Afinal, todos os partidos “atlantistas” estavam de acordo em relação aos pressupostos da Cooperação Estruturada Permanente (o novo mecanismo de Defesa europeu) mesmo antes do debate e da dramatização parlamentar desta semana. Na “nota explicativa do Plano Nacional de Implementação” entregue pelo Governo às comissões de Defesa e dos Assuntos Europeus na segunda-feira — um documento classificado como “reservado” a que o Observador teve acesso — o Executivo socialista já incorporava as três “linhas vermelhas” dos projetos de resolução do PSD e do CDS: não a um exército único; não ao fim da complementaridade com a NATO e não à especialização das Forças Armadas dos países.

Ao longo da semana, a direita pressionou o PS para incorporar estas exigências no seu projeto de resolução, de forma a ficarem explícitas na declaração formal de adesão do país à Cooperação Estruturada Permanente (CEP) que o Governo vai assinar na segunda-feira em Bruxelas. Mas os Ministério da Defesa e dos Negócios Estrangeiros já o garantiam no documento muito contestado pelos outros partidos por ser apenas uma “nota explicativa” e não o próprio Plano Nacional de Implementação do novo mecanismo de defesa europeu — que António Costa disse ser “secreto” no debate quinzenal.

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Segundo o documento, “a CEP não prevê a instituição, nem sequer tem como objetivo indireto, a constituição de um ‘Exército’ europeu”, e também “não contende com, nem desvaloriza, a NATO”. Da mesma forma, a “nota explicativa” de sete páginas explicita que “a CEP não estabelece como meta qualquer especialização das Forças Armadas.”

Miguel Morgado, deputado do PSD — que deu uma entrevista ao Observador a dizer que todo o processo foi “uma palhaçada” — diz que o Governo incorporou estas referências no texto “depois de o PSD ter apresentado o projeto de resolução”, que data de 20 de novembro. “Todas aquelas ‘linhas vermelhas’ eram obviamente consensuais”, contrapõe ao Observador o deputado socialista Vitalino Canas — que negociou o consenso do texto das resoluções com o PSD e o CDS.

Apesar de ser “reservado”, a classificação mais baixa de confidencialidade –com o objetivo de não ser divulgado pela comunicação social — o documento não tem informações que não sejam públicas. “Está lá tudo o que os ministros foram dizendo desde julho em audições à porta aberta”, diz ao Observador outro deputado da oposição.

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O Plano Nacional de Implementação, que o ministro da Defesa garantiu que entregava aos deputados em vez da mera “nota explicativa” vai fornecer “elementos factuais, quantitativos e qualitativos” sobre as “contribuições futuras planeadas para o cumprimento dos compromissos assumidos” na CEP. O Governo que alegou a confidencialidade dessa informação, deu aos deputados apenas “a intenção genérica” da contribuição para os mecanismos que serão criados para este efeito na União Europeia. A informação só será libertada aos parlamentos nacionais se isso for aprovado pelo Conselho Europeu na segunda-feira, dia 11 de dezembro.

A parte mais sensível da “nota explicativa”, sobretudo em termos políticos, tem a ver com a componente dos “investimentos de defesa”. Participar na CEP obriga a “aumentar regularmente o orçamento da Defesa em termos reais”, o que também estava comprometido com a NATO desde 2014 — mas sem pôr em causa a União Económica e Monetária. Esse objetivos consistem em chegar aos 2% do PIB em gastos com as Forças Armadas: em 2016, Portugal gastou cerca de 1,4% do PIB, segundo a NATO. Mas, no caso da União Europeia, as metas devem passar a ser fiscalizadas no âmbito da CEP, como acontece em relação a outros aspetos da vida comunitária (como o défice, por exemplo).

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Há mais duas componentes financeiras da CEP que não devem agradar aos parceiros de esquerda do Governo, mas que também não são novos e fazem parte dos critérios da NATO: aumentar o investimento em novos equipamentos para 20% do orçamento total da Defesa, quando, em Portugal, esse valor ainda se situa nos 9,9%, segundo a “nota explicativa” do Governo; e aumentar para 2% do valor do orçamento da Defesa os gastos em investigação e desenvolvimento.

Mesmo no que diz respeito ao desenvolvimento de capacidades — o que poderia ser um tema mais sensível em termos de confidencialidade –, o documento não apresenta novidades. A maior parte dos pontos consiste na “continuação” de projetos que já existem, como a participação em projetos colaborativos europeus, sem comprometer a compra dos KC-390 à Embraer (brasileira) para substituir os aviões de transporte estratégico C-130. Até a criação do Centro de Segurança para o Atlântico já tinha sido anunciado pelo ministro da Defesa, Azeredo Lopes.

O texto distribuído aos deputados reconhece a instabilidade na ordem mundial para justificar a aceleração da componente de Defesa na Europa: “Na verdade, a União Europeia depara-se com um ambiente de segurança deteriorado, num contexto de maior certeza geopolítica. Carece, por conseguinte, de reforçar as suas capacidades e autonomia em matéria de Defesa”. Em entrevista ao Observador, Miguel Morgado também disse que a França era o país que tinha dados mais sinais de interesse num Exército europeu.