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Recuperamos esta entrevista de vida a Elvira Fortunato de 2016 a propósito da sua indicação para ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Elvira Fortunato nasceu, cresceu e viveu toda a vida em Almada. Mas não se pense que nestes 51 anos de vida a investigadora esteve confinada àquela cidade. A profissão e a forma como se tem destacado na área da Engenharia de Materiais já a levou a correr o mundo e a ser conhecida internacionalmente — ainda que, em certos momentos, tivesse sido tomada não pela cientista que é, mas pela mulher do investigador.
A sua vida é um corrupio, mas vai tentando esticar o tempo para satisfazer todos os convites: desde ser presidente das comemorações do 10 de Junho (em 2015) até ser vice-presidente do grupo de conselheiros do ex-comissário europeu e agora presidente da Câmara de Lisboa Carlos Moedas para a Investigação, Ciência e Inovação.
Esta engenheira dos materiais confessa que nunca planeou nada na sua carreira e que tudo lhe foi surgindo por acaso. Neste caminho surgiram também muitas medalhas e distinções, como a medalha da Câmara Municipal de Almada, em 2008, a distinção com a Ordem do Infante D. Henrique, em 2015, a nomeação para o Prémio Europeu do Inventor, em 2016, a Medalha Czochralski (2017) ou o Prémio Pessoa (2020).
É inquestionável que o caminho que seguiu enquanto professora universitária e investigadora foi bem-sucedido. Falta saber como teria sido a vida de Elvira Fortunato se a tivessem aceitado como futebolista no Sporting Clube de Portugal.
Viveu toda a vida em Almada e frequentou aqui a escola. Como era viver nesta realidade antes do 25 de Abril?
Estava na quarta classe quando se deu o 25 de Abril. Andei numa escola pública, numa escola só com meninas. Aqui, [talvez porque] houvesse mais crianças, havia a escola das meninas e a escola dos meninos. Mas a minha mãe andou numa escola com as classes misturadas, inclusivamente com o meu pai [na altura viviam na Louriceira, Alcanena]. Provavelmente para gerir recursos.
E sentiu o impacto de mudar para uma escola mista quando foi para o ciclo?
Não noto que tenha tido problemas. Lembro-me que no ciclo tinha mais tendência para brincar só com raparigas e que no liceu já convivia mais com rapazes.
Teve uma melhor amiga na escola primária?
Tive algumas amigas, que até moravam ao pé de mim e íamos a pé para a escola. Tinha uma tia que me ia sempre levar o lanche de meio da manhã à escola. E as minhas amigas também acabavam por aproveitar aqueles lanches, os miminhos e as bolachinhas. Mas não mantivemos contacto.
Depois tive uma grande amiga no liceu, mas uma pessoa vai para a faculdade e começamos a ter horários diferentes e é mais complicado. Tenho outra amiga, que até vejo com mais regularidade. No 11º e 12º ano tínhamos um grupo da sueca que jogava nos intervalos. Mantive o contacto com essas colegas e, por acaso, com uma delas ainda mantenho contacto, porque ela acabou por dar explicações — na área da matemática — primeiro à minha irmã e agora à minha filha. E acabámos por retomar algum contacto.
E ainda joga sueca?
Já não tanto [risos].
Que outras brincadeiras fazia, especialmente quando era criança?
Brincava muito com bonecas, com a Nancy. Brincava muito com tachinhos e tinha uma cozinha. Aquilo até era um bocado chato, porque era de folha metálica que às vezes cortava os dedos. Mas era uma cozinha com muitas panelas e tachos e essas coisas todas.
E brincava com a sua irmã?
Com uma diferença de nove anos [ela é mais nova], não. Não tivemos muitas brincadeiras entre nós, porque a diferença era muito grande.
Vídeo: “Eu nunca planeei: ‘Quero ser cientista'”
O que sonhava ser quando crescesse?
Quando era muito pequena lembro-me que gostava de ser médica, mas depois não consigo ver sangue [sorri]. Lembro-me que, quando andava no liceu, antes de entrar para a universidade, queria ir para engenharia porque gosto de fazer coisas. Isso é, sem sombra de dúvidas, uma coisa que me dá prazer. Depois, o facto de ser cientista ou enveredar pela carreira de investigação está um bocado relacionado com o facto de ser professora universitária. Qualquer professor universitário tem de fazer investigação.
Continua a dar aulas e a fazer investigação?
Continuo a dar aulas, embora este ano esteja de sabática. Se lhe dissesse que neste momento faço investigação no laboratório era mentira. Faço o acompanhamento dos laboratórios e faço questão de estar presente nos laboratórios, porque na investigação há muitos detalhes e é preciso estarmos com os olhos abertos. Às vezes, uma coisa muito pequenina é o mais importante e o que pode fazer a diferença. Agora viajo muito, e com alguma regularidade, e não estou no laboratório como estava há uns anos: de bata e a fazer experiências. Sigo, coordeno, mas de uma forma diferente.
Tinha alguma disciplina preferida quando estava na escola?
Sempre gostei de biologia e tive uma cadeira de físico-química que me marcou muito. Às vezes, acaba por ser mais importante o professor do que a disciplina. E com a minha filha também tenho notado isso. A matéria até pode ser muito interessante e pode ser aquilo de que gostamos, mas se o professor não a explica bem ou se se estabelece alguma incompatibilidade entre o professor e o aluno, a cadeira morre.
Se olhar para trás, as cadeiras de que mais gostei foram aquelas em que tive os melhores professores, mais empenhados, mais exigentes, que no fundo puxavam por nós. São essas cadeiras que nos marcam. As que são muito fáceis não deixam rasto. O professor é mais fundamental que a própria disciplina e é isso que nos formata.
E isso marcou a forma como dá aulas?
Claro. Por exemplo, tive uma professora primária excelente — que já era velhota, mas que me formatou. Aliás, a escola primária é a principal, porque somos como um documento em branco, depois formatamo-nos: ou aprendemos bem, ou aprendemos mal. E tudo depende do professor que nos está a ensinar.
Eu por acaso tive a sorte de ter uma professora fabulosa, que fez com que tivesse uma boa educação desde o início. A escola primária é fundamental, por isso os melhores professores de todos deveriam estar na escola primária, porque são eles que modelam e formatam o percurso de toda uma sociedade.
E recorda-se dos momentos que mais a marcaram nessa fase?
A professora era muito exigente e havia alguma competição. Na altura ainda havia as reguadas, que não eram positivas, mas havia uma disciplina muito grande, uma organização muito grande. Por vezes vejo, em termos médios, que as crianças fazem aquilo que querem e eu acho que as crianças têm de fazer coisas de acordo com determinadas regras, ou seja, têm de aprender a ser organizadas, têm de aprender a ter métodos logo no início.
Andei sempre na escola pública e sou perfeitamente a favor da escola pública, mas a minha filha andou num colégio porque podia ter ali todas as atividades [por causa dos horários de trabalho, não podia levá-la de uma atividade para outra]. E recordo-me que as crianças tinham de ir de bata — era obrigatória. Ela ia de bata, mas havia colegas que não. Fazia-me um bocado confusão e coloquei essa questão nas reuniões que tinha com a professora e com os outros pais. E aquilo que eu ouvia dos outros pais é que os meninos não queriam usar bata.
E eu interrogava-me como é que uma criança com 7-8 anos já impõe regras aos pais ou já faz o que quer e como é que, aos 15 anos, esse pai ou essa mãe lhe vai impor qualquer coisa. Noto que no meu tempo talvez o ensino fosse um bocadinho mais rígido — o que também não é bom —, mas eu beneficiei disso, fez-me bem em termos da minha estrutura mental e estrutura como pessoa.
Foi sempre disciplinada?
Sim. Fui sempre disciplinada, sempre bem comportada. E fui sempre boa aluna.
Vídeo: “Tenho uma [faculdade] aqui, não vou para outro lado”
Disse-me que queria ir para engenharia porque gostava de fazer coisas. Mas sabia que queria seguir Engenharia Física e de Materiais?
Na altura não. Foram várias condicionantes: nasci em Almada e moro em Almada — agora aqui mais perto da universidade — e, quando acabei o 12º ano, esta faculdade tinha acabado de se instalar aqui no Monte da Caparica. Então, queria ir para engenharia e esta faculdade na altura tinha engenharia diferentes — foi inovadora em várias áreas em termos nacionais —, e como estava perto de casa pensei: “Tendo uma aqui ao lado, não vou para outro lado. Vou ficar por aqui”. Só tinha vantagens a vários níveis.
A primeira engenharia que queria até era engenharia do ambiente, porque também estava muito na moda a parte ambiental — aliás, é uma coisa que ainda hoje tenho em mente, é ter sempre muito cuidado com a parte ambiental —, mas na altura não entrei. Entrei na minha segunda escolha que foi Engenharia Física e dos Materiais. E gostei. Na altura, sou sincera, não sabia muito bem o que era. Hoje em dia até estão separadas: há Engenharia Física e Engenharia dos Materiais. Mas gostei muito, logo no início, e fiquei. E cada vez gosto mais. E nunca saí de cá.
E nesta parte das coisas mais práticas, tinha mais disciplinas deste tipo ou tinha hobbies em que usasse mais as mãos?
Até nem era relacionado com a eletrónica, mas sempre gostei de trabalhos manuais e ainda hoje gosto. Quando era mais pequena cheguei a bordar e gosto de fazer coisas com as mãos — até numa vertente mais artística —, mas o que fazia na altura nada tem a ver com o que faço agora, a arte agora é diferente. Gosto de pintura e de bricolagem, não tenho é tempo para essas coisas. Até um tapete de Arraiolos tenho por acabar.
Não lhe sobra tempo nenhum para hobbies?
O meu tempo é como uma manta. Se estico a manta para um lado, a manta não estica em si — ou fico com os pés de fora ou com o braço de fora. É evidente que não faço tantas coisas de hobbies como gostaria de fazer. E depois sou solicitada para muitas coisas e não gosto de dizer que não, portanto alguma coisa fica para trás.
O que é que mais gosta de fazer fora do trabalho ou o que não perde?
Gosto muito de estar em casa. Fiz obras recentemente, tenho quase uma casa nova, e apetece-me estar muito mais tempo em casa. E gosto imenso de cozinhar. Gosto de ir à praia. Gosto de ir ao cinema, mas reconheço que ultimamente tenho ido pouco, porque o meu tempo, especialmente este ano, é pouco.
Onde é que aprendeu a cozinhar ou quando lhe ganhou o gosto?
Na minha mãe não cozinhava, mas comecei depois de me casar. E gosto. Também gosto de comer. Às vezes ainda pergunto à minha tia ou à minha mãe como é que se faz… Ou perguntava, porque agora são elas que me perguntam a mim [risos]. Tenho muitos livros de cozinha e a internet tem muitas coisas. E agora é facílimo, há ene programas de televisão a ensinar a cozinhar. Eu costumo ver e a minha filha também gosta [de ver], mas não gosta de cozinhar. Gosto de ver para diversificar na comida. Podemos comer bife várias vezes, mas se for feito de maneiras diferentes sabe melhor, do que estar sempre a comer da mesma forma.
E cozinha mais para a família ou mais para os amigos?
Para ambos. E gosto de cozinhar quantidades grandes. Aliás, a minha filha vai fazer anos para o mês que vem e se tivermos tudo pronto [as obras concluídas, com o jardim e churrasqueira acabados], vamos estrear isso.
E alguma vez praticou algum desporto, andou na dança ou teve aulas de música?
Não tive [atividades] extracurriculares. Sempre gostei muito de futebol e ainda joguei um bocado fora do liceu com essa minha colega que dá explicações. Até chegámos a ir ao Sporting [Clube de Portugal], mas na altura nem havia futebol feminino. Nunca estive associada a um clube.
E sempre foi sportinguista?
O Sporting é o meu clube de sempre. Conhece alguém que tenha mudado de clube? É impressionante. As pessoas divorciam-se, mudam de partido político, mudam de religião, mas de clube não conheço ninguém que mude.
Um meu pai era sportinguista, mas não era doente. Era daquelas pessoas que achava que se o clube não jogou para ganhar, merece ter perdido. Na família da minha mãe eram todos sportinguistas, mas ela era sempre do contra: era sempre um bocadinho para o Benfica só para chatear, queria ter o clube oposto aos irmãos. Esse bocadinho ficou-lhe sempre, mas em casa, como o meu pai era sportinguista, eu sou sportinguista, a minha irmã é sportinguista, a minha mãe nunca diz que é benfiquista. Mas fica um bocado dividida quando há um Sporting-Benfica.
Depois tive a sorte de o meu marido ser do Sporting, a minha filha também ser do Sporting, o meu cunhado é do Sporting e agora o namorado da minha filha também é do Sporting. A família é quase toda do Sporting, por isso quando há encontros de família não se zangam por causa do clube [risos].
E os jogos do Sporting. Não perde nenhum?
[Risos] Sim, nisso o meu marido é doente. Por isso sempre que tenho tempo vou ao estádio, é verdade. Sou do Sporting e gosto de ver bom futebol. Quando o Sporting perde e perde bem não fico aborrecida — não jogou, não ganhou. O meu marido é doente pelo Sporting — e sofre imenso ——, eu não sou.
E o resultado do campeonato nacional?
Olhe, ganhou o melhor [risos].
Com uma vida profissional tão preenchida, como é que foi deixar de trabalhar durante a licença de maternidade?
Trabalhei em casa. Quer dizer, a criança também dorme. Aproveitei a licença de maternidade para concorrer a professora associada e preparar toda a documentação necessária.
Era impossível alhear-se do trabalho durante tanto tempo?
Claro. Assim como é impossível, enquanto estou no trabalho, alhear-me da minha filha ou da minha família. Há pessoas que dizem que quando estão no trabalho, é trabalho, e quando vão para casa, é casa. No meu caso não é assim, as coisas acabam todas por estar um bocado misturadas. Eu não chego a casa e deixo de pensar no trabalho ou chego aqui e deixo de pensar no que tenho em casa. No meu caso as coisas estão muito ligadas, porque isto é um trabalho, mas é um trabalho de que se gosta muito. Assim como gosto muito de estar em casa.
E trabalha com o seu marido. Como é que gerem esta situação?
É evidente que não poderia estar 24 horas por dia com ele. Trabalhamos em edifícios separados. Quer dizer, estamos no mesmo local, mas às vezes só nos vemos de manhã e à noite. E isso também é bom. Ele está aqui ao lado e eu nem telefono, mando-lhe um email, porque acho que é mais rápido. Trabalhamos em edifícios diferentes, fisicamente não estamos juntos, e por outro lado ocupamos áreas [de investigação] um bocado diferentes. Não andamos os dois a fazer a mesma coisa, senão também não era rentável.
Mas trabalha com o seu marido no mesmo grupo?
Sim, sim. Aliás, é ele o diretor do grupo. Eu sou a diretora deste centro e ele é presidente do departamento. Nós aqui na universidade [Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa] estamos divididos por departamentos, que são responsáveis pelos cursos que lecionam. E depois há parte de investigação, que está organizada em centros de investigação. Ele é presidente do Departamento de Ciências dos Materiais, eu sou diretora deste centro [CENIMAT, Centro de Investigação de Materiais] que pertence a um centro maior que é o I3N, do qual sou atualmente diretora.
E fazem investigação juntos?
Fazemos. Estamos no mesmo grupo do qual ele é o responsável. O centro está organizado em grupos de investigação, que englobam várias áreas. No fundo, o centro é a parte visível da investigação do departamento — inclui professores, alunos de doutoramento, pós-doc. Dependemos [o CENIMAT] um pouco do departamento, mas temos autonomia financeira — temos os projetos de investigação que entram como verbas aqui no centro.
O CENIMAT tem três grupos de investigação: o centro de materiais poliméricos e biomateriais, o grupo de materiais estruturais e o grupo de eletrónica, microeletrónica e nanotecnologias. Cada grupo tem vários investigadores e há um responsável por cada grupo. O meu marido, que é o professor Rodrigo Martins, é responsável pelo grupo das micro e nanotecnologias que é aquele em que eu estou também.
Vídeo: “Tentamos usar tecnologias que sejam amigas do ambiente”
Conheceu o seu marido aqui na Faculdade ou ele também é de Almada?
Não. O meu marido nasceu em Angola e a família dele é do Porto. Veio para cá aquando do 25 de Abril e foi dar aulas para a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Mas era uma altura conturbada, depois do 25 de Abril — a altura do PREC. Ele quis fazer um mestrado lá fora — na altura quase não havia doutorados nas universidades — e ganhou uma bolsa dos rotários [Clubes Rotários] para ir fazer um mestrado na Escócia. E foi. Mas ficou desempregado, porque a universidade não permitia que ele fosse. Era considerado um elitismo. Mesmo em cima do 25 de Abril era a mentalidade que existia. Ele desvinculou-se da FEUP, foi fazer os seus estudos e, quando regressou, abriu uma posição na [Universidade] Nova e ele concorreu.
Sentiu dificuldades em se afirmar enquanto mulher nesta área de investigação? Ou sentiu dificuldades porque a própria área de investigação era recente?
Não, não tive dificuldade. Por ser mulher não tive dificuldades nenhumas. Sei que no início, às vezes, quando ia a conferências, e porque eu e o meu marido trabalhamos juntos, pensavam que eu era a esposa do investigador [risos]. Mas não, nunca tive problemas pelo facto de ser mulher, nem em Portugal, nem lá fora.
Nas químicas e nas bios [ciências da vida] há mais mulheres. Na minha área, das físicas, há mais homens. Quando vou a um congresso a maior parte das pessoas são homens, ainda hoje. Na altura encarava com naturalidade, porque era o normal. Ainda hoje, recebemos os anúncios dos congressos e vêm lá programas só para senhoras, porque geralmente são as senhoras que são as acompanhantes. Encaro com naturalidade, também não tenho aqui nenhum etiqueta a dizer sou investigadora.
Reconheço que sendo uma área mais de eletrónica é uma área mais masculinizada. Mas como trabalhamos muito a parte das ciências dos materiais — no desenvolvimento de novos materiais para eletrónica (não na eletrónica pura e dura de projetar circuitos) — é quase fifty-fifty [meio por meio de homens e mulheres investigadores].
E levam os “Materiais” para casa?
Às vezes levamos.
A vossa filha é influenciada pelo vosso trabalho?
É um bocado. Também está na área das ciências. Não sei bem o que ela quer fazer no futuro, mas tem sido influenciada. Aliás, também tem viajado connosco, por vezes vamos a congressos e tentamos juntar o útil ao agradável e fazer um bocadinho de férias em locais diferentes. É impossível não ser influenciada.
E para que sítios têm viajado, além da Europa?
Ela já foi três vezes à Coreia do Sul, duas vezes ao Japão e aos Estados Unidos já foi muitas vezes. Ela gosta muito do Japão, pela cultura, e da América, pela sociedade em si e pelas pessoas. Houve um tempo em que ela queria ir estudar para a América e para o Japão.
Também gosto muito dos Estados Unidos. Se algum dia tivesse que emigrar era para os Estados Unidos que ia. Muito embora haja muita competição, acho que são pessoas francas. São honestos. Vamos a uma loja e todos nos recebem muito bem. E gosto daquele espírito de vencer. Lá não é preciso haver campeonato de futebol para ver bandeiras nos prédios. Para eles a bandeira, a pátria, é uma coisa que já nasce com eles. É esse o espírito americano, o espírito de vencer.
E o resto da família como é que reage a todo este trabalho e notoriedade pública?
Reage bem. E ficam contentes. É um orgulho. Tenho duas sobrinhas pequenas que, de cada vez que apareço na televisão, ficam contentes de ver a tia [risos].
Enquanto mãe já terá tido algumas histórias engraçadas com a sua filha?
[Sorri] Os miúdos quando são pequenos crescem muito depressa. Ela batizou-se com cinco meses e eu tinha comprado os sapatos [para o batizado] um mês antes. [No dia, e] com muito custo lá consegui calçá-los. Ia-me dando um colapso, não tinha outros sapatos para lhe calçar.
Mas temos muitos [outros] episódios. Ela tinha uma daquelas máquinas pequeninas de jogar — uma PSP, ou assim — e nós fomos a uma escola de verão ao pé de Munique. A escola de verão acabou e como íamos os três aproveitámos para viajar um bocadinho por ali. No dia seguinte apanhámos o comboio e ela ia com a sua mala e com a PSP na mão — e ela que não gosta de andar com nada nas mãos, nem casacos, nem nada. Entrámos todos para o comboio e quando o comboio começou a andar, olhámos para o banco da estação e tinha lá ficado a PSP.
As portas estavam fechadas e o comboio a andar e já não podíamos fazer nada. Por sorte o comboio parou na estação seguinte. Nós saímos a correr [para voltar para a estação anterior]. Ao cimo da rua descobri uma praça de táxis, com um escritório, e pedi à senhora para me ligar a alguém dos táxis da estação anterior: “Se puderem ir buscar a máquina de jogos agradecemos, porque estamos a andar para lá”. Fomos andando para a estação e não é que, quando chegámos, já lá estava uma senhora dos táxis com a PSP na mão. Foi uma sorte. Às vezes temos assim episódios, mas de sorte. Temos muitos episódios de coisas deste género, mas que acabam bem.
E recorda-se do primeiro dia em que ela foi para a escola primária?
Ela andou aqui na creche, primeiro. A minha mãe mora em Almada, e ela primeiro esteve na minha mãe, até aos três anos. Depois dos três aos cinco esteve aqui na faculdade — a minha faculdade tem um jardim-de-infância. E fez a pré-primária já no colégio. Ela é muito extrovertida, faz amizades muito facilmente e não teve choque nenhum [com as mudanças]. E nunca chorou para ir para a escola.
No meio de todo este tempo já bastante preenchido, ainda foi convidada para ser a presidente das comemorações do 10 de Junho em 2015. Como foi a preparação para isso?
Tivemos de ter várias reuniões, muito embora a Secretaria-Geral da Presidência da República tenha uma estrutura muito bem montada e sejam muito eficientes. Eles têm um conjunto de pessoas que trata dos eventos do 10 de Junho — e não só. Embora tenha sido a presidente [das comemorações] tive um apoio total, as coisas estão já mais ou menos preconcebidas, mas há trabalho preparatório de reuniões in locu — tive de ir várias vezes a Lamego preparar as coisas —, escrever várias coisas para serem distribuídas e os próprios discursos [como o discurso oficial]. São coisas que podem ser mais pequenas, mas que dão muito trabalho em termos de escrita, de pensar e de responsabilidade. São coisas muito importantes, porque vamos estar expostos a 10 milhões de pessoas. Mas eu gostei imenso.
Há muito pormenor: o paraquedista que tem de cair com a bandeira, mas está ali um cabo te tensão. E todo o protocolo. O protocolo é ao minuto, a entrada das pessoas, etc., até há um livrinho. Mas depois é muito interessante, porque durante vários dias temos um contacto muito direto com o Presidente da República e isso gostei imenso. Quer dizer, aquela noção que temos do Cavaco Silva como uma pessoa muito fria, aquele aspeto que ele demonstra nas câmaras, não tem nada a ver com ele, ele é uma pessoa diferente. Depois, a cerimónia em si é lindíssima. Eu nunca tinha estado numa parada militar e aquilo arrepia. Gostei imenso, aprendi imenso, foi uma experiência muito enriquecedora.
Porque é que a escolheram?
Não faço a mínima ideia. Teria de perguntar ao professor Cavaco Silva [sorriso]. Fui condecorada pelo Presidente da República em 2010 [com o grau de] Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. As Ordens Nacionais, como esta, são para pessoas que tenham levado o país lá para fora, que tenho tido muito reconhecimento internacional. No fundo que sejamos conhecidos lá fora e que com isso se conheça Portugal. A mim foi na parte da investigação científica, mas devido ao meu reconhecimento em termos internacionais.
Eu fui condecorada a 10 de Junho de 2010, em Faro, e, passado pouco tempo [no ano seguinte], fui convidada pelo Presidente para integrar as Ordens Honoríficas [Antigas Ordens Militares, Ordens Nacionais e Ordens de Mérito], cuja chanceler, na Ordem do Infante [Ordem Nacional], é da doutora Manuela Ferreira Leite. E o meu mandato — vogal das Ordens Nacionais — cessou exatamente no dia em que o Presidente Cavaco Silva cessou o seu mandato, no dia 9 de março de 2016.
Então, [no início de junho,] estava eu à espera de avião em Amesterdão, liga-me a doutora Manuela Ferreira Leite a perguntar se eu estava interessada em pertencer novamente às Ordens, agora na Presidência do professor Marcelo Rebelo de Sousa. E eu disse que sim. Acho que é um orgulho pertencer. E tomei posse agora há pouco tempo [no dia 9 de junho].
Que funções tem neste conselho?
Uma das funções destes conselhos é selecionar e propor ao Presidente da República quem é homenageado no 10 de junho. Nós, os conselheiros, podemos propor nomes, mas geralmente há muitas propostas que vem do Governo, dos cidadãos — qualquer cidadão pode enviar uma proposta — ou até mesmo da Casa Civil. Todas as propostas passam por estes conselhos e daqui vão ao Presidente, mas o Presidente é que tem a última palavra — pode até querer condecorar pessoas que não foram propostas pelo conselho. E nós notávamos isso no conselho.
Este ano o Presidente fez isto de uma maneira completamente diferente. Eu tomei posse no dia 9 de junho, depois da cerimónia Instituto Europeu de Patentes [que decorreu em Lisboa]. No 10 de junho homenageou apenas quatro militares e quatro portugueses em França que tiveram um papel importante nos atentados. E aquilo que ele disse é que o ano tem 365 dias, portanto se calhar vai ter um filosofia diferente, as condecorações podem não ficar só restritas ao 10 de junho. Ainda não sei como vai ser.
Vídeo: “Fazer transístores é como fazer bolos em casa”
A nomeação para o Prémio Europeu do Inventor este ano foi um reconhecimento importante. A vossa tecnologia é o Invisible, correto? Podia falar-nos um pouco dessa tecnologia?
Os transístores de papel são a base desta nomeação do Instituto Europeu de Patentes e é de um projeto que remonta a 2008. Nessa altura fizemos o primeiro artigo onde se mostrava que era possível utilizar uma folha de papel para fazer um transístor. Só que o transístor é muito mais do que o papel.
Zinco
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↑ Esconder
Os óxidos de zinco é um material usado correntemente, por exemplo, um dos ingredientes dos protetores solares é o ZnO, óxido de zinco.
Costumo dizer que fazermos estes transístores é um bocado similar a fazermos um bolo em casa. Eu, para fazer um bolo, preciso de três ingredientes: farinha, ovos e açúcar — é evidente que, dependendo do cozinheiro, o bolo pode sair melhor ou pior. No caso do transístor de papel, também preciso de três materiais diferentes. Preciso de materiais condutores, tipo metais, que conduzem eletricidade. Preciso de materiais semicondutores. Neste caso, não usamos o silício, usamos óxidos metálicos, tipo óxido de zinco. Usamos estes materiais, de custos muito baratos e biocompatíveis, como semicondutores. E por último precisamos de ter um material isolante, tipo vidro ou papel.
Se tiver estes três materiais — condutores, semicondutores e isolantes — faço um transístor. Então, porque não usar o papel, que é um isolante, como o isolante do transístor. Portanto a ideia surgiu um bocadinho assim.
Essa é, de facto, uma questão: de onde vos vêm estas ideias?
Às vezes estas ideias aparecem assim um bocadinho de repente. Sei lá. Uma pessoa lembra-se que trabalha na área dos materiais, sabemos quais as propriedades dos materiais e que, por vezes, podemos usá-los em coisas que à partida ninguém estava à espera.
Daí também o sucesso do transístor de papel. Ninguém estava a pensar usar o papel para fazer eletrónica ou usar o papel como um material de eletrónica. Nós fizemos isso. O transístor de papel tem estes três materiais diferentes. E, neste caso, a função do papel, para além de ser o isolante — é um material que não conduz, não temos cabos elétricos de papel —, ele tem uma dupla função: é um componente de eletrónica (isolante) e funciona como suporte físico (porque os outros materiais – o semicondutor e o condutor – têm de estar agarrados ao papel).
É quase como fazer uma fotocópia frente e verso, num dos lados tenho o semicondutor, do outro lado tenho o condutor, que estão isolados eletricamente por uma folha de papel. Foi isto que foi feito. Mesmo nós na altura não estávamos à espera que esta invenção tivesse a dimensão que teve e que está a ter, mesmo passado estes anos todos. São coisas muito simples, de baixo custo, que têm uma aplicabilidade muito grande (esperamos).
Mesmo na altura, em 2008 quando foi anunciado, o transístor de papel teve logo um impacto que para vocês era inesperado.
Completamente. Isto apareceu no Euronews, apareceu em tudo quanto era sítio. A Economist tem uma secção de tecnologia que vai reportando aquilo que de melhor se faz em termos mundiais na área científico-tecnológica. E qual não é o meu espanto quando um colega me manda por email a página, digitalizada, da Economist onde se falava do transístor de papel.
Sabíamos que era uma coisa diferente, mas não estávamos à espera que tivesse este impacto. Depois, é uma coisa que toda a gente conhece, o papel é uma coisa quase omnipresente, não é? Anda por todo o lado, qualquer pessoa conhece o material. Se calhar se eu fizesse uma coisa diferente em termos de investigação, não tinha uma visibilidade tão grande, mas o papel é uma coisa muito acessível, qualquer pessoa conhece o papel, qualquer pessoa trabalha com o papel.
Vídeo: “Fizemos uma célula fotovoltaica em Tetra Pack”
Quais são as aplicações deste transístor de papel?
Neste momento não há produtos comerciais. Há alguns protótipos que estão a usar parte desta tecnologia, mas a área em que nós achamos que vai ter uma aplicabilidade muito grande é na das embalagens inteligentes.
Se falarmos das embalagens alimentares, cada vez mais é importante sabermos a validade, mas também o estado do alimento que lá está — que pode até estar dentro do prazo de validade, mas ter qualquer problema que nos faz mal. Portanto, temos desde sensores à base de eletrónica a pequenos mostradores à base de eletrónica de papel. Sendo o papel uma coisa barata, e a embalagem em si também, não faz sentido pôr a eletrónica convencional à base de silício numa embalagem — é mais caro isso do que aquilo que lá está dentro. Para este tipo de coisas, as embalagens chamadas inteligentes, vão ter uma aplicabilidade muito grande.
Ainda nas embalagens, talvez a primeira porta que se está a abrir, para esta tecnologia, é na área farmacêutica. Exatamente pelo custo inerente ao que já está lá dentro.
E isso já está a ser feito em alguns países nórdicos, como Suécia ou Finlândia, em que as próprias embalagens dos medicamentos — até mesmo os blisters dos comprimidos -, podem estar ligados e monitorizar, por exemplo, se pessoas mais idosas que vivam sozinhas tomaram o comprimido na hora correta, se não tomaram há um alarme que é enviado para a pessoa não se esquecer de tomar o medicamento.
E depois, temos a internet das coisas, em que tudo tem de comunicar. Ora, se estas coisas têm todas de comunicar umas com as outras de certeza que não é com uma tecnologia de eletrónica muito cara. Temos de ter tecnologia de menor custo, flexível, e até que se possa colocar de uma forma fácil, e ter estas coisas todas a comunicar entre si.
Tem sido fácil chegar às empresas, em especial às empresas portuguesas?
Tem sido difícil. Estamos a falar de coisas muito diferentes. Não estou a desenvolver um papel novo para uma embalagem diferente. Não estamos a otimizar o papel de uma embalagem que já existe. Não estamos a fazer isso.
Com a tecnologia do transístor de papel é uma coisa completamente nova e, por vezes, é difícil quando se tem uma coisa muito diferente. “Onde é que é aplicado e como é que se vai fazer?” Ao passo que nas outras aplicações a inovação são sempre pequenos acréscimos que vamos fazendo, em termos de otimização. Aqui não há história. Começou em 2008. Antes disso, não é um deserto, mas há que colocar algumas árvores.
Há outras equipas a trabalhar com a tecnologia do papel?
Sim, sim. Tanto na Europa como nos Estados Unidos. A base é a mesma, mas o princípio é o nosso, nós fomos os primeiros a fazer isso. Agora, os outros, até estão, nalguns casos, a fazer melhor do que nós. A ideia é que se existirem outros grupos de investigação que façam melhor do que nós, os melhores que se cheguem à frente. Isso não é problema nenhum.
Vídeo: “Temos uma patente com a Samsung na área dos mostradores planos”
Além do transístor de papel, o laboratório tem outras patentes e outros grandes resultados. Consegue destacar os que considera mais relevantes?
Na área dos materiais tentamos sempre que possível trabalhar com materiais abundantes na natureza e não tóxicos. E as tecnologias que usamos para fazer os dispositivos — sejam transístores, testes de diagnóstico rápido, células fotovoltaicas, mostradores — tentamos que sejam também amigas do ambiente, não poluentes e de baixo custo. Isso é uma linha que nós temos aqui no laboratório.
Depois trabalhamos com materiais convencionais, para aplicações não convencionais, como o caso do papel. Utilizamos o papel para tudo menos para escrever ou para fotocopiar. Também fizemos recentemente uma célula fotovoltaica em Tetra pak. Chamamos-lhe o Tetrasolar, porque Tetra pak é uma marca registada e não podíamos utilizar. Tínhamos o Tetra pak utilizado nas embalagens e as embalagens, para terem eletrónica, esta tem de ser alimentada. Logo, precisamos de uma fonte de energia, que pode ser o Sol. E mesmo que não faça sol, temos uma bateria em papel que durante a noite pode alimentar o circuito.
Outra área que posso destacar é a área da eletrónica transparente — que foi a bolsa que ganhei em 2008 do European Research Council [Conselho Europeu de Investigação] —, que tem uma aplicabilidade mais imediata, porque é na área dos mostradores. Temos uma patente internacional com a Samsung da Coreia do Sul na área dos mostradores planos, a nova tecnologia de mostradores que vai deixar de utilizar os cristais líquidos e vai passar a usar os OLED [organic light-emitting diode]. Cada píxel do nosso computador, ou do nosso telefone, ou do nosso “i-qualquer-coisa”, tem um píxel e um transístor lá atrás. Esses transístores, atualmente, são feitos de silício, mas se eu quiser mudar a parte do cristal líquido para OLED, preciso de ter um transístor que forneça mais corrente para o acender. Os atuais, à base de silício amorfo, não têm essa capacidade, são maus nesse sentido.
Desenvolvemos o processo para a Samsung aqui, na Caparica, com os óxidos de zinco — esta eletrónica transparente. Na Coreia, testaram-no e conseguiram reproduzi-lo e isso deu origem a uma patente. Ficámos muito contentes. É o reconhecimento. Quantas vezes temos um artigo científico, tentamos reproduzir o que lá está e não conseguimos.
Já está a ser comercializada?
Já existe. Os preços ainda são um bocadinho elevados. Os materiais são todos mais baratos, mas é como quando apareceram os ecrãs pequeninos: era tudo muito caro. À medida que se produz em massa, o preço cai quase exponencialmente.
Disse-me que o papel é muitas vezes usado pela sua equipa. Que outros exemplos poderia dar além do transístor de papel?
Temos os transístores de papel, as células fotovoltaicas em papel, os mostradores, as baterias, temos testes de diagnóstico rápido em papel, seja para a tuberculose, seja para a malária, ou para a glucose — fazemos essas tirinhas em papel e funcionam exatamente como as outras. Estamos agora também a tentar negociar com uma empresa — porque são coisas descartáveis da área do diagnóstico e as contaminações são importantes. O papel queimamos. Não temos de reciclar, nem autoclavar, basta queimar, acabou, desaparece, não tem problemas de contaminação.
Com o trabalho que tem desenvolvido já foi galardoada com vários prémios. Se tivesse de destacar alguns, quais escolheria como mais importantes?
São todos importantes. Na altura são todos importantes. Não queria estar a destacar, mas é evidente que um prémio é bom. E bom para quê? É o reconhecimento da carreira, é bom para o grupo, é bom até aqui para a escola, é bom para o país — quando são prémios fora de Portugal. São bons aqueles prémios que podem a um curto e médio prazo trazer mais benefício para nós novamente, para a universidade, para o país. Esses, se calhar, acabam por ter uma importância maior, porque têm alguma coisa acrescida.
É evidente que os prémios nacionais são muito bem-vindos, mas estamos em Portugal somos 10 milhões. Quando vamos para uma Europa, a dimensão é completamente diferente, as industrias são completamente diferentes. Estes prémios, que saem fora das nossas fronteiras, acabam por ter mais importância relativamente àquilo que nos podem trazer em termos futuros. Estes prémios não são prémios monetários, são prémios de prestígio. Daí que seja importante aliar toda esta visibilidade que temos estado a ter, mesmo só com esta nomeação [para o Prémio Europeu do Inventor], só isso é bom.
Sente que está a fazer o que sempre sonhou fazer? Ou nunca sonhou com isto e tem seguido um percurso que a tem levado até aqui?
Nunca planeei muito a minha vida. Nunca planeei: “Quero ser cientista”. A minha vida não tem sido muito projetada a longo prazo. Tenho feito o meu trabalho, acho que tento fazê-lo sempre o melhor que consigo, e da melhor forma possível, e as coisas têm aparecido de forma natural. Sempre tive muito orgulho naquilo que faço. Não tenho qualquer tipo de preconceito, seja de inferioridade ou se superioridade: acho que se um japonês ou um americano conseguem fazer aquilo, eu também consigo. É evidente que posso demorar mais tempo, não tenho as mesmas infraestruturas cá em Portugal, não tenho os mesmos recursos. Mas, por exemplo, nunca ninguém se tinha lembrado de fazer um transístor de papel.