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Jeff J Mitchell/ Getty Images

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A saga de um consumidor no admirável mundo novo da energia liberalizada

É um entre seis milhões de clientes. A sua história envolve mudança de fornecedor sem autorização, informação errada sobre contratos e recusa da tarifa social. O que correu mal e as justificações.

A história chegou por um leitor que, quando foram noticiadas as investigações do regulador da energia às práticas das empresas comerciais, quis contar a suas experiências atribuladas no mercado liberalizado de energia.

É um caso exemplar do muito que pode correr mal no novo mercado da electricidade e gás natural, mas pode também servir de alerta. A transição da tarifa regulada para o mercado liberalizado está a ser feita por seis milhões de consumidores de energia em Portugal. Mais de metade já saiu da tarifa, mas ainda faltam mais de dois milhões darem o salto. O prazo terminava no final deste ano, mas o governo esticou este período por mais dois anos até 2017. Mas quem ficar na tarifa sujeita-se a uma revisão trimestral dos preços que podem subir.

O caso é também revelador das dificuldades em obter a tarifa social, que protege os consumidores mais vulneráveis. Ainda esta segunda-feira, o ministro da Energia, Jorge Moreira da Silva, reconheceu que o número de beneficiários ainda está muito longe da meta do governo.

O Observador contactou as eléctricas em causa e a ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) e confrontou-as com o caso concreto, identificando o cliente, para permitir um esclarecimento mais completo e personalizado das situações, algumas aparentemente irregulares, reportadas. Publicamos aqui o testemunho na primeira pessoa com as respostas das entidades visadas. Tudo começa numa mudança da EDP para a Galp.

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O ataque da Galp

No meu caso concreto, fui seduzido em dezembro de 2013 por um folheto-campanha da Galp-On na loja do Cidadão de Odivelas que concedia um desconto simpático e que tinha a particularidade de informar que “agora também estava disponível para os clientes de tarifa bi-horária”. À data era cliente da EDP Comercial e titular de um contrato de tarifa bi-horária.

Aderi de imediato à campanha, mas não trazia comigo nenhuma fatura, necessária para identificar o local de fornecimento. Para espanto meu, disseram-me que não havia problema, que podia ligar para a EDP de imediato que eles me indicavam todos os dados necessários para fazer o contrato. Utilizei o telefone da loja da Galp-On sem ter necessidade de marcar o número… Hoje não o faria com toda a certeza, depois de tudo o que me aconteceu nos meses seguintes e em função do que sei e vou lendo.

Fiz então o contrato na hora, já com todos os dados solicitados na posse da Galp. Frisei que era um cliente de tarifa bi-horária há muitos anos e que pretendia manter esse tarifário. Responderam-me que não havia problema e que esta campanha destinava-se precisamente a esses casos.

Passados alguns dias, em casa, abri a pasta “bonita” que me entregaram e consultei o contrato. Verifico então que o contrato que me entregaram estava em nome de outra pessoa que não sei quem é. Pedi à companhia para me enviar uma segunda via. Prometeram mas nunca recebi nada. Não voltei à loja para pedir esclarecimentos.

Comecei então a receber as primeiras faturas com valores mais elevados em relação ao que habitualmente pagava. Pensei que tinham que ver com o aumento do preço da energia e com mais algum consumo que vinha fazendo (essencialmente de madrugada).

A contra-ofensiva da EDP Comercial

No verão recebi uma chamada da EDP perguntando se queria aderir a uma nova campanha. Perguntei em que condições e indiquei que estava insatisfeito com o preço que pagava. Pediram-me então para olhar para uma fatura detalhada na linha “x” e verificar o valor do kWh (kilowatt hora) em hora de vazio (de noite) e em ponta de consumo. Disseram-me que eu estava a pagar uma tarifa plana. Percebi então que tinha sigo enganado, que já não tinha tarifário bi-horário e que estava no mercado livre.

Apresentei uma reclamação à Galp por telefone. Contei toda a história desde o início. Pedi o nome da funcionária que me atendeu – o que se recusaram a fazer. Garantiram-me que tinham enviado segunda via do contrato que talvez se tivesse extraviado. Não me deram resposta positiva à minha reclamação.

As explicações dadas pela Galp

A informação que temos é a de que o Sr X terá pedido inicialmente a tarifa simples. Poderá ter ocorrido algum erro de comunicação ou de inserção dos dados no sistema, mas é esse o registo que existe em sistema.

O cliente já tem tarifa bi-horária desde janeiro de 2014, mas, por ter aderido à modalidade Conta Certa, apenas recebe uma fatura por ano.

A Galp Energia está ainda a apurar o motivo do atraso na resposta às reclamações que, caso se confirmem, serão naturalmente objeto da compensação prevista nos contratos para estas situações.

E de volta à EDP

Não aderi à nova campanha da EDP, pedi mesmo para não ativarem nada. Disse-lhes apenas para ligarem dentro de algumas semanas depois de pedir explicações à Galp.

Entretanto, recebo uma carta da EDP a informar que o meu novo contrato tinha entrado em vigor no dia “x” sem que eu tivesse aceitado, concordado ou assinado qualquer contrato. Na dita chamada fizeram-me um contrato à minha revelia. Voltei a ser cliente da EDP sem querer. Apenas da eletricidade porque não incluiram o gás. A Galp passou a enviar-me apenas a conta do gás.

Informei então a EDP do lamentável lapso, abuso de confiança e pedi a revogação imediata do contrato. Tive que esperar por uma análise e só três a quatro meses depois é que a EDP devolveu o contrato à Galp e repôs a situação inicial.

Estive sem operador durante 3 a 4 meses. Sem receber valores para pagar. Quando veio a primeira conta da Galp tinha quase 200 euros para pagar. Tive que fazer um acordo para pagar em seis meses, o que me sobrecarregou mais ainda as contas.

MÁRIO CRUZ/LUSA

A explicação da EDP Comercial

A situação relatada foi entretanto corrigida.  A EDP lamenta, naturalmente, o incidente, explicável por uma eventual falha de comunicação, e sublinha que se trata de um caso pontual, num universo de mais de três milhões de clientes e de muitos contactos diários”.

O tortuoso acesso à tarifa social

Aproveitei a medida inscrita no Orçamento do Estado para 2015 que entrou em vigor no dia 1 de janeiro e que prevê por decreto uma redução substancial na fatura para consumidores que sejam beneficiários de apoios sociais (inclusive abono de família) ou estejam em situação económica precária (desempregados, RSI, etc). Uma das grandes novidades é que essa medida foi estendida a contratos de potência superior (no meu caso 6,3 kVA).

Nos últimos dias de dezembro de 2014 dirigi-me à loja da Galp para solicitar pedido. Indicaram-me que não tinham impresso próprio e inseriram o pedido no sistema.

Em março ainda não havia qualquer resposta ou contacto da Galp. Contactei telefonicamente a companhia. Disseram-me que eu não tinha direito a beneficiar dessa medida porque a potência do meu contador não era abrangida. Rebati. Informei da nova legislação. Alegaram desconhecimento e pediram então que aguardasse um contacto, que iriam analisar melhor a questão. Passaram três semanas e nada. Voltei a ligar e informaram-me que estava em análise.

Há duas (em abril) semanas fui novamente à loja fazer novo pedido. Continuava a não existir impresso próprio. Desta vez nem sequer me entregaram qualquer comprovativo de novo pedido.

Na semana passada recebi na minha caixa de correio uma folha a informar da possibilidade de obter desconto social se cumprisse determinadas condições. A carta é genérica, não é personalizada. Penso que foram obrigados a enviar essa missiva. A todos os clientes? Ou apenas àqueles que estariam nessas condições?

No meu caso, já estava devidamente informado, mesmo antes de entrar em vigor a extensão aos contratos de potência superior. Fiz o pedido o mais cedo possível, mas com se viu, não obtive resposta. Continuo a pagar sem usufruir de qualquer desconto.

Manuel Almeida/LUSA

A Galp volta a explicar

A empresa confirma que o cliente fez um pedido de tarifa social em janeiro de 2015 que foi ativado em março de 2015 com efeitos retroativos à data do pedido. Como não recebe fatura mensal, não se apercebeu da aplicação da tarifa social, embora dela beneficie. O Sr. X só vai sentir este efeito na fatura quando receber a fatura anual da Conta Certa, ou se cancelar esta modalidade de pagamento.

Sobre a tarifa social, existe de facto um impresso próprio que está normalmente disponível nas lojas. A carta informativa sobre a tarifa social resulta de uma obrigação regulamentar e aplica-se a todos os clientes de forma indistinta.

Face a este cenário, a Galp Energia irá solicitar aos seus serviços que contactem telefonicamente o Sr. X para lhe prestar esclarecimentos sobre a sua situação.

E o regulador?

Estes dois casos que lhe relatei são reais e aconteceram comigo. Podem ser comprovados. Ainda não apresentei queixa formal à ERSE porque considero uma “perda de tempo” pela simples razão de que eles não analisam a queixa e remetem-na para os serviços de protecção do consumidor. A própria Autoridade da Concorrência emite o mesmo tipo de resposta.

O que diz a ERSE

As situações identificadas pelo consumidor são, sucintamente, as seguintes:

  • 1. A informação pré-contratual não coincide com a informação de contrato e, em particular, com a que consta da fatura de fornecimento, após a mudança de comercializador;
  • 2. A mudança de comercializador pode acontecer sem a expressa autorização do consumidor;
  • 3. Aplicação da tarifa social na eletricidade;

Para qualquer uma das situações existem regras aprovadas pela ERSE que procuram evitar que as situações aconteçam, mas não se pode eliminar a 100% o risco de incumprimentos.

A questão da informação clara na contratação

O Regulamento de Relações Comerciais impõe o dever de informação aos consumidores sobre as ofertas comerciais e, mais ainda, de clareza na informação prestada. As condições que estiverem nos contratos são para serem cumpridas e as condições comunicadas nas ofertas devem ser repercutidas nos contratos.

Na informação da mudança de comercializador que a ERSE disponibiliza diretamente e em rede é sublinhada a importância de rever as condições que estão nos contratos de fornecimento, nomeadamente os preços aplicados no contrato, como está explicado no site da ERSE (ver reclamações) no portal do consumidor.

A atuação da ERSE tem sido orientada para a conjugação dos esforços de educação dos consumidores para os seus direitos e deveres e, sempre que detetadas situações de incumprimento, para a sua sanção e correção na perspetiva regulatória. A ERSE adotou uma ficha contratual padronizada, que abrange as fases pré-contratual e contratual, e que permite que cada consumidor possa mais facilmente comparar as ofertas que lhe são apresentadas e verificar a sua aplicação, uma vez concretizado o contrato.

Por norma, as situações de incumprimento reportadas tem o enquadramento no quadro sancionatório, o que pode passar, por exemplo em matérias que são assimiladas a fraude ou práticas comerciais desleais, à notificação ao Ministério Público e/ou ASAE.

As situações de incumprimento devem ser reportadas à ERSE pelos consumidores, desde logo porque é um direito que lhes assiste, e porque são estas situações, devidamente identificadas e documentadas que dão origem a uma parte substancial da atuação sancionatória.

Não corresponde à verdade que a ERSE não trate as situações de reclamação que lhe são dirigidas. Estas situações são tratadas em duas vertentes: São desencadeados os mecanismos de resolução de litígios de consumo, que passam por informar e, sempre que solicitado, mediar o conflito; e, na presença de situações de potencial incumprimento das regras legais e regulamentares, é desencadeado o procedimento de investigação sancionatória.

Não corresponde à verdade que a ERSE não trate as situações de reclamação que lhe são dirigidas. Estas situações são tratadas em duas vertentes: São desencadeados os mecanismos de resolução de litígios de consumo, que passam por informar e, sempre que solicitado, mediar o conflito; e na presença de situações de potencial incumprimento das regras legais e regulamentares, é desencadeado o procedimento de investigação sancionatória.
Resposta da ERSE sobre a situação concreta colocada por este consumidor

A mudança não autorizada de comercializador

A regulamentação sempre previu a existência de autorizações expressas dos consumidores para se concretizar a mudança de fornecedor. A regra foi adotada por aprendizagem com o que de menos bem sucedido se apurou no processo de liberalização no setor das telecomunicações.

Os consumidores de energia têm o direito de, havendo uma mudança ilegítima, de requerer aos operadores económicos a sua reversão. A mudança de comercializador segue regras aprovadas pela ERSE, que preveem a existência de auditorias sobre a sua aplicação, em particular também nesta questão em concreto – a existência de autorização do consumidor para a mudança. A mais recente auditoria independente, datada de dezembro de 2014, não detetou incumprimento reiterado deste dever, o que leva a ERSE a concluir que estas situações ocorrem com carácter muito pontual.

Também nesta situação, os consumidores devem reclamar, junto dos operadores económicos e, sempre que a situação não for resolvida, junto da ERSE. A ERSE dispõe de uma unidade especialmente vocacionada para o efeito – Apoio ao Consumidor de Energia.

O enquadramento dos restantes mecanismos de resolução alternativa de litígios – em particular, os centros de arbitragem – é efetuada numa perspetiva colaborativa, de modo a dotar os consumidores de um leque de possibilidades o mais alargado e o mais efetivo possível. A ERSE não se pronuncia sobre situações concretas salvo se existir autorização expressa dos consumidores para que tal aconteça.

Jorge Moreira da Silva, o ministro que tem a tutela da energia desde 2013

PAULO CUNHA/LUSA

A aplicação da tarifa social

A ERSE, na sequência de atuações de monitorização e inspeção a comercializadores de eletricidade e de gás natural, determinou a abertura de investigação sancionatória, por não se aplicarem as regras de procedimentos corretos na concessão da tarifa social. Em dezembro de 2014 foi publicada uma revisão regulamentar na eletricidade, que integrava, entre outras matérias, a adequação ao novo regime legal da tarifa social (datado de novembro de 2014).

Este é um terceiro exemplo de como as reclamações dirigidas à ERSE, por muito reduzidas que sejam em número, sempre que evidenciem situações de potencial incumprimento originam atuações no quadro regulatório e sancionatório.

O sucesso do processo de liberalização dos mercados de energia depende também da existência de consumidores mais participativos e intervenientes, desde logo na salvaguarda dos seus interesses. O continuado esforço da ERSE na divulgação de informação e na disponibilização de meios de acesso mais generalizado a essa informação tem tanto mais sentido quanto os consumidores façam deles uso, em seu benefício direto e em defesa dos interesses dos demais consumidores.

A investigação do regulador

O regulador já divulgou que está a investigar o incumprimento do dever de aplicação da tarifa social na sequência de uma inspeção realizada em fevereiro às instalações da EDP Comercial e da Galp Power. Entre os casos que estão a ser alvo de averiguação sancionatória estão o dever de informação e a não atribuição indevida da tarifa social. A coima máxima para estes comportamentos pode chegar a 10% da faturação anual da empresa sancionada.

A tarifa social destina-se às famílias economicamente mais vulneráveis e permite um desconto até mais de quatro euros por mês para uma fatura média mensal até uma potência de 6,9 kVA. Esta diferença é financiada pelas empresas de energia, em particular pela EDP que é o maior comercializador. O governo quer alargar o desconto a 500 mil famílias a partir deste ano, já que até ao final do ano passado, esta tarifa chegava apenas a 10% dos clientes que segundo a estimativa deveriam ter acesso.

A ERSE, cujos poderes de sanção foram reforçados por ordem da troika em 2013,  já abriu 26 processos de contra-ordenação e enviou sete infrações para o Ministério Público. As condenações até agora ainda são pouco significativas em valor.

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