Artigo publicado originalmente em junho de 2016 por altura da publicação e apresentação em Portugal de Um cão chamado Leal e republicado em abril de 2020 pela morte de Luís Sepúlveda
Geneticamente, Luis Sepúlveda pode só ser meio mapuche mas, no coração, é filho da Gente da Terra. Com eles, esse povo que vive no sul do mundo, aprendeu uma forma diferente de ser, de estar. De viver. Uma cultura que, em parte, lhe foi transmitida pelo tio-avô Ignacio Kallfukura que, todos os dias, ao final da tarde, contava histórias às crianças mapuches — histórias sobre raposas, pumas, condores e papagaios.
Foi com os mapuches, a Gente da Terra, que também aprendeu a resistir. Oriundo de uma “cultura de resistência política”, como ele próprio lhe chama, começou a envolver-se na política do seu país ainda muito novo, quando estava na faculdade. Incapaz de se calar quando vê que algo não está certo, a resistência à ditadura de Augusto Pinochet valeu-lhe três anos de prisão e 15 anos de exílio.
Mas Luis Sepúlveda nunca baixou os braços. Passou por vários países da América Latina, viveu sete meses com os índios shuar na Amazónia e viu em primeira mão a revolução na Nicarágua. Na Alemanha, o primeiro país europeu onde se estabeleceu, entrou em contacto com a Greenpeace. Gostou do que viu e, sempre com vontade de fazer o que é justo, embarcou num dos barcos da organização ambiental. Participou em várias ações, incluindo no bloqueio ao Porto de Yokohama no Japão. A todos os que participaram no bloqueio, foi-lhes dado um fio de prato com uma baleia. Uma de muitas as que salvaram. O escritor chileno trá-la sempre ao peito e mostra-a com orgulho.
Hoje, aos 67 anos, Luis Sepúlveda também sonha em um dia contar histórias junto ao rio, como o tio-avô Ignacio. Enquanto esse dia não chega, vai escrevendo contos, uma profissão que não é para brincadeiras e que leva muito a sério. O mais recente conto chegou agora a Portugal numa edição da Porto Editora. Um cão chamado Leal é uma homenagem ao povo mapuche, mas não só. É um livro sobre um valor fundamental — um valor chamado lealdade.
Na introdução de História de um cão chamado Leal, começa por dizer que o livro é o pagamento de uma dívida antiga. Porquê?
É uma história que queria contar. É a primeira vez que escrevo sobre uma região que está tão a sul do mundo, onde vivem os habitantes originais do Chile, os mapuches. Sabe-se muito pouco sobre eles, escreveu-se muito pouco sobre eles. Queria contar uma história sobre esse mundo, sobre essa forma diferente de ser, de pensar, de ter uma relação com o meio ambiente, que é completamente diferente da ocidental. E, ao mesmo tempo, queria partilhar com os meus leitores um valor muito bonito, que é a lealdade, e o que significa ser leal.
O Luis é de origem mapuche. Podemos dizer que este livro é um regresso às suas origens?
Sim, tenho uma componente genética muito engraçada — sou europeu mas também mapuche. Represento muito bem aquilo que é a América Latina — uma parte é mestiça e a outra parte é composta pelos povos originais. Também me interessava falar sobre essa parte de mim. Nunca tinha escrito nada que tocasse nesse tema de forma tão profunda.
O livro está cheio de pedaços da cultura mapuche — histórias, mitologias, palavras. No final, até tem um glossário com algumas palavras em mapundungun e o seu significado. Porque é que achou que era importante inclui-lo?
Senti que era preciso colocar as palavras mais adequadas [na língua dos mapuche] e o seu equivalente na língua em que escrevo, que é o espanhol. Como não gosto muito de notas de rodapé, preferi fazer um glossário no final do livro. Permite ter uma visão mais ampla de outra língua, de outra forma de expressão, que é muito poética. São palavras que têm um significado muito bonito.
Muito especial.
Sim, muito especial.
E essas palavras também ajudam a explicar o que significa ser mapuche.
Sim, claro. A identidade é sempre definida pela forma como falamos, como somos capazes de construir metáforas para expressarmos uma ideia. A língua dos mapuches, o mapudungun, é aglutinante e tem muitas imagens poéticas e metáforas, que expressam as coisas que existem.
Na introdução, fala também do seu tio-avô mapuche, Ignacio Kallfukura, que era um contador de histórias.
Sim, também queria resgatar isso, faz parte de mim. Na cultura dos mapuches, os anciãos são muito respeitados porque são os repositórios da experiência — estão encarregues de transmitir oralmente aos mais jovens, aos mais pequenos, o que significa a sua história, as suas tradições, os seus costumes, as suas canções e a sua poesia. Isso faz com que tenham orgulho da sua identidade, de quem são — Gente da Terra –, e o que isso significa.
Uma das personagens de Um cão chamado Leal, Wenchulaf, é um ancião que costumava contar histórias ao neto e às outras crianças da aldeia onde vivia. Como seu tio-avô costumava fazer. Não há aí um bocadinho de si?
Sim, naturalmente. Um escritor é essencialmente um contador de histórias. Está aí parte de mim, da minha própria maneira de ser, da minha própria identidade, de quem sou e de quem gosto de ser. Formei-me a ouvir histórias e foi em pequeno que nasceu o meu amor por ouvir histórias e também por contá-las.
Foi assim que descobriu que queria ser escritor, a ouvir essas histórias?
Não. Queria contar histórias mas não tinha a ideia de ser escritor. Isso veio com a maturidade, já em adulto, e quando descobri que ser escritor é um assunto muito sério, que precisa de muito tempo. De muita disciplina, muito trabalho e muita paciência.
De amadurecimento?
Sim, claro. É preciso muita paciência, muita disciplina. Há muita gente que pensa que um escritor é uma pessoa que se senta e que simplesmente escreve. Não, há um trabalho muito grande, muito demorado por trás. Para escrever um livro de várias páginas é preciso um trabalho muito intenso de seleção — é preciso sintetizar para poder contar o essencial e tirar tudo o que está a mais. É um trabalho para o qual é preciso 5% de talento e 95% de disciplina.
Demora muito tempo a concluir um livro?
Depende do livro, eu trabalho devagar. Agora, por exemplo, estou a terminar um romance para o qual precisei de três anos de trabalho diário. Existem outros que são mais rápidos, quando as ideias estão muito claras. Nunca é rápido terminar um livro.
Como é que se lembrou de contar a história de um cão chamado Leal?
A história nasceu de um acontecimento real. Em 2010, estava no Chile quando, no último dia de fevereiro, houve um terramoto incrível, de magnitude 8 na escala de Richter, e que demorou muito tempo (três minutos). Destruiu oito províncias no sul do Chile, meio milhão de casas e houve muitos mortos.
Participei numa ação solidária para a reconstrução de uma escola numa comunidade mapuche, que tinha caído durante o terramoto e, quando estávamos a trabalhar, havia um menino de oito anos que estava muito triste. Um menino mapuche. Achei muito estranho porque, na cultura mapuche, o trabalho coletivo é sempre uma festa. São agricultores e o trabalho é sempre coletivo e muito festivo. Inclusive, a palavra que define trabalho é nguillatun, que significa a alegria de fazer algo com todos. Por esse motivo, aquele menino triste chamou a minha atenção.
Perguntei-lhe porque é que estava triste, e ele respondeu-me que, dois dias antes, a polícia tinha estado no sítio onde morava e que lhe tinha tirado o cão. Perguntei-lhe porquê, e ele respondeu que a polícia achou que era um cão “fino”. Era um pastor alemão e a polícia, com todo o racismo que existe na sociedade chilena, fez o cálculo mais elementar: um menino índio + um cão “fino” = a cão roubado. E ele explicou-me: “Era um cão que recebi quando nasci. Tenho oito anos, o cão também oito anos. É quase um irmão”. A sua tristeza era enorme.
Então, falei com ele e disse-lhe: “O que sentes pelo teu cão é uma coisa muito bonita — chama-se lealdade. Tu és leal ao teu cão — muito leal — e tenho a certeza de que ele também sente essa mesma lealdade e que um dia vai voltar, vai voltar para ti, vai encontrar-te”. E depois disse-lhe: “Olha, tu sabes quem eu sou, que conto histórias. E eu prometo-te que, se o teu cão não voltar para ti, se não te encontrar na vida real, que pelo vou tentar escrever uma história onde ele te vai encontrar”. E assim nasceu o livro.
Ele já leu a história?
Não, mas vou ao Chile em janeiro e vou-lhe levar muitos livros!
Falou na questão do racismo. Ainda é um problema na sociedade chilena?
É uma questão muito problemática. É uma situação muito dura e muito triste. Primeiro, porque são os habitantes originais do país, estavam lá antes da chegada dos europeus. Curiosamente, durante a conquista espanhola, houve uma guerra que durou 100 anos e que terminou com um tratado de paz. Esse tratado foi respeitado à risca pelos espanhóis e por todos os mapuches durante 300 anos até que, no ano de 1817, se consolidou a independência do Chile. Quando isso aconteceu, abriu-se o país à Europa do norte — a alemães, suíços, croatas, galeses, que foram convidados a ocupar a terra que já tinha dono, que já tinha gente.
Começou então o roubo, o despojamento dos mapuches da sua terra e uma espécie de aniquilação, de genocídio sistemático para acabar com eles — como pessoas — com a sua cultura, as suas tradições, a sua forma de ser. Com essa diferença incrível que eles têm. Mas é um povo resistente. Resistiram, sobretudo com a sua cultura. São mais de um milhão de pessoas, não é um grupo pequeno. E, bem, eu sempre me identifiquei absolutamente com eles e com a sua resistência. Nenhum governo chileno sente uma especial simpatia por mim, isso para mim é muito claro. [Risos]. Mas é justo estar do lado deles, porque têm razão. As suas reclamações são justas. Precisam de um espaço vital para viver, e esse espaço vital chama-se terra.
Há uma boa parte da sociedade chilena que percebe que esse problema precisa de uma solução, e que essa solução passa por devolver aos mapuches o seu espaço. A única vez em que fizeram isso foi durante o governo de Salvador Allende, entre 1970 e 1973, durante o qual se devolveu uma grande parte do território. E o problema estava quase resolvido mas, durante a ditadura, esqueceu-se o que tinha sido feito e entregou-se mais terra a ocupantes estrangeiros porque é uma região muito rica, de uma riqueza florestal enorme. Abateram árvores para plantar pinheiros e eucaliptos, que dão dinheiro rapidamente mas que empobrecem o solo e a terra. A partir da ditadura, o conflito tornou-se mais grave. E assim permanece.
Foi durante a ditadura, quando estava na faculdade, que começou a envolver-se na vida política chilena. Porque é que decidiu fazê-lo?
Há coisas que têm de ser feitas. Se há alguma coisa que achamos que está mal, temos de atuar. Eu venho de uma cultura de resistência política, de combate político duro, incluso. E isso faz-se sem pensar que o preço vai ser muito alto — que o preço se chama morte, exílio, prisão. É preciso fazê-lo. Se não o fizermos, não somos pessoas decentes, não temos direito a ter uma família, a ter filhos. Não temos direito a nada, porque somos seres indignos. Por muito alto que tenha sido o preço, por muitas dores que tenha sofrido, estou bem comigo mesmo. Sei que fiz o que era justo.
O exílio foi difícil?
Sim, claro. Mas o pior foram os três anos de prisão. Foi doloroso. No exílio, temos a obrigação de continuar com a nossa vida. Pode-se ter uma vida bonita, criar uma família, fazer novos amigos, ter uma vida social nova, conhecer gente.
Tem de se nascer nalgum lado. Pode-se nascer na China, como se pode nascer em Portugal ou no Chile. Não se escolhe — é o azar, é o destino, o que for. Por isso, para mim é muito difícil ser patriota. Podia ter nascido no país ao lado. O que se ama realmente são as pessoas que cresceram connosco, as pessoas que estão connosco, as coisas boas que a sociedade tem. Isso tem muito pouco a ver com a ideia de pátria ou de patriotismo.
Estive no exílio durante muito tempo — foram 15 anos. Estive em muitos países americanos, terminei num país muito bonito, na revolução na Nicarágua, e depois na Europa. Primeiro na Alemanha. Tenho boas recordações de todos os países onde estive. Foi duro? Claro que foi duro. Um exilado não tem direitos, é um fulano de segunda categoria. Mas se tiver habilidade para se impor, consegue dizer: “Sim, é verdade que sou exilado, mas sei tanto quanto tu e, em muitas coisas, sei até mais”.
Disse que passou por muitos países americanos. Um deles foi o Equador, onde teve a oportunidade de trabalhar com a UNESCO e com os índios shuar.
Sim, no Equador tive a oportunidade de trabalhar num projeto da UNESCO que me permitiu conhecer a Amazónia. Vive sete meses entre os shuar, protagonistas de O velho que lia romances de amor. Por azar, foi uma investigação que fracassou ao fim de 12 semanas na selva. Mas, como era uma oportunidade única, decidi ficar com eles [os shuar]. Foi muito difícil no início, porque eles tinham muito medo de mim. Não era medo da violência, era medo das doenças que eu podia levar comigo. Eles têm um sistema imunológico diferente do nosso. Uma simples gripe pode originar um massacre, pode matar muita gente.
Fomo-nos aproximando muito lentamente. Primeiro, eu nem os via (só me deixavam comida e água), até que se foi dando o contacto e, no final, já conseguíamos estar frente a frente, tocar-nos. Aí, convidaram-me para ir viver para a sua comunidade, e era difícil. Eu não falava a língua deles. Havia apenas um deles que falava assim um “portunhol”, por causa da fronteira com o Brasil, mas muito pouco. Lentamente, fui aprendendo — primeiro dez palavras, depois 20, 30, e já conseguia falar com eles.
Ter uma conversa.
Exatamente, ter uma conversa. O que eu mais gostava era quando eles, quando o dia acabava, se sentavam em frente ao rio a contar como tinha sido o dia. Era uma crónica do dia. E eu sabia que essa crónica era contada de maneira diferente, porque alguns provocavam muitos risos quando a contavam. E esses eram os bons contadores de histórias, usavam a sua imaginação ao serviço do que estavam a contar. Eram os mais apreciados, as pessoas queriam que fossem eles a contar. Chama-se literatura oral, é isso que é. E fui muito feliz no dia em que pude dizer: “Eu também quero contar como foi o meu dia!”. Foi uma festa!
O que é que aprendeu durante esses sete meses?
A valorizar muito a diferença, a dar um valor enorme a essa mostra infinita de diversidade que existe no continente americano. E no mundo todo, na realidade. No continente americano, pelas suas características geográficas e pela sua história, essa diversidade humana e cultural é enorme, e sente-se. Da parte do poder, dos governos, sempre existiu o intento de negar essa diversidade, de estabelecer um só modelo. Com eles [os shuar] entendi que essa diversidade é maravilhosa e que existe outra maneira de entender a vida e a morte — sem medo. Foi a primeira vez que conheci um povo que não tem medo da morte, que a considera simplesmente mais um passo, parte da transformação de todas as coisas. Na selva, tudo se transforma. Na selva, vive-se e morre-se, vive-se e morre-se. Come-se e é-se comido — é essa a lógica. Mas sem trauma, da maneira mais natural do mundo.
O que mais me fascinou neles foi o seu amor profundo e respeito pelo espaço que ocupavam. Alguns antropólogos dizem que o homem é sedentário por natureza. Não, o homem é nómada por natureza. Eles, por exemplo, nunca viviam mais de três anos no mesmo lugar. Ao fim desse tempo, mudavam de sítio para que a natureza recuperasse. É um exemplo de generosidade das duas partes — a natureza recupera e eles permitem que ela recupere. Foi como fazer uma espécie de doutoramento na melhor universidade, que é a universidade da diversidade.
O ambiente e a preservação da natureza são temas que lhe são muito queridos. Está constantemente a voltar a eles nos livros que escreve, e Um cão chamado Leal não é exceção. Esse amor pela natureza levou-o à Greenpeace. Porque é que decidiu juntar-se à organização?
Tinha um conhecimento do problema ambiental que era anterior, porque tive a sorte de ser educado no Chile, num sistema de educação que era público, laico, gratuito e muito bom, e onde a principal preocupação era a questão ambiental. E isso explica-se com muita facilidade. O Chile é um país muito difícil para se viver, é muito estreito, há sempre desastres naturais — terramotos, vulcões que entram em erupção, tempestades que chegam do mar e que duram muito tempo. Faz com que seja necessário ter um conhecimento sobre estes desastres naturais — porque é que são assim e o que é se pode fazer para evitar que sejam graves. E também do meu contacto com os mapuches, com essa forma de viver. Não tinha um conhecimento sistematizado, era intuitivo.
Tomei contacto com os companheiros da Greenpeace em Hamburgo [na Alemanha]. Subi a um barco, descobri o que faziam, gostei, perguntei o que é que podia fazer para ajudar e disseram-me que precisavam de gente para algumas ações. Organizei bem o meu tempo e fui com eles. Embarquei. Estive primeiro num barco chamado Sirius, um barco muito bonito, e depois no Moby Dick. Participei em muitas ações porque era preciso estar lá, era preciso fazê-lo.
Gosto muito de recordar que participei na maior ação que a Greenpeace alguma vez fez. Estivemos a bloquear o Porto de Yokohama, no Japão, durante dois meses. Foram 60 dias num zodiac a tentar impedir que a frota de baleeiros japonesa zarpasse. A ação comoveu o mundo. Nós passámos mal, porque os japoneses lançavam-nos água e outras coisas. Dessa ação nasceu o memorando que proibiu a caça de baleias por um determinado tempo.
Tinha de ser feito. Porque é que fiz? Porque era justo. Todos os que tiveram em Yokohama têm isto — um amuleto muito bonito, com uma das baleias que salvámos.
Dessa experiência resultou também o livro Mundo do fim do mundo.
Escrevi Mundo do fim do mundo porque quis fazer uma homenagem aos meus companheiros da Greenpeace, gente muito valente e, acima de tudo, muito generosa. São todos voluntários, ninguém recebe nada. Todos os dias dão o seu tempo para participarem em ações de defesa do ambiente, para criarem uma consciência ecológica. E são muito modestos, não querem que o seu nome seja conhecido.
Não procuram protagonismo, raramente aparecem nas notícias.
Sim, não aparecem muito nos meios de comunicação. Curiosamente, a primeira vez que a Greenpeace apareceu com força nos meios foi quando os serviços secretos franceses puseram uma bomba no Rainbow Warrior no Porto de Auckland, na Nova Zelândia, e mataram um voluntário português [Fernando Pereira], que era muito bom fotógrafo. Foi a primeira vez que os meios de comunicação se questionaram sobrem quem eram aqueles tipos, que tinham barcos e assim.
Falou em criar uma consciência ecológica. Como é que encara a questão ambiental hoje em dia? Acha que existe uma maior consciência para o problema?
Estamos a viver um desastre ambiental global. Muitas das coisas que nos rodeiam, que temos, têm o que chamo uma obsolescência programada, vão ficar obsoletas dentro de muito poucos anos e só vão ser substituídas por algo novo.
E mais moderno.
Exatamente. Há uma espécie de irracionalidade dentro do consumo. Há cada vez mais dejetos, coisas que sobram. Há uma ilha que está a flutuar no Oceano Pacífico que é tão grande quanto 60 estádios de futebol e que tem uma profundidade de 60 metros. É puro plástico que está a flutuar. Quase nenhum governo tem um Ministério do Ambiente real, que se preocupe. Na maioria dos países, o Ministério do Ambiente depende do Ministério da Economia, o que é um contrassenso. Há muito para fazer. O fenómeno do aquecimento global existe. Há dois anos negavam-no, diziam que era natural, que era cíclico, que foi ocasional, e não pela falta de controlo da indústria, das emissões, do incumprimento do protocolo.
Quando se firmou o Protocolo de Quioto [em 1997], para reduzir as emissões que contaminam a atmosfera, havia umas taxas fantásticas que se iam reduzir. Mas, devido à intervenção da Organização Mundial do Comércio, as quotas foram reduzidas. Depois, interveio o Banco Mundial, e as cotas passaram a ser mais pequenas. Interveio o Fundo Monetário Internacional [FMI], e as quotas foram reduzidas. Finalmente, aceitou-se a China na Organização Mundial do Comércio e as quotas quase que desapareceram. São ridículas. Está tudo por fazer no sentido de gerar uma consciência ecológica que, no fundo, é a consciência da sobrevivência da espécie humana e do planeta.