar “Liberdade”. Jordi Cuixart, da Òmnium afirmou que “amanhã os esperava para defender o direito à autodeterminação”. Para a manhã desta quinta-feira, está marcada uma manifestação ao meio-dia, em frente ao Arco de Triunfo de Barcelona.
De acordo com a agência Associated Press, houve registo de protestos também noutras cidades da Catalunha e em Madrid, mas a maior concentração ocorreu em Barcelona. Por volta das 22h00, os habitantes de Barcelona fizeram ainda um protesto sonoro com tachos e panelas também contra as detenções de hoje, noticiou a agência Efe.
O presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, acusou Madrid de atuar com uma “atitude totalitária” e assegurou que irá manter os preparativos do referendo de autodeterminação.
Foram feitas 41 buscas e 14 detenções, por ordem de um tribunal de Barcelona
De acordo com o jornal El Pais, as pessoas detidas, algumas das quais desempenham cargos na secretaria de Estado liderada por Oriol Junqueras, o número dois do Governo catalão, estão envolvidas na organização da consulta do dia 1 de outubro. O presidente do Governo, Carles Puigdemont, convocou a sua equipa para uma reunião de urgência para responder à operação policial que decorre em Barcelona com o objetivo de recolher documentação e bases de dados relacionadas com o referendo.
Fontes policiais indicam que foram feitas 41 buscas e 14 detenções, por ordem de um tribunal de Barcelona. O objetivo é desativar o núcleo duro de organização do referendo que é coordenado por Oriol Junqueras, secretário da Economia e Finanças.
Um comunicado do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha adianta que estão a ser investigadas 20 pessoas. Em causa estão suspeitas de desobediência, prevaricação e desvio de fundos. O inquérito está sob segredo de justiça. O jornal El Espanhol admite que pode estar em causa também o crime de sedição, revolta contra as autoridades ou ameaça à segurança do Estado que pode ser punido com pena até 15 anos.
y domicilios particulares. Causa abierta x desobediencia, prevaricación y malversación. Una veintena personas condición investigadas (2d3)
— TSJCat (@tsj_cat) September 20, 2017
Numa declaração feita depois após a reunião do seu Executivo, Puidgemont acusou o Governo espanhol de ter suspendido de facto o Governo autónomo da Catalunha.
Puidgemont. Governo espanhol suspendeu de facto a autonomia da Catalunha
Anna Gabriel, porta-voz parlamentar da CUP, o partido maioritário do Governo regional, qualificou a atuação da Guarda Civil como uma intervenção pela força que tenta boicotar uma ato da democracia formal como deve ser o referendo de 1 de outubro. Numa reação junto à sede do Executivo catalão, admite que esta ação pode impedir, do ponto de vista logístico, a realização da consulta, mas considera inaceitável a via escolhida. A sede do CUP, considerado o partido promotor do referendo, também foi visada nesta ação da Guarda Civil.
Operação Anubis (deus egípcio dos mortos) apreende 10 milhões de boletins
Fontes policiais citadas pela imprensa espanhola adiantam que foram apreendidos quase 10 milhões de boletins de voto com as opções de sim e não. Entre a documentação recolhida estão ainda cartazes com o título local eleitoral, atas com a lista numerada de eleitores e com a inscrição Referendo à Autodeterminação da Catalunha e atas de constituição de meses de voto, elementos que podem constituir prova da intenção de realizar um ato que foi considerado ilegal pelo Constitucional.
Entretanto a direção da Guarda Civil e da Policia Nacional, por instruções do Ministério do Interior, cancelou o regime de férias, licenças e horários de trabalho do pessoal que vai participar no dispositivo extraordinário criado para garantir o cumprimento da decisão do Tribunal Constitucional espanhol que suspendeu o referendo “ilegal” do próximo dia 1 de outubro.
Várias centenas de pessoas estão já concentradas junto aos edifícios que foram alvo dos raides policiais em Barcelona para protestar contra esta operação que as autoridades apelidaram de Anubis, um antigo deus egípcio que representava os mortos. A resposta da justiça é uma consequência da posição assumida pelo Governo de Mariano Rajoy que considera o referendo convocado pelo Governo autónomo ilegal.
Citizens outside the Catalan Ministry of Economy are protesting against this police raid. They insist on their right to vote on 1 October. pic.twitter.com/faTw34eO6N
— DIPLOCAT (@CataloniaPD) September 20, 2017
Rajoy avisa: É uma investigação para cumprir a lei e vai até ao fim
Em resposta aos deputados catalães, Mariano Rajoy justificou esta quarta-feira no congresso a operação policial que sublinha estar a ser realizada por “decisão do juiz e para que se cumpra a lei.” Para o líder do Executivo espanhol, o que temos visto na Catalunha é uma” tentativa de liquidar a Constituição e a soberania”. Há algumas pessoas, acusa Rajoy, que “estão a saltar por cima da lei, atuando contra a Constituição e o Estatuto da Catalunha” e o “Estado agora tem de responder”. Recorda ainda que o Governo catalão sabia que o referendo não se podia realizar porque isso seria ignorar a soberania nacional.
As ações policiais envolvem nove edifícios do Governo regional e fazem parte da investigação das autoridades judiciais ao referendo marcado para o dia 1 de outubro. O líder do Executivo de Madrid argumenta que qualquer “democracia tem obrigação de acatar o que determina um dos poderes do Estado”. Esta “é uma investigação que se faz para cumprir a lei” e que se vai continuar a fazer “até ao fim”, afirmou Rajoy no congresso dos deputados. Alguns deputados dos partidos apoiantes da independência abandonaram em protesto o parlamento espanhol.
O líder do partido Cuidadanos, Albert Rivera manifestou o apoio à operação judicial e policial contra “os que dão um golpe na democracia”. Rivera, cujo partido apoiou o Executivo de Rajoy, mostrou ainda o seu apreço pelos que defendem a democracia na Catalunha. Também o PSOE, o maior partido da oposição, manifestou apoio à atuação do Governo na Catalunha. Rajoy já chamou os líderes destes partidos para justificar a ação do Executivo de Madrid. Reação no sentido contrário veio do Podemos que qualifica as pessoas visadas nesta operação como presos políticos.
Es inadmisible que en una democracia europea haya detenidos políticos. El PP nos lleva a una involución autoritaria que no se puede tolerar. pic.twitter.com/SqCuyCebTe
— Podemos (@PODEMOS) September 20, 2017
Também o Barcelona, o principal clube de futebol da Catalunha que, em comunicado, se manifestou contra qualquer ação que possa impedir o exercício pleno dos direitos da democracia e de decidir.
“Perante os acontecimentos dos últimos dias, e especialmente hoje, relacionados com a situação política que se vive na Catalunha, o Barcelona, fiel ao seu compromisso histórico com a defesa do país, da democracia, da liberdade de expressão e do direito de votar condena qualquer ação que possa impedir o exercício pleno destes direitos.
Neste sentido, o Barcelona manifesta publicamente o seu apoio a todas as pessoas, entidades e instituições que trabalham para garantir esses direitos. O Barcelona, com o máximo respeito pela pluralidade da sua massa social, vai continuar a apoiar a vontade da maioria do povo da Catalunha, expressa de forma cívica, pacífica e exemplar”.
No último jogo disputado no Camp Nou, a mensagem de apoio à independência exposta pelo capitão da equipa, Gerard Piquet, ainda foi mais clara.
El mensaje de Piqué a la Guardia Civil. https://t.co/hdqRluUDxQ
— EL MUNDO (@elmundoes) September 20, 2017
Instado a comentar a situação na Catalunha, o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, não quis acrescentar mais nada em relação à mensagem muito forte deixada pelo presidente, Jean-Claude Juncker.