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Quatro gerações numa casa: foi há sete anos que Maria de Lourdes, 90 anos, se mudou. Os Malhado também dão apoio a outro filho, tomando conta de Francisco, 4 anos.
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Quatro gerações numa casa: foi há sete anos que Maria de Lourdes, 90 anos, se mudou. Os Malhado também dão apoio a outro filho, tomando conta de Francisco, 4 anos.

Andreia Reisinho Costa

Quatro gerações numa casa: foi há sete anos que Maria de Lourdes, 90 anos, se mudou. Os Malhado também dão apoio a outro filho, tomando conta de Francisco, 4 anos.

Andreia Reisinho Costa

Geração Sanduíche. Cuidar dos pais quando ainda se toma conta dos filhos

A situação é cada vez mais frequente: casais que tratam dos pais e que ainda cuidam dos filhos. Às vezes, até dos netos. Chamam-lhes a Geração Sanduíche e são cada vez mais.

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Na entrada da cozinha está um capacete de obras. De cada vez que entra na divisão, José , 84 anos, enfia a armadura na cabeça. Para ir buscar água ou petiscos tem de ir protegido. Laurinda Alves, filha de José, conta que um dia o pai deu ali uma cabeçada forte e, não havendo forma de desmanchar o teto, era preciso encontrar uma solução rápida: “Arranjámos o capacete e assim está tudo bem. Ele nunca sequer foi engenheiro nem mestre-de-obras”, diz a rir-se. Laurinda Alves vive com os pais, José e Maria Helena, e com o filho Martim.

São cada vez mais os adultos que vivem encaixados entre os filhos que ainda não são autónomos e os pais que começam a deixar de o ser. A Geração Sanduíche, assim denominada, está espremida entre duas faixas etárias completamente afastadas e tem de se adaptar a um ritmo galopante para conseguir suportar todo o agregado familiar.

Nasceram nas décadas de 50 e de 60, no período de transição entre o fim da Segunda Grande Guerra Mundial e o início das revoluções comportamentais. E amadureceram enquanto o país acordava para a democracia. Hoje, com um intervalo de idades que vai dos 50 aos 65 anos, a Geração Sanduíche cuida dos pais  — que são hoje os pensionistas a quem foi cortado o orçamento — e dos filhos que entretanto tiveram — que enfrentam empregos precários ou o desemprego. A Geração Sanduíche cuida dos velhos e cuida dos novos, apertada entre adolescentes, desempregados, e idosos fisicamente dependentes.

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Ilustração: Andreia Reisinho Costa

O dia-a-dia mudou desde que Maria Helena e José fizeram as malas rumo a casa da filha e do neto. O convite partiu de Laurinda que quis precaver a fragilidade que se adivinhava: “Moramos juntos há dois anos e meio. Eles estavam bem, sempre foram autónomos. Desafiei-os a viverem comigo nessa altura para antecipar a fase em que iam começar a precisar de ajuda”, recorda a jornalista.

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Trazer os pais para casa

O momento chegou entretanto. Há cerca de um mês e meio, José foi operado a um tumor cerebral. Agora, conta Laurinda Alves, apesar do choque e do sofrimento, foi tudo mais fácil: “Se no meio de tudo isto tivéssemos de fazer uma mudança e a adaptação a uma casa nova, seria ainda pior. Para ele é mais fácil já termos as nossas rotinas.” Mas até chegar a notícia da doença do pai, a maior preocupação de Laurinda sempre foi a mãe: “Tem problemas renais, um pacemaker, diabetes e agora a circulação nas mãos não é boa – isso é muito perigoso para os diabéticos”, explica.

É quando estamos a conversar sobre a doença de Maria Helena que se ouve um chocalhar de chaves a rodar a fechadura da porta de entrada da casa. “Boa tarde!”, dizem os pais entusiasmados. Chegam do passeio diurno que costumam dar pela cidade. José tem os óculos encaixados sobre o nariz, corpo magro e sorriso de miúdo. Mesmo no centro da cabeça, a cicatriz escura denuncia a cirurgia recente. Maria Helena mostra o interior do pulso esquerdo, inchado e amarelado devido à deficiente irrigação sanguínea: “Mazelas de velhos”, atira, bem disposta. São 18h30 e com as apresentações e simpatias feitas, o casal recolhe-se para descansar um pouco da azáfama da cidade: “Costumam comer coisas leves ao jantar, sopa e fruta, não é costume jantarmos juntos”, conta Laurinda Alves.

Na casa da jornalista vivem os seus pais, Maria Helena (80 anos) e José (84 an0s) e ainda o filho Martim (23 anos). No caso de Laurinda, os cuidados com o filho ainda se enquadram dentro do percurso natural: “O Martim está a estudar, acaba para o ano. Agora estão cá as três gerações, até setembro. Ele decidiu fazer este ano em Milão, mas sempre que está em Lisboa, vive cá em casa.”

"Percebemos que temos uma auto-suficiência espetacular. Fico a pensar que posso ser enfermeira, empregada de casa, mãe, profissional, e corre tudo bem"
Laurinda Alves, jornalista

A Geração Sanduíche defronta-se com a necessidade de dar o apoio financeiro aos filhos, mas também com o ato de cuidar dos pais, uma exigência de tempo e de disponibilidade mental que passa a ser a dobrar: “Percebemos que temos uma auto-suficiência espetacular. Fico a pensar que posso ser enfermeira, empregada de casa, mãe, profissional, e corre tudo bem”, conta Laurinda Alves.

O aumento da esperança média de vida é uma das variáveis que contribui para o novo modelo familiar: enquanto em 1960, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o índice de envelhecimento se fixava nos 27,3%, passados 51 anos, em 2011, esse valor já tinha atingido os 127,8%. Mas este não é, claro, o único fator responsável pela realidade atual. O crescimento do desemprego jovem e a elevada percentagem de empregos precários também entram nestas contas.

Maria das Dores Guerreiro, professora do Departamento de Sociologia do ISCTE, explica: “Com o aumento da esperança média de vida, temos uma maior camada dos ascendentes muito idosos com presença nas redes familiares. Por outro lado, a precariedade laboral das gerações mais jovens leva a que esta geração dos 55-65 anos também tenha de prestar apoio aos filhos”.

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Decenal – INE, Recenseamento da População e Habitação

É o caso da família Malhado. Alexandre tem 21 anos, já acabou o curso, e vive com os pais. António e Anabela, têm ambos têm 56 anos, e também cuidam de Maria de Lourdes, 90 primaveras energéticas, e avó materna de Alexandre.
A cumprir o primeiro estágio a tempo inteiro, Alexandre ainda depende financeiramente dos pais e, como está em casa, todos os restantes cuidados dos progenitores mantêm-se. Além dos custos diários, ainda há as tarefas domésticas: refeições, roupa, e até transporte. E como sai tarde do trabalho e o autocarro deixa-o longe de casa, pelas duas da manhã, António está encarregue de o ir buscar. E faz questão disso: “É o único tempo que tenho para falar com ele. São cinco minutinhos super importantes”, conta o pai.

Para não estar sozinha veio para aqui, foi por amor, é o nosso bebé”, António Malhado

A avó, Maria de Lourdes, mudou-se para o apartamento dos Malhado há quase sete anos. A morte do marido foi o fator decisivo para a alteração da estrutura do quadro familiar: “Para não estar sozinha veio para aqui, foi por amor, é o nosso bebé”, deixa escapar António um pouco emocionado.

entrevista, familia sanduiche,

Maria de Lourdes, 90 anos, mudou-se para a casa da filha quando ficou viúva, há sete anos.

A família teve sorte. É Anabela Malhado quem o diz: “A minha mãe é muito ativa, ajuda, e muitas vezes faz o jantar.” Maria de Lourdes não se entrega aos 90 anos e faz por se manter mexida: exercita-se nas aulas de hidroginástica, que também a ajudam a controlar a artrose que ganhou; vai ao café próximo de casa, cozinha, e até vem prédio acima carregada com as compras do supermercado. “É ela que cuida de nós, muitas vezes”, atira Alexandre. O estagiário, percebe-se, é o miúdo dos olhos da avó. Maria de Lourdes chora de cada vez que fala dele: “Estou a chorar porque o adoro, é o neto mais querido que eu podia ter no mundo”. E remata, mudando de repente o tom de voz: “Às vezes gostava que ele não fosse tão bom. Se eu sei que alguém lhe faz mal…”.

Se eu tivesse ficado a sozinha acho que já não era viva. Quando estou só, fico triste. São eles que me mantêm feliz.
Maria de Lourdes, 90 anos, Lisboa

Avó e neto são amigos. Maria de Lourdes faz a figura de senhora que é, mas por trás das rugas tem um ar de criança malandra. Essa será uma das razões que afasta um possível choque geracional na família. Alexandre diz mesmo que até se surpreende com a capacidade de adaptação aos novos tempos que a avó vai demonstrando: “Sempre fui um pinga-amor. Como costumo desabafar com a minha família, às vezes trago umas histórias mais modernas. A minha avó? Ri-se imenso! Estou a tentar pensar numa situação porreira… há aquela…” Alexandre solta uma gargalhada e deixa-nos curiosos. A tal memória fica guardada entre avó e neto, sustenta-lhes a cumplicidade, e não é para ser partilhada com outros.

Desemprego tardio

Outra das variáveis que “apertam” as famílias multigeracionais, diz Maria das Dores Guerreiro, é o desemprego tardio. A socióloga lembra que, em muitas famílias, os adultos que têm gerações ascendentes e descendentes a seu encargo, enfrentam, eles próprios, a fragilidade de um país em crise económica: “Adultos perto dos 40 anos, com filhos crianças, que se confrontam com empregos precários ou desemprego”.

Geração Sanduíche Procura-emprego

Ilustração: Andreia Reisinho Costa

No total, mostram as estatísticas do INE, a taxa de desemprego aumentou de 7,6% em 1983, para 13,9%, em 2014. Já este ano, as contas do instituto fixam o desemprego nos 11,9%, no segundo trimestre do ano.

desempregolocalresidencia

INE, Recenseamento da População e Habitação

Às vezes também há os netos

Em muitos casos, o apoio exigido a estes pais estende-se a outros membros da família. Há muitos adultos sanduíche que já têm netos e, com a correria da sociedade contemporânea, ainda dão apoio, educando as crianças. A família Malhado é, uma vez mais, exemplo disso. Antony, irmão de Alexandre, vive numa casa própria com a mulher. Com 36 anos e a carreira profissional a controlar grande parte do tempo, o filho de quatro anos, Francisco, fica muitas vezes ao cuidado dos avós.

Resumindo: António e Anabela, que também têm carreiras profissionais, cuidam de Maria de Lourdes (9o anos), de Alexandre, (21 anos), e do pequeno Francisco, (4 anos): “As coisas não estão fáceis e também ajudamos na logística do Francisco. Mesmo durante o ano letivo sou eu que o vou buscar à escola e o levo ao emprego do meu filho”, esclarece António.

Os netos que entretanto nascem juntam mais uma camada à responsabilidade da Geração Sanduíche. No caso de Antony, o apoio resume-se ao verbo cuidar. Mas muitas vezes, e de novo devido aos empregos precários e à elevada taxa de desemprego, a Geração Sanduíche também ajuda financeiramente os filhos e os netos. A socióloga Maria das Dores Guerreiro sublinha: “Há muitos jovens em situações precárias que já são pais. São os avós que ajudam em termos de orçamento doméstico, pagando a escola ou o infantário, despesas de transporte, renda da casa ou roupas para as crianças”.

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Com o novo quadro familiar, Maria de Lourdes e Francisco Jonet Malhado, bisavó e bisneto, convivem frequentemente. / Sebastião Almeida

É neste ponto que Pedro Adão e Silva, outro sociólogo, acredita que os cortes que os pensionistas sofreram nos últimos anos têm influência: “Os cortes nas reformas tiveram um efeito negativo já que muitos pensionistas ajudavam filhos e netos”, diz. Ou seja, além de tratarem dos pais, os adultos entre os 55 e os 65 anos, também se confrontam com cortes financeiros que a crise impôs e que, em muitos casos, acabam por ter um embate frontal no orçamento de vários membros da família.

"Quando os adultos que hoje têm 40 anos envelhecerem - se continuarem a viver com restrições económicas, sem garantia de empregos nem acesso a pensões de reforma - dificilmente poderão continuar a apoiar.
Esta geração providência tenderá a não reproduzir-se, o que coloca grandes problemas ao nível dos sistemas de proteção social"
Maria das Dores Guerreiro, Socióloga, Lisboa

Cuidar em casas diferentes

Nuno Vieira sempre viveu próximo dos pais, mas isso nunca significou uma convivência constante e muito menos um cruzamento de vidas das duas famílias. Agora que as doenças e a velhice bateram à porta dos pais do arquiteto, as regras do jogo mudaram. Nuno pode não viver com os pais, mas também está ensanduichado: “As famílias multigeracionais não têm de viver em coabitação“, esclarece Maria das Dores Guerreiro.

Nuno, 51 anos, Teresa de 53, sua mulher, e as duas filhas, de 23 e 11 anos, sempre viveram no mesmo edifício de Egas e Beatriz Vieira, ambos com 83 anos e pais do arquiteto: “Vivo num andar e eles no debaixo. Até há pouco tempo vivíamos mesmo separados, às vezes passavam-se semanas em que não os via”.

O dia-a-dia mudou quando a cabeça de Egas começou a baralhar informação e a dar sinais de falta de memória: “Foi diagnosticado um princípio de Alzheimer”. Agora, Nuno vai a casa dos pais todos os dias. A juntar a isto, Egas deu uma queda em casa, partiu o colo do fémur e passou a viver numa residência porque em casa não tem condições para fazer fisioterapia: “Contávamos com quatro meses, mas já lá está há um ano e só agora começou a andar”, conta o arquiteto.

A mudança, pesada de si, acompanha a fragilidade da mãe de Nuno. Beatriz começou a ter limitações locomotoras: “Tem imensa dificuldade em andar. Nós vamos de um quarto para o outro sem sequer pensar nisso. Hoje em dia, para a minha mãe, isso é tudo uma grande tarefa”, conta Nuno. Tarefa essa que tem implicações na vida de toda a família.

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Estimativas Anuais da População Residente/ Fonte: INE

Agora que vive sozinha, Beatriz tem uma empregada que chega de manhã e fica até meio da tarde. Apesar de o filho ter uma profissão liberal, sem ter de prestar satisfações diretamente a nenhum patrão, o arquiteto não pode assumir o compromisso de ficar a tempo inteiro com a mãe. No seu caso, “é uma sorte”, conta. “Somos três filhos e por isso dividimos entre todos, apesar de a gestão da casa estar à minha responsabilidade, porque vivo no mesmo prédio”.

Há dias que são mais demorados do que outros. Às vezes tenho de estudar com a minha filha [Teresa, de 11 anos] e não posso ficar tanto tempo com a minha mãe”, Nuno Vieira, 51 anos, Lisboa

Como Egas Vieira não está a viver em casa, Beatriz quer passar tempo com o marido. Para isso, a filha, irmã de Nuno, apanha-a todos os dias em casa, depois do almoço, e deixa-a na residência. No final da tarde, é Nuno que traz a mãe de volta: “Agora há sempre essa peregrinação. Estou um pouco com o meu pai na residência e depois levo a minha mãe. Entro com ela em casa e trato do jantar – a empregada deixa tudo preparado, basta aquecer e levar para a mesa.” Enquanto Beatriz janta, Nuno vai até ao andar de cima para se sentar à mesa com a família. Volta a descer cerca das 22h, altura em que olha para a correspondência dos pais, põe a louça na cozinha, e depois senta-se a desfiar conversa com a mãe, a fazer um pouco de companhia: “Há dias mais demorados do que outros. Às vezes tenho de estudar com a minha filha [Teresa, de 11 anos] e não posso ficar tanto tempo com ela”.

A gestão da vida diária dos pais foi das maiores mudanças na vida de Nuno: “Quando são as nossas tarefas, estamos tão habituados que nem temos noção do trabalho. Mas quando temos de tratar de tudo também para os outros, percebemos que é imensa coisa”, explica Nuno Vieira. Só que embora seja preciso esticar o tempo (e a cabeça) para conseguir chegar a tudo, Nuno desabafa sobre o real peso do quotidiano: “Mais do que o trabalho que dá, é a presença constante e a obrigação que passei a ter no meu dia-a-dia.”

A primeira vez que temos de falar com os nossos pais como se fossem nossos filhos é muito estranha. Estamos habituados a receber os inputs deles, não o contrário”, Nuno Vieira, 51 anos, arquiteto

Hoje, a casa de Beatriz e de Egas vive de papelinhos e anotações com prevenções: “Não faça x, cuidado com y”, revela o arquiteto. É que houve um dia em que se apercebeu que estavam “a fazer muitas asneiradas”.

Geração Sanduíche Conta-farmacia

Ilustração: Andreia Reisinho Costa

Quando vivia em casa com a mulher, Egas já tinha comprado três pens wi-fi e pagava-as há meses sem saber: “Ele não as usa, nem sabe para que servem”, conta Nuno no meio de gargalhadas. E o episódio não foi único: enciclopédias, relógios, ou coleções de moedas, também faziam parte do “espólio”. A idade avançada incapacitou-os de “dizer não”, e era Nuno que tinha de andar sempre alerta, procurando que negócios havia para anular: “A primeira vez que temos de falar com os nossos pais como se fossem nossos filhos é muito estranha. Estamos habituados a receber os inputs deles, não o contrário”.

Adaptar as casas para os mais velhos

Os post-it espalhados pela casa dos pais do Nuno, lembrando e prevenindo sobre o que podem ou não fazer, são apenas uma pequena mudança nas que são exigidas nas habitações onde vivem idosos. Por agora, Nuno e Teresa tiraram alguns móveis para o espaço ficar mais transitável para os pais, mas a ideia é alterar algumas divisões a médio prazo: “Vamos ter de fazer obras. A minha mãe já tem dificuldade para entrar na banheira, vamos ter de pensar em pôr uma base de duche mais baixa, porque pode provocar uma queda. Se o meu pai for para casa, teremos de mudar muita coisa.” A cama, por exemplo: “A que têm é muito baixa e têm de estar a tomar balanço para se conseguirem levantar”, explica.

Laurinda Alves, por sua vez, modificou grande parte da casa para poder ter os pais em segurança. O capacete amarelo é apenas uma medida de prevenção, na impossibilidade de mudar a viga mais baixa da cozinha. Além de trocar de quarto, oferecendo o seu (mais independente e com casa de banho privada) aos pais, Laurinda tem a mesma preocupação de Nuno Vieira: “Temos de adaptar a casa de banho. É como com as crianças em que temos de tapar as fichas elétricas. Com as pessoas mais velhas também temos de ter certos cuidados: banheiras mais baixas, sanitas, suportes nas paredes para se agarrarem”. Um quarto arejado, com uma janela grande, também é importante: “As pessoas mais velhas passam muito tempo acamadas e o ar tem de circular”, explica a jornalista. As obras ainda não terminaram e Laurinda ainda pretende construir corrimões próximos de degraus.

A Estratégia para o Idoso – rever a lei

A Geração Sanduíche faz o tal esforço – de tempo ou de dinheiro – para acolher os pais. Mas, ao contrário das famílias aqui espelhadas, nem todos os idosos têm essa sorte. A negligência das pessoas mais velhas é cada vez mais real e, por isso, o governo aprovou, em agosto, um diploma que tipifica o abandono de idosos como crime.

A Estratégia para o Idoso, como se chama, prevê a repressão de todas as formas de agressão, abuso, exploração ou discriminação das pessoas mais velhas. A resolução do Conselho de Ministros pressupõe medidas de proteção jurídica aos idosos, como o alargamento da indignidade sucessória: se o herdeiro praticar algum crime de violência doméstica ou de maus tratos, fica impedido de receber a herança do idoso que maltratou. Dentro das medidas de proteção, está ainda a criminalização de negócios jurídicos feitos em nome do idoso sem o seu pleno conhecimento. As instituições públicas não podem, também, propõe a resolução, negar-se a acolher o idoso se este se recusar a passar a gestão dos seus bens para a instituição em causa.

O abandono de idosos em hospitais ou outros serviços de saúde também chamou à atenção do Ministério da Justiça e pode vir a ser crime, assim como impedir-lhes ou dificultar-lhes o acesso à aquisição de bens ou à prestação de serviços devido à idade.

Para sustentar a proposta, o Ministério da Justiça sublinha, no documento, o crescimento substancial da população idosa em Portugal – passou de 708.569 em 1960, para 2.010.064, em 2011 -, e o aumento da esperança média de vida aos 65 ou mais anos – que era de 13,7 anos em 1970 e evoluiu para 19,1 anos em 2013: “A idade avançada tem especificidades, designadamente no plano dos cuidados de saúde, do apoio social e do enquadramento familiar, bem como da tutela jurídica, que devem ser devidamente regulados, em ordem a garantir em todas as fases da vida o respeito pela dignidade da pessoa humana”, argumenta a tutela.

"Na verdade, os cidadãos idosos estão amiúde expostos a práticas que atentam contra os seus direitos mais elementares, cuja defesa importa assegurar"
Ministério da Justiça

Assim, para reforçar a proteção dos direitos dos idosos, o Ministério da Justiça propõe alterações ao Código Penal e a revisão do Código Civil. Por causa disso, a resolução só poderá ser aprovada na próxima legislatura, já que esta matéria tem de ser discutida em Assembleia da República (AR). No final do Conselho de Ministros, Luís Marques Guedes explicava: “As alterações ao Código Penal são matérias da responsabilidade da Assembleia da República, portanto, a estratégia hoje [quinta-feira] aprovada elenca todas as medidas trabalhadas com os parceiros deste setor, mas que, agora, terá de ser concretizada, mas na nova AR, após eleições.”

O ministro da Presidência acrescentava ainda a justificação para este adiamento: “Se o parlamento está fechado, já não há hipótese de a aprovar. O trabalho está concluído para [a estratégia] ser tomada, assim o novo Governo que saia das eleições tenha exatamente as mesmas intenções de criminalizar este tipo de comportamento”, sustentou.

Férias, jantares e outros compromissos

“A Geração Sanduíche, na casa dos 50 anos, desdobra-se entre ascendentes idosos e filhos e netos a quem prestam cuidados, ao mesmo tempo que têm de conciliar a sua atividade profissional e vida pessoal com as responsabilidades das múltiplas gerações a quem dão ajuda”, relembra a socióloga Maria das Dores Guerreiro.

O sentimento de dever cumprido é transversal a todos os adultos que integram esta geração e que entrevistámos. Mas também o é um certo sentimento de culpa. Anabela e António Malhado dizem mesmo que não estão descansados quando vão jantar fora, porque têm receio de que aconteça alguma coisa. “É o nosso bebé”, diria António no início da nossa conversa. “Sinto alguma culpa por deixá-la sozinha”, remata Anabela.

É por isso que os fins de semana fora são agora menos frequentes, as viagens adiadas e os encontros com amigos mais espaçados: “Nunca deixámos de fazer nada por causa dela, mas tem de ser tudo muito organizado, é preciso que o nosso rapaz de 21 anos possa ficar com ela”.

Alexandre não se incomoda nada e até confessa que ter a avó em casa foi das melhores coisas que lhe aconteceu: “Não tenho só uma mãe, tenho duas. A gelatina que me deixa pronta para quando chego do trabalho é preciosa”. Mas o mais importante, conta, é o que aprende com ela: “Tenho o hábito de conversar sobre tudo com a minha família e ela dá-me sempre feedback, à maneira dela. É importante porque me dá equilíbrio”.

entrevista família sanduíche - 11 de Agosto de 2015 (Alexandre Malhado)

No domingo, dia em que conseguem organizar-se para estarem todos juntos, os Malhado juntam-se à mesa, impreterivelmente: “Esse almoço é sagrado”, diz o pai, António Malhado. / Sebastião Almeida

Nuno Vieira, por seu lado, conseguiu marcar férias para a próxima semana. Agora, os dias de descanso deixaram de ser agendados apenas em função dos da mulher e Nuno tem de cruzar agendas também com os irmãos, todos em separado, mas sempre dependentes uns dos outros.

E nos fins-de-semana também há mudanças: “Podemos ir todos almoçar fora, mas estamos sempre dentro dos horários da minha mãe. Já não estou tão liberto, não fazemos tantas coisas como antes fazíamos. Deixei de pensar só pela minha cabeça e da minha família”.

"Sinto-me preso. O que é que agora faço aos meus pais? Nunca tive de pensar onde tinha de os deixar"
Nuno Vieira, 51 anos, Arquiteto, Lisboa

Dentro da família e das pausas de trabalho, é minimamente fácil controlar as agendas. O problema põe-se quando existem imprevistos profissionais: “Se me ligam para uma reunião ou um jantar inesperado, tenho de dizer que não. E se há pessoas com quem temos à vontade para explicar, com outras [nas relações muito formais], já não o podemos fazer. Mas tenho de recusar”, desabafa o arquiteto.

Ao contrário de Anabela Malhado, Laurinda Alves quer afastar a ideia de sentimento de culpa: “Parece que estamos a desprotegê-los. Parece que estamos a deixar os filhos sozinhos em casa para ir sair à noite. Sem babysitter! É verdade que há uma preocupação acrescentada, não ficamos com a mesma liberdade”.

Mariana Sabido-17

Laurinda Alves vive com os pais há quase três anos / Mariana Sabido

Fazemos isto muitas vezes. É uma sorte. Há muitos músicos amigos que passam cá por casa e fazemos concertos espontâneos. Os meus pais adoram e quando se cansam vão-se deitar discretamente”, conta Laurinda Alves.

Mas a jornalista conta que, inesperadamente, viver com os pais está a ser uma surpresa positiva, muito mais do que esperava: “Está a ser espetacular. Cada um tem as suas rotinas, não fazemos cerimónias. Continuo a trazer a amigos cá a casa e eles também. Às vezes, como tenho muitos amigos músicos, fazemos aqui umas jam sessions e os meus pais também gostam.” Quando o sono chama, Maria Helena e José saem discretamente da sala e recolhem-se sem ter de avisar ninguém. O som do piano até os embalará para dormir.

Voltar a viver junto dos pais, reflete a jornalista, também trouxe outros bocadinhos de memórias que guardará para sempre, aprendizagens sobre Maria Helena e José: “Quando eles estão mais em baixo, já percebi, espero uma aberta e ponho um filme português. Eles adoram, é uma coisa revivalista, não ligam muito ao filme, dão mais atenção à Lisboa antiga e riem-se muito a recordar”.

Este ano, Laurinda conseguiu tirar uma semana de férias: “Os meus irmãos rendem-me nessa altura. Estou exausta, mas não faz mal. Trouxe-os para casa por amor e gratidão. Nunca saberemos os sacrifícios que os nossos pais fizeram por nós ao longo de anos”. E, tão ao seu modo, remata resumindo: “Amor com amor se paga”.

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