Dois navios de pesca enferrujados, o “Susan 1” e o “Susan 2”, estão escondidos no meio de barcos do porto de Maputo. À primeira vista, nada de suspeito, mas foi ali que a CNN descobriu uma cooperação secreta e ilegal, à luz do direito internacional, entre a Coreia do Norte e Moçambique. A pesca é um dos negócios mais lucrativos em Moçambique e aqueles navios pesqueiros são operados por tripulações norte-coreanas. Os lucros, avança a CNN, vão diretos para as contas do regime de Kim Jong Un e ajudam a financiar o programa nuclear. O governo moçambicano já desmentiu a existência de qualquer tipo de cooperação que desrespeite as resoluções da ONU.
A CNN esteve um mês em Maputo e numa investigação jornalística — emitida no último sábado — descobriu que a pesca é apenas uma das áreas de negócio ilícito entre os dois países. Documentos aos quais a cadeia televisiva teve acesso, mostram que o esquema incluiu cooperação empresarial (existindo empresas de fachada), cooperação militar (incluindo o treino de forças de elite), o que viola as sanções internacionais impostas pelas Nações Unidas à Coreira do Norte. A documentação analisada pela CNN demonstra que “a cooperação é selada com contratos ilegais no valor de milhões de dólares” e é depois canalizada através de diplomatas norte-coreanos de Maputo para Pyongyang.
Depois desta reportagem da CNN, o governo moçambicano já negou categoricamente que esteja a cooperar com o regime norte-coreano. A vice-ministra do Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Maria Manuela Lucas, admitiu a existência de uma relação política com a Coreia do Norte, mas no que diz respeito à cooperação económica garante seguir as orientações das Nações Unidas.
A CNN cita funcionários norte-americanos que há muito têm conhecimento de que o dinheiro dos negócios da pesca com barcos norte-coreanos vai diretamente para o famoso fundo nuclear de Kim Jong-un, conhecido como Office 39. É através de fundos como este que Kim desenvolve o seu programa de mísseis nucleares e faz subornos.
A Administração Trump está, por isso, atenta às origens do dinheiro que chegam a Kim Jong-un, estando Moçambique debaixo de olho dos serviços norte-americanos (e da ONU). O plano de cercar Kim, não estará a funcionar em pleno. De acordo com um relatório não publicado da ONU, citado pela CNN, a Coreia do Norte lucrou mais de 200 milhões de dólares (160 milhões de euros) a exportar carvão e outros produtos proibido (no âmbito das sanções) entre janeiro e setembro de 2017.
O relatório explica de que forma a Coreia do Norte está a violar as resoluções da ONU: utilizando o apoio de cúmplices internacionais e recorrendo a contas offshore. A CNN teve acesso a comunicações oficiais trocadas entre as forças armadas moçambicanas e as da Coreia do Norte, incluindo um convite moçambicano às tropas norte-coreanas em 2015, para que se deslocassem ao país.
Em 2017, a ONU fez uma investigação sobre esta ligação de Moçambique à Coreia do Norte, mas a cooperação parece ser mais estreita do que o que consta do relatório. Fontes militares moçambicanas confirmaram à CNN que forças de elite norte-coreanas foram treinadas numa base de Maputo há dois anos e que os norte-coreanos ajudaram Moçambique na criação de um sistema de defesa aérea e na remodelação de tanques.
Os relatórios semestrais da ONU que pretendem expor quem ajuda os Estados que violam as sanções, já provaram ligações militares da Coreia do Norte a Moçambique no valor de 6 milhões de dólares (4,8 milhões de euros), através de uma empresa de fachada com o nome Haegeumgang.
A CNN descobriu a sede desta empresa, um edifício de dois andares na avenida Mao Tse-Tung, no centro de Maputo. A estação norte-americana lembra ainda, por exemplo, que a estátua de Samora Machel — figura histórica da independência de Moçambique — foi criada por uma empresa norte-coreana, a Mansudae.
No Susan 1, um dos barcos de pesca, a bandeira da Coreia do Norte foi substituída há meses pela bandeira da Namíbia (outro país acusado de ajudar o regime de Kim), mas a tripulação é norte-coreana. Os pescadores vão, muitas vezes, à cidade fazer compras, ignorando, provavelmente, todo o jogo geopolítico do qual são peões.