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“O Mundo Privado dos Presidentes dos Estados Unidos”, editado pela Vogais, leva-o a vaguear pelos corredores da Casa Branca para se cruzar com a vida íntima dos presidentes norte-americanos. Kate Andersen Brower, jornalista que foi correspondente na Casa Branca durante quatro anos da Presidência Obama pela agência Bloomberg, esteve à conversa com a equipa que mantém a residência oficial do Presidente e que olha pela Primeira Família, dos tempos áureos aos mais escandalosos. Publicamos, por antecipação, alguns capítulos do livro que será publicado amanhã, dia 15.
A Casa Branca por dentro
A Casa Branca é a materialização física da democracia americana. Fica numa área de sete hectares no centro de Washington, num terreno de que o Serviço Nacional de Parques cuida ao longo de todo o ano. O edifício principal, formalmente conhecido como mansão executiva, está dividido em espaços públicos e privados. A mansão pode parecer que tem apenas três pisos mas o seu formato engana: o edifício tem na realidade seis pisos e dois níveis mais pequenos em mezanine. Para além dos dois pisos subterrâneos, há o Ground Floor (andar térreo), onde estão localizadas a cozinha principal, a estufa dos floristas e a oficina de carpintaria, e o State Floor (o 1.° andar). Nas duas mezanines estão localizados o gabinete do secretário-geral e a cozinha do chef pasteleiro. O 2.° e o 3.° andares são ocupados pelos aposentos privados da família presidencial. A cozinha do pessoal e as zonas de armazenamento ficam nas caves. A Ala Oeste (West Wing) e a Ala Leste (East Wing) têm os seus pisos ocultos, o mais famoso dos quais é o Gabinete de Crise (Situation Room), que fica sob a Ala Oeste. O Gabinete de Crise tornou-se o símbolo de poder da presidência, sendo o local onde o comandante-chefe se reúne com os seus conselheiros quando tem de lidar com crises de maior dimensão e fazer telefonemas que não podem ser intercetados com chefes de Estado e de Governo estrangeiros.
O pessoal da residência tem a sua própria cafetaria, uma sala de refeições, uma sala de estar e espaços de armazenamento no mezanino da cave, que é na realidade um piso inteiro. A cafetaria é separada da cozinha principal do rés do chão, onde são preparadas as refeições para a Primeira Família e os banquetes oficiais.
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Além da cozinha principal, há uma outra, mais pequena, no 2.° andar da residência que é de uso exclusivo para as refeições privadas da família.
O pessoal da Casa Branca reúne-se por tradição na cafetaria da cave para comer, conversar e descontrair-se. Foi, durante anos, o local onde o pessoal se reunia para apreciar a gastronomia tradicional sulista, que incluía frango frito, pão de milho e feijão-frade, esmeradamente confecionada por um grupo de cozinheiras entre as quais se encontrava uma mulher conhecida por Miss Sally, que usava sempre chapéus elaborados quando estava a trabalhar e que adorava provocar os seus colegas — ao praguejar por vezes como um carroceiro — quando os servia. Embora a cafetaria da cave tivesse sido encerrada recentemente, numa aparente tentativa de redução de custos — para grande desgosto dos funcionários —, o local é ainda um ponto de encontro para onde o pessoal leva a sua própria comida, para comer e conversar.
Às vezes até os assessores políticos de topo descem à cave para comer com o pessoal da residência.
Love deixou a Casa Branca em 2011 mas ainda vai jogar às cartas com os mordomos da Casa Branca quando está em Washington.
A chegada dos Obama
O cabeleireiro de Michelle Obama, Michael ‘Rahni’ Flowers, ocupava-se dos seus penteados desde a adolescência da primeira-dama e foi a sua primeira opção para as cerimónias da tomada de posse. Embora oficialmente não haja cabeleireiros na equipa da residência, é única a sua perspetiva dos bastidores no que se refere aos acontecimentos desse dia memorável.
O dia de Flowers começou às quatro horas da madrugada na Blair House, a elegante moradia que fica no outro lado da rua, diante da Casa Branca, onde por tradição se alojam o Presidente recém-eleito e a sua família antes de mudarem para a mansão executiva. Nessa manhã, Flowers penteou Michelle, as filhas e a mãe e acompanhou os Obama durante o resto do dia, para o Capitólio e para os dez bailes inaugurais oficiais dessa noite.
Flowers notou de imediato como a maioria dos mordomos afroamericanos ficaram excitados com o novo Presidente.
“Era um orgulho que ia para lá do simples orgulho. Era algo que nunca pensaram ver acontecer”, diz Flowers, ele próprio negro, salientando: “Vi-o no modo como falavam e no modo de andarem. Percebia-se pelos rostos sorridentes. Era uma coisa que ia para lá dos seus sonhos mais ambiciosos.”
Toda a gente parecia calma nessa manhã, conta Flowers, à exceção de Marian Robinson, a mãe da primeira-dama. Robinson estava à beira de uma mudança drástica: acabara de lançar um clube desportivo para seniores em Chicago, vencendo até uma competição desportiva, mas Michelle pedira-lhe para ir viver com eles para a Casa Branca, para ajudar a tomar conta das miúdas, e agora ela iria trocar a sua cidade-natal por uma vida nova sujeita a regras muito estritas.
“Ela é uma mulher muito independente”, observa Flowers. Podia, por si própria, não ter decidido dessa maneira, acredita Flowers, mas “contou-me que Michelle lhe pediu para o fazer e ela tem de pensar nas miúdas”.
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Quando deixou a sua bem-amada Chicago, Robinson [a mãe de Michelle Obama] disse-lhe: “Estão a obrigar-me a ir com eles e isso não me faz sentir muito confortável mas estou a fazer exatamente o que você está a fazer. Temos de fazer o que tem de ser feito.”
O novo Presidente não se mostrou muito perturbado por essa mudança tão radical. Depois de fazer um ambicioso discurso inaugural — referindo-se aos objetivos políticos como a reforma dos cuidados de saúde e renovando ao mesmo tempo a sua mais ampla promessa de alterar a controversa retórica habitual da Casa Branca —, perguntou com ar ocasional: “Que tal estive?”
“Barack está sempre muito calmo e tem um temperamento sempre muito controlado, enquanto Michelle é um tipo de pessoa mais imediatista”, diz Flowers.
Devido a uma falha na agenda (alguém se esquecera de incluir o tradicional almoço no Capitólio depois da tomada de posse), os Obama tiveram apenas 45 minutos para se prepararem para os bailes nessa noite. Enquanto se arranjavam rapidamente, o Presidente foi ao pequeno salão de beleza do 2.° andar da Casa Branca e perguntou à mulher que laço é que ela achava que ele devia usar.
— Quero estar o mais apresentável possível para ti — disse-lhe Obama.
Quando ele ia sair, Flowers reparou que um dos botões de punho do Presidente não estava bem colocado.
— Barack, verifique os seus botões de punho — disse-lhe Flowers.
— Oh, isso é simpático: as pessoas preocupam-se — replicou Obama, afavelmente.
Quando a estilista da primeira-dama, Ikram Goldman, que tivera Michelle Obama como cliente na sua boutique de topo de Chicago antes de ela se mudar para a Casa Branca, ouviu Flowers a tratar o Presidente por Barack, repreendeu-o.
Flowers ainda se ressentia da repreensão: “Não teria sido natural para mim.” A transição — dos nomes próprios para os títulos formais — é um ritual de passagem para muitos amigos do futuro Presidente. A secretária social dos Kennedy, Letitia Baldrige — que mais tarde se tornou uma juíza de etiqueta — tratava o casal por ‘Jack e Jackie’, que no entanto passou a ser ‘Senhor Presidente e Sra. Kennedy’ imediatamente a seguir às eleições presidenciais de novembro de 1960.
“O Presidente e a Sra. Kennedy podiam ser jovens e amigos pessoais desde muito cedo mas havia uma aura de grande dignidade que agora os rodeava”, afirmou. E são poucas as pessoas que ainda tratam o Presidente Obama pelo seu nome próprio.
O Dia da Tomada de Posse — um acontecimento assombroso para cada novo presidente — começa horas antes do juramento proferido ao meio-dia no Capitólio. Logo ao princípio da manhã, o Presidente estreante recebe informações e tem um briefing sobre segurança nacional com o conselheiro de segurança nacional do Presidente cessante e com o seu próprio conselheiro de segurança nacional. No final dessa reunião, um militar de alta patente do gabinete militar da Casa Branca explica-lhe os códigos confidenciais usados para lançar um ataque nuclear. Depois do juramento, um assessor com a ‘bola de futebol’ — a pasta com os códigos de lançamento — andará sempre por perto.
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Depois do juramento, o Presidente recebe o cartão que de facto já lhe permite lançar esses ataques [nucleares]. Tudo isto acontece antes de um serviço religioso matinal.
Enquanto ainda está a adaptar-se ao peso da sua nova função, o novo Presidente deve também adaptar-se à vida na residência. No dia a seguir à tomada de posse, o Presidente Obama dirigiu-se à Sala Oriental para se apresentar ao pessoal.
O Presidente ficou “com uma expressão de surpresa”, conta o florista Bob Scanlan: “Foi tipo: ‘Uau!’ Ele não fazia a menor ideia de que havia tanta gente a tratar da casa.”
A equipa que Obama cumprimentou nesse dia era responsável não apenas pelo apoio aos aposentos privados mas também pela manutenção do 1.° andar e da constante movimentação das visitas públicas.
O pessoal da Ala Oeste, dos quais muitos se haviam habituado a um tipo de vida com objetivos claros durante a campanha, é de repente atirado para os seus novos papéis sem perceber muito bem como as coisas funcionam. Para a secretária pessoal de Obama, Katie Johnson, o próprio Dia da Tomada de Posse foi “um caos completo”. Quando chegou à Casa Branca nessa manhã foi informada de que não havia autorização para ela entrar. Estava, como diz, “a ter o meu curso intensivo em poucos segundos”.
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Foi um dos assessores principais de Obama, Denis McDonough, que acabou por lhe resolver o problema com a segurança.
Mas os seus problemas não acabariam ali. “Retrospetivamente, a Ala Oeste é, na realidade, uma coisa minúscula, mas nessa altura era como se fosse um labirinto”, recorda. Depois de estar instalada na Sala Oval Exterior, o seu pequeno gabinete mesmo encostado à Sala Oval, passou grande parte do dia a receber instruções apressadas sobre a maneira de usar o sistema telefónico, que era “chocantemente complexo”. E lembra-se, durante as primeiras semanas de funções da nova administração, de ser incapaz de transferir uma chamada de um dirigente de topo para o Presidente, que estava a bordo do Air Force One. A chamada nunca lá chegou e o próprio Obama teve de ligar diretamente do avião para quem o procurava. “Fiquei em pânico!”, recorda Johnson.
Para os funcionários da residência, naturalmente, este não foi o primeiro dos seus rodeos e conseguiram acalmar os nervos em franja de Johnson. Os membros da equipa da Ala Oeste confiam na secretaria-geral para os ajudarem a instalar-se e Johnson mantinha sempre os membros da equipa do secretário-geral ocupados com diversas questões, incluindo a de saber onde ficavam os floristas para lhes poder pedir que substituíssem as maçãs Gala que o Presidente mantém na Sala Oval. “Telefonava sempre ao secretário-geral quando precisava de fazer perguntas sobre qualquer coisa”, recorda: “Se alguém queria um determinado vinho na Sala Oval, eu telefonava para a secretaria-geral e eles encontravam-no.”
Havia outras vezes em que precisava de ajuda dos secretários-gerais adjuntos e dos camareiros para localizar notas importantes do Presidente, em especial quando havia um papel de que o pessoal da Ala Oeste andava à procura mas ninguém conseguia encontrar. “Sempre que entrava em pânico por andar desesperada à procura de qualquer coisa e com o Presidente em viagem, sem eu lhe poder perguntar, com as pessoas a dizerem-me que havia um papel com uma decisão importante qualquer e o Presidente a dizer que mo entregou e que eu juro que não tenho, pedia-lhes para verificarem”, afirma, quase ofegante, acrescentando: “Eles iam à procura e encontravam-no em 90 por cento dos casos”.
Reggie Love lembra-se de como os secretários-gerais adjuntos foram tão pacientes quando o ajudaram a “navegar pelas traseiras da casa da Casa Branca”. E recorda: “Há uma alcunha para cada corredor e para cada sala.”
Dias mais tarde, os Obama começaram a “movimentar-se pela casa a pouco e pouco”, assinala Scanlan, normalmente depois de os turistas e a maioria do pessoal da residência terem saído: “Para eles também é um processo elaborado, porque obriga a conhecer quase cem pessoas que não se veem todas de repente. Talvez uma governanta, ou um florista de cada vez. Pode estar só um chef a cozinhar. Não conhecem todas as outras pessoas que estão lá em baixo nas oficinas e que acabam por vir a conhecer mas só passado algum tempo.”
Finalmente, os membros da família presidencial acabam por se habituar a esse serviço, ou pelo menos a aprenderem a viver com ele. “Penso que o pessoal da Casa Branca já descobriu como é que pode realmente receber as famílias presidenciais, instalá-las e fazê-las sentirem-se tão normais quanto possível, apesar de haver sempre dezenas de pessoas a andarem por ali, a porem flores, a aspirarem e a arranjarem as coisas”, afirma Michelle Obama, acrescentando: “Começamos a encará-los como se fizessem parte da família e este local é maravilhoso por isso.”
O toque de cada família e a marca dos Kennedy
Cada Primeira Família porta-se de maneira diferente com o pessoal doméstico da Casa Branca. No final dos anos 1920 e no começo dos anos 1930, a família de Herbert Hoover preferia não ter os empregados à vista. O toque de três campainhas servia para mandar os criados, os mordomos e todos os outros empregados a correr para os seus locais reservados. Franklin D. Roosevelt (FDR) e Truman eram muito mais descontraídos, dizendo aos funcionários que não havia problema em continuarem a trabalhar sempre que eles entravam numa sala.
A camareira Ivaniz Silva disse que a primeira-dama normalmente já sabe os nomes de toda a gente ao fim de uma semana, pelo menos os da dezena de camareiros e camareiras e de mordomos que trabalham regularmente no 2.° e no 3.° andares.
Um dia, conta Silva, estava a fazer as limpezas quando Barbara Bush entrou e a fez parar.
— Oh, ainda não a tinha visto — disse-lhe a Sra. Bush.
— Mas eu estou no livro — insistiu Silva.
— Tem a certeza? — A primeira-dama foi buscar o livro com a lista dos empregados da residência preparado pelo secretário-geral e voltou alguns minutos depois. — Oh, esta fotografia não é suficientemente boa. Foi por isso que não a reconheci! — exclamou a Sra. Bush, brincando com ela.
Além da mobília e pinturas novas, cada família presidencial traz também um espírito diferente para a Casa Branca. A mudança de ambiente dos Eisenhower para os Kennedy, em 1961, não só foi apressada — de um casal com netos que personificava a década de 1950 para um jovem casal maravilhoso com dois filhos pequenos — como trouxe diferenças consideráveis. Os funcionários tiveram de se habituar ao estilo mais descontraído de entretenimento dos Kennedy: um vestuário mais informal do que formal, cocktails antes do jantar e autorização para fumar em todo o lado. Nos jantares de cerimónia, os Eisenhower serviam seis pratos e sentavam os convidados numa gigantesca mesa de banquete em forma de E. Os Kennedys decidiram rapidamente alterar a disposição dos convidados, passando-os para quinze mesas redondas onde se sentavam oito ou dez pessoas, e reduziram as ementas para quatro pratos.
Jackie Kennedy, já habituada a criados e a um ambiente de riqueza, não perdeu tempo a ir explorar as 132 divisões da mansão.
Na manhã seguinte à tomada de posse do marido, dirigiu-se ao secretário-geral J. B. West e disse-lhe: “Gostava de conhecer hoje todo o pessoal. Pode guiar-me pela Casa Branca para os conhecer nos sítios onde trabalham?”
Encarando com relutância a ideia de levar a primeira-dama aos postos de trabalho sem um aviso prévio, West sugeriu-lhe em alternativa levar-lhe o pessoal em grupos de três. Cada grupo, dos chefes de pessoal aos mordomos, passando pelos camareiros e pelos cozinheiros, ficou extraordinariamente nervoso com o formalismo da inspeção. Quando saíram do elevador, surpreenderam-se ao encontrarem a primeira-dama de calças (uma visão especialmente chocante para a época), botas castanhas e cabelo despenteado. À medida que os empregados se apresentavam um por um, recorda Wells, Jackie tentou arranjar maneira de memorizar os nomes, repetindo-os lentamente, e, embora não tomasse notas, acabou por se lembrar de todos. Uma das empregadas que foi ao seu encontro nesse dia, Lucinda Morman, era uma costureira experiente e a primeira-dama pedir-lhe-ia mais tarde para lhe adaptar um dos seus vestidos exclusivos de Oleg Cassini.
Jackie Kennedy era uma perfecionista e envolveu-se ao pormenor no funcionamento diário da residência. À noite fazia notas para seu próprio uso, verificando cada ponto à medida que cada tarefa ia ficando terminada ao longo do dia. Também escrevia diariamente notas dirigidas a West num bloco amarelo que levava para todo o lado.
“Ela tinha sempre uma lista para mim», contou West, recordando que «ela tinha os nomes de todas as pessoas que tinham qualquer tipo de autoridade sobre qualquer coisa e, por baixo de cada nome, punha todas as coisas que queria abordar com cada uma delas”.
A Sra. Kennedy também notou que alguns dos empregados da residência ficavam nervosos quando estavam perto da Primeira Família e, sobre as camareiras, escreveu o seguinte apontamento:
Para as ajudar a ultrapassar os seus receios, sugeriu que começassem a ir ao 2.° e ao 3.° andares com maior frequência, para se habituarem a conviver com a família presidencial. “Não consigo ensinar-lhes nada, nem tenho tempo para isso, quando ficam assim tão assustadas”, escreveu ainda.
O porteiro Preston Bruce habituara-se à previsibilidade dos Eisenhower que, normalmente, iam para a cama às dez horas. Quando os Kennedy regressaram dos bailes inaugurais às duas da manhã, Bruce acreditou que eles deviam sentir-se exaustos. Mas, em vez disso, trouxeram amigos para a Casa Branca para continuarem a fazer a festa no 2.° andar sem saberem que os empregados da residência tinham de manter-se a pé até o casal presidencial se encontrar em segurança na cama. Bruce acompanhou o último convidado à porta às 3h15 e apagou as luzes da Sala de Estar Oeste. E quando chegou ao quarto do Presidente não viu ninguém.
— Bruce, é você? Estou aqui, estou no Quarto Lincoln! — chamou o Presidente. Bruce nem quis acreditar. O pessoal pensava que o Quarto Lincoln estava amaldiçoado. Kennedy pediu uma Coca-cola e disse a Bruce para abrir uma janela para deixar entrar o ar frio da noite. Jackie, por seu turno, chamou o sempre disponível Bruce ao Quarto da Rainha, no outro lado do corredor, e pediu-lhe um aperitivo. Bruce só conseguiu voltar para casa depois das quatro horas da madrugada.
Apesar dessa longa primeira noite, Bruce aprendeu a gostar dos Kennedy e, por trabalhar no turno da noite, pôde aperceber-se da faceta mais íntima da família. Ria-se ao ver o casal, jovem e bonito, a correr alegremente do quarto de um para o quarto do outro já bastante tarde quando lhes levava as bebidas depois do jantar.
“Não se preocupe, Bruce. Sabemos que também é casado”, dizia-lhe Jackie Kennedy, com os olhos a brilhar.
Bruce chegava às três horas da tarde à Casa Branca, entre os anos de 1953 e 1977, recebendo e cumprimentando os dignatários à porta, acalmando os visitantes mais nervosos antes de o Presidente os receber, acompanhando o Presidente da Sala Oval até à residência à noite e esperando que ele se deitasse para poder ir para casa. Na Casa Branca era uma estrela. Os outros empregados elogiavam-lhe a elegância e a capacidade de manter a calma face à enorme pressão decorrente da sua função. O mordomo Lynwood Westray considera-o um “diplomata”:
“Por isso é que gostavam tanto dele. Algumas pessoas têm esse dom e outras não. Ele tinha-o.”
No dia seguinte ao da tomada de posse, Bruce acompanhou o Presidente e a primeira-dama ao andar de cima depois do jantar. E respirou de alívio ao pensar que ia voltar para a casa a horas decentes. Mas… “Bang! A porta do elevador abriu-se no corredor do outro lado do gabinete do secretário-geral e lá dentro saiu disparado o Presidente. Seguiu rapidamente pelo corredor fora, com os Serviços Secretos a perseguirem-no”, escreveu Bruce.
Kennedy quis ir dar um passeio noturno e saiu pelo Portão Noroeste, com um frio de rachar, sem sobretudo. “Estava na Casa Branca só há 24 horas e queria fugir”, escreveu.
Os Serviços Secretos precisaram de refrear Kennedy e lhe dizerem que teria de limitar os seus passeios aos sete hectares em redor da Casa Branca. A partir dessa altura, Bruce manteve-se sempre a postos com dois sobretudos: um para o caso de o Presidente decidir sair para o seu passeio pela porta do 1.° andar e outro para o caso de ele sair pela porta do rés do chão. Sempre que oferecia ao Presidente um sobretudo e botas para a chuva, o comandante-chefe protestava. “Era como um rapazinho que tem de ir para a escola, decidido a correr para o frio sem qualquer tipo de proteção”, comenta Bruce.
Os Clinton antes da polémica
Nem todas as famílias presidenciais tiveram uma chegada tão festiva à Casa Branca como os Kennedy. Na segunda-feira a seguir às eleições presidenciais de 1992, os Clinton chamaram a decoradora de interiores Kaki Hockersmith e pediram-lhe que levasse a cabo a tarefa monumental de redecorar a Casa Branca. Apesar de Hockersmith lhes ter decorado a mansão do governador do Arkansas, não esperava o telefonema — e recorda-se de ter ficado “muito, muito surpreendida” — mas aceitou o convite. Entre as eleições e a tomada de posse, foi à mansão do governador por várias vezes para mostrar aos Clinton os vários tecidos e móveis que escolhera para a residência.
“Na primeira dessas ocasiões, o Presidente Clinton encontrava-se numa reunião com a equipa encarregue da transição e Hillary foi chamá-lo”, recorda a decoradora, que dispôs as amostras de tecido e dos padrões dos tapetes na bancada da cozinha, para ele ver.
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Clinton foi o único Presidente dos nossos dias que mostrou um interesse grande pela decoração.
Nas semanas seguintes Hockersmith foi várias vezes à Casa Branca para reuniões de trabalho com os curadores, que a levaram ao armazém de ambiente controlado situado a cerca de 18 quilómetros de Washington, em Riverdale, em Maryland, onde se encontram guardados todos os móveis que alguma vez passaram pela Casa Branca. As novas primeiras famílias podem escolher os móveis que quiserem, nesse armazém, para os levarem para a residência.
O mobiliário guardado em Riverdale encontra-se metodicamente organizado em várias categorias, com filas de secretárias e de escrivaninhas ao lado de arcas e de tapetes que passaram pela Sala Oval durante os diferentes mandatos. Os móveis das várias épocas, cada um com a sua proveniência pormenorizada, estão descritos e catalogados. Os curadores sabem onde podem ser encontrados cada castiçal e cada mesa de apoio naquele espaço enorme, que até tem uma câmara de conservação com equipamento de raios X e onde podem ser feitas fotografias para guias. É uma opção já muito distante do armazém decrépito que uma Jackie Kennedy estupefacta visitou no Forte Washington, junto ao rio Potomac, em Maryland, onde também ficou chocada por ver antiguidades preciosas espalhadas pelo chão de terra batida.
Hockersmith levou as plantas do espaço, registando os locais desejados para os móveis já existentes na Casa Branca e para os móveis que sairiam do armazém. “Tínhamos um plano muito ambicioso”, recorda, parecendo cansada só por se lembrar.
“Bem-vinda à sua nova casa”, disse o Presidente George H. W. Bush a Chelsea, de 12 anos, que fez uma festa a Millie, a springer spaniel de Bush. O Presidente cessante desejou boa sorte ao seu sucessor e, seguindo a tradição, deixou uma nota na secretária da Sala Oval, com conselhos para o Presidente que lhe sucedia.
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Quando Clinton deixou o cargo, oito anos depois, escreveu uma nota para o Presidente George W. Bush e deixou-lhe também a nota que o pai de Bush lhe deixara.
Os conteúdos destas notas não foram tornados públicos.
No grande dia, Hillary Clinton disse a Hockersmith que não queria que ela perdesse a cerimónia da tomada de posse, realizada na Fachada Oeste do Capitólio dos Estados Unidos. Mas depois precisava que ela regressasse à Casa Branca, assim que a cerimónia terminasse.
“Temos de arranjar maneira de a tirar do meio daquela confusão e de a fazer voltar rapidamente para a Casa Branca”, disse-lhe Hillary.
Depois da cerimónia, que durou mais de uma hora, Hillary disse a Hockersmith para procurar um coronel, numa carrinha parada numa esquina, que a levaria disfarçadamente à Casa Branca para ela ajudar a coordenar a mudança.
“Até me interroguei como é que conseguiríamos alguma vez fazer com que aquilo desse resultado”, diz Hockersmith.
No meio da multidão que aplaudia, reunida no Capitólio em 20 de janeiro de 1993, Hockersmith ficou espantada por ver a carrinha que a esperava. De cada vez que chegavam a uma barreira de segurança, a Polícia abria a barreira. A multidão que estava nos dois lados da Avenida da Pensilvânia à espera do novo Presidente acenava excitadamente à carrinha quando a via passar.
“Subimos pela Alameda Sul já a vermos dois grandes camiões de mudanças que tinham ambos o letreiro ‘Little Rock, Arkansas'”, recorda Hockersmith, acrescentando: «Foi uma viagem muito excitante.”
Até o pessoal da residência, que costuma ser discreto, considerou Hockersmith desorganizado e as suas expetativas demasiado elevadas.
O eletricista-chefe Bill Cliber, que acompanhou nove transições, disse que a chegada dos Clinton foi, de todas, a que apresentou maiores dificuldades. Pouco antes da tomada de posse, Hockersmith disse-lhe que ele e os restantes eletricistas tinham de voltar a pendurar sete lustres… e imediatamente.
— Porque é que tem de ser agora? Eles que se mudem, que depois nós penduramo-los um por dia — replicou Cliber.
— Não, eles querem tê-los todos mudados antes de entrarem — contrapôs Hockersmith.
Cliber não tinha opção. Foi para a Sala do Tratado, no 2.° andar, que Clinton iria usar como escritório pessoal, para começar a trabalhar num dos lustres.
Assim que os Clintons regressaram do desfile inaugural, Hillary apareceu na Sala do Tratado e perguntou a Cliber:
— Quanto tempo mais é que vai ainda estar nesta sala?
— Para dizer a verdade, ainda prevejo umas quatro horas — respondeu Cliber, enquanto se ocupava do complexo lustre de cristal que se encontrava desmanchado no chão.
— Hum, é o que iremos ver — disse Hillary, saindo da sala bruscamente.
Hockersmith espreitou pela porta e disse a Cliber para sair da sala no prazo de 20 minutos. Cliber afirmou que precisava de mais tempo para apanhar as centenas e centenas de cristais preciosos que estavam espalhados pelo chão. Mas Hockersmith retorquiu:
— Não se preocupe com isso. Podem ser substituídos.
— Não, minha senhora. Isto é cristal que não pode ser substituído — declarou Cliber, indignadamente.
Cliber obedeceu, deixando a Sala do Tratado numa confusão, com os cristais por todo o lado. Não estava disposto a deixar que a primeira-dama, ou a sua decoradora, tivesse a última palavra.
O curador-chefe Rex Scouten (que era bastante respeitado pelo pessoal e que fora secretário-geral adjunto e secretário-geral de 1969 a 1986 antes de ser curador) trancou a porta para proteger o lustre até Cliber poder regressar ao trabalho. E o eletricista só pôde voltar a entrar na sala passadas três semanas.
Gary Walters tem sempre cuidado para não destacar criticamente nenhuma administração. Mas, quando lhe perguntei como é que correra a entrada dos Clintons, fez uma pausa prolongada antes de responder: “É com estas mudanças que as coisas se tornam mais difíceis, quando se passa de uma administração para outra, diferente.” Os Clinton, afirma, “não imaginavam como era a Casa Branca.” Walters teve de ir à residência várias vezes por dia para responder a perguntas.
A secretária-geral Nancy Mitchell ainda estava de serviço, de madrugada, quando o primeiro casal chegou, vindo dos bailes inaugurais, e conta: “O Presidente Clinton quis fazer um telefonema e por isso fui ter com ele quando o ouço a rugir: “Nancy!” Respondi: “Sim, Senhor Presidente?” E ele pergunta: “Como é que eu faço um telefonema?”
O que também não ajudou foi que os Clinton tivessem convidado amigos de Little Rock (os ‘amigos de Bill’ ou ‘FOB’*) para os ajudar a desfazer as malas, o que só serviu para complicar as coisas.
“É algo que já fazemos há 200 anos”, disse o secretário-geral Chris Emery, afirmando:
“Eles prometeram a várias pessoas que podiam vir dar uma ajuda. Claro que ficámos perturbados, porque a confusão foi enorme.”
Emery, que teve um relacionamento difícil com os Clintons, acabando por ser demitido durante a sua administração, disse que muitos FOB até tinham antecedentes criminais. Segundo Emery, os Serviços Secretos estiveram várias vezes em contacto com a secretaria-geral para indicar que alguns dos convidados do Arkansas não haviam passado nos processos de verificação dos seus antecedentes, sendo por isso declarados “não admissíveis”. Emery disse, no entanto, aos agentes: “O Presidente está à espera deles. Façam com que eles entrem.” E o que aconteceu foi que puseram agentes dos Serviços Secretos em todos os andares: “Normalmente, se trazemos um trabalhador que tem um “alerta” [no processo de verificação de antecedentes], este tem de ser acompanhado.” Passado pouco tempo, para grande desgosto de Emery, já havia várias pessoas com “alertas” na Casa Branca.
Hockersmith optou por uma abordagem pragmática relativamente a alguns elementos do processo de remodelação, incluindo a disposição das fotografias pessoais dos Clintons, das bugigangas que trouxeram de Little Rock, assim como de uma memorável coleção de rãs. Quando Hillary e Bill ainda eram namorados, ele seduzira-a aparentemente com uma história da sua infância, que terminava assim:
“Não se sabe o salto que uma rã pode dar até lhe batermos.”
Ou seja: só se sabe até onde se pode ir até se tentar, acabando por ser uma piada privada para o jovem casal cheio de ambições. Quando o marido se candidatou pela primeira vez, Hillary deu a Bill o desenho de uma rã a ser empurrada e a saltar, com a dita frase por baixo.
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Em 1993, no aniversário de Hillary, Bill ofereceu-lhe uma rã de vidro com uma coroa e uma nota onde se lia: “Podia ser eu se não estivesses comigo.”
Outros segredos da mansão
Para Hockersmith, que de início não se apercebeu do significado sentimental das rãs, a coleção parecia apenas um conjunto de presentes desencontrados: “Há alguém que vem a nossa casa e pensa: ‘Oh, devem gostar de rãs’. E quando fazemos anos dão-nos uma rã.”Hockersmith fez o melhor possível para que a coleção se enquadrasse no espaço onde se encontrava disposta.
Quando a Primeira Família regressa à Casa Branca vinda dos palanques do desfile, recorda Hockersmith, “é quando toda a gente desaparece”. O pessoal da residência, que esteve a trabalhar durante todo o dia para deixar a casa perfeita, apressa-se a regressar aos seus postos para dar à família a privacidade de que ela necessita.
Kaki Hockersmith tornar-se-ia uma presença assídua na Casa Branca, pernoitando de vez em quando no Quarto da Rainha durante os oito anos de Bill Clinton como Presidente e à medida que prosseguiam os trabalhos de remodelação. O quarto de hóspedes em que ficava, no 2.° andar, estava isolado por portas de correr que separavam a zona oeste da zona leste da residência. A decoradora tentou tornar a casa mais clara, concentrando-se especialmente na Copa do Mordomo, que era uma sala escura no 2.° andar e que ela quis transformar numa cozinha onde se podiam tomar refeições e numa divisão para Chelsea fazer os trabalhos de casa. Mas os seus esforços de alterar a decoração foram recebidos com comentários nada consensuais, com o elaborado mobiliário vitoriano que escolheu para a Sala de Estar Lincoln a ser alvo das maiores críticas.
As contas… que são sempre altas
As novas famílias têm de se habituar a lidar com uma equipa grande… e a pagar contas mensais chocantemente altas. Ao contrário do que se pensa, a Primeira Família paga todas as suas despesas pessoais e quase todas as primeiras-damas acabam por ter de pedir ao secretário-geral que não gaste muito dinheiro.
É a família que paga a limpeza a seco do seu próprio vestuário, que é levado a uma lavandaria local escolhida pela governanta-chefe ou pela própria família. Durante os mandatos do primeiro Bush e de Clinton, segundo conta a governanta executiva Christine Limerick, o escolhido era o vizinho Hotel Willard. É um serviço que até deve ser feito com secretismo: a roupa da família é entregue e recolhida discretamente por membros do Departamento de Operações.
A Primeira Família também tem de pagar a sua própria alimentação e bebidas, incluindo não apenas as suas próprias refeições mas as dos seus convidados pessoais, o que pode abranger dezenas de amigos e de membros da família na altura da tomada de posse ou nos feriados. Walters disse-me que ‘todas’ as primeiras-damas, à exceção de Barbara Bush, pareceram ficar surpreendidas e pouco satisfeitas ao descobrirem-no. Muitas pediram ementas com peças de carne mais baratas para reduzir os enormes custos mensais, e os Carters chegaram a pedir que lhes fossem servidas sobras nas suas refeições pessoais.
Até Jackie Kennedy deu instruções ao chef para «governar esta casa como a governaria para o mais somítico dos presidentes!» E depois baixou a voz, num tom cómico, para acrescentar: “Não temos tanto dinheiro como se diz nos jornais, nem nada que se pareça!”
O marido vivia obcecado com a conta da alimentação, explicando com grande pormenor aos chefes de pessoal como podiam diminuir a conta do leite, como acontecia na casa da família em Hyannis. A secretária social dos Kennedys, Nancy Tuckerman, diz que nunca viu JFK ficar sentado quieto por tanto tempo ou interessar-se por qualquer outra coisa durante mais do que cinco minutos.
Regras novas tornaram impossível à Casa Branca continuar a fazê-lo sem que isso se soubesse e, por isso, o Presidente apressou-se a ordenar o fim do fornecimento e encarregou a governanta Anne Lincoln de ir comprar bebidas alcoólicas que não fossem caras. Kennedy mantinha o seu próprio bar privado num armário do 3.° andar e as únicas pessoas com chave eram Lincoln e o seu camareiro. Kennedy manteve-se sempre atento aos custos da vida na Casa Branca, apesar de nem ter de ser ele a pagar pela maioria das bebidas alcoólicas, por serem especialmente usadas para receções e outros encontros oficiais.
Reggie Love, assessor de Obama, tinha 27 anos quando chegou à Casa Branca e lembra-se da primeira vez em que o contra-almirante Rochon lhe apresentou a conta mensal dos Obamas: “Vi os números e vi a lista e a descrição de todas as coisas mas, para mim, que tinha vivido sempre numa casa de uma pessoa e sem filhos, não conseguia olhar para aquilo e dizer: ‘Isto parece estar correto, sabe?'”
O chef executivo envia todos os domingos à primeira-dama uma ementa semanal. Se ela encontra alguma coisa de que não gosta, ou se acha outra coisa demasiado extravagante para uma refeição familiar, pode pedir ao chef para procurar uma alternativa.
Luci Baines Johnson diz que a mãe falava ‘constantemente’ do exorbitante custo de vida na Casa Branca. Depois de se ter casado, Luci foi com a família a Camp David passar um fim de semana e recebeu a conta da alimentação consumida enquanto lá estiveram. Ficou estupefacta.
“Ah, pois, apresentaram-nos sempre a conta mas quando eras uma rapariga solteira a viver em nossa casa, nós pagávamos por ti”, explicou Lady Bird Johnson à sua enfurecida filha. “A minha mãe ficou bastante espantada por eu ter ficado chocada!”, desabafa Luci, a rir-se.
De algum modo, ver uma lista detalhada de todos os itens do orçamento no fim do mês faz com que os preços pareçam mais elevados do que se a família fosse às compras ao supermercado ou fosse jantar fora. A filha do Presidente Ford, Susan, diz que o pai lhe acenava com a conta e a avisava: “Tens de estar ciente de que, quando convidas um grupo de amigos para virem cá, é isto que eu vejo.”
Rosalynn Carter lembra-se bem da primeira conta mensal da família, de 600 dólares: “Não parece muito, mas era um valor enorme em 1976!” Rosalynn pensou que os preços eram mais elevados do que fora da Casa Branca porque a comida precisava de ser examinada para se ter a certeza de que não fora envenenada.
As contas da alimentação não foram as únicas que preocuparam os Carters, segundo o florista Ronn Payne. Jimmy Carter também queria que as suas flores fossem das mais baratas. E embora a Primeira Família não tenha, em geral, de pagar as flores, Carter era da opinião de que o Governo também não tinha de pagar a conta de decorações mais elaboradas. “Tínhamos de sair para ir apanhar flores”, recorda Payne, revelando: “Íamos aos parques da cidade cortar flores.” Ele e outros empregados faziam viagens exploratórias ao parque nacional de Rock Creek para apanharem narcisos e ao Jardim Zoológico de Washington pelas suas flores silvestres. “A Polícia chegava a intervir. Houve um tipo que foi preso e tiveram de ir tirá-lo da cadeia por estar a apanhar, naquela grande colina de Rock Creek, narcisos para um jantar”, relata Payne, revelando também que foi a intervenção da Casa Branca que conseguiu a sua libertação.
“Comprávamos flores secas no mercado e também púnhamos as nossas colegas dos clubes de jardinagem a secarem as suas próprias flores, e era o que devíamos usar”, conta Payne. Houve administrações em que não era invulgar gastar 50 mil dólares em flores para um banquete oficial, com composições que individualmente podiam custar milhares de dólares.
Barbara Bush, sempre no seu papel de matriarca patrícia, não compreendia como era possível uma primeira-dama ficar surpreendida ao receber a conta mensal de alimentação da família. Ou qualquer outra conta, aliás. “Se ficaram chocadas, passa-se qualquer coisa de errado com elas”, diz, com severidade, acrescentando:
“Tivemos montes de convidados, tal como o George W., e pagávamos as contas desses convidados privados. Só que a conta que nos era apresentada indicava, por exemplo: ‘Um ovo: 18 cêntimos’. A Sra. Fulana de Tal comeu um ovo e uma torrada. Até é barato comer na Casa Branca.”
Barbara Bush assinala que, embora a família presidencial tenha de pagar a alimentação e a limpeza a seco, não tem de pagar a eletricidade, o ar condicionado, as flores, os mordomos, os canalizadores ou os jardineiros, fazendo com que o seu custo de vida seja uma relativa pechincha, em especial para os Bushes, que estavam habituados a ter empregados. “Penso que foi muito barato viver na Casa Branca. Gostava de poder voltar e de viver lá sem ter a responsabilidade inerente”, afirma.
Barbara, sogra de Laura Bush, pode tê-la preparado para o custo da vida na Casa Branca, mas a mulher do segundo Presidente Bush ainda ficou surpreendida ao receber a primeira conta, reparando como fora caro organizar uma festa de aniversário para o marido porque tiveram de pagar horas extraordinárias ao pessoal que trabalhou além das cinco da tarde.
O chef executivo Walter Scheib também conta que, por vezes, recebia telefonemas do secretário-geral a dizer-lhe que o gabinete da primeira-dama lhe pedia para manter menos dispendiosos os custos dos ingredientes, ou que usasse menos cozinheiros.
“Chef, precisou mesmo de usar tanta gente para aquele evento?”, perguntava-lhe o secretário-geral Gary Walters.
“Bem, Gary, talvez não. Talvez o pudéssemos ter feito com menos gente”, respondia o intransigente Scheib. “Vamos imaginar este cenário: cometíamos um erro na Casa Branca e tínhamos de sentar-nos diante da Sra. Bush ou da Sra. Clinton a tentar explicar porque é que o nome delas andava na boca dos comediantes dos programas da noite… ‘Mas a boa notícia, Sra. Bush, a boa notícia, Sra. Clinton, é que conseguimos poupar 500 dólares.’ Como é que acha que a conversa vai acabar?”
E, depois, Scheib ainda acrescentava: “O nosso objetivo é fazer com que a Primeira Família nunca passe por uma vergonha.” Custasse o que custasse.
O escândalo Lewinsky ao… detalhe
Havia sangue em toda a cama do Presidente e da primeira-dama. Um membro do pessoal da residência recebeu um telefonema frenético da camareira que deu com a confusão. Era necessário que alguém lá fosse acima, e rapidamente, para inspecionar os danos.
O sangue era de Bill Clinton. O Presidente teve de levar vários pontos na cabeça. Clinton insistiu que se ferira ao embater na porta da casa de banho a meio da noite. Mas poucas pessoas ficaram convencidas.
“O que pensamos é que ela lhe bateu com um livro”, diz um funcionário. Quem é que poderia saber melhor do que o pessoal da residência? O incidente ocorreu pouco depois de o relacionamento sexual do Presidente com uma estagiária da Casa Branca ter vindo a lume, o que foi, claramente, um momento de crise no casamento dos Clintons. E havia pelo menos vinte livros na mesa de cabeceira à disposição da sua atraiçoada mulher, incluindo uma Bíblia.
Clinton começou o seu caso com Monica Lewinsky, uma estagiária de 23 anos da Casa Branca, em novembro de 1985. Durante o ano e meio que se seguiria, manteria uma dezena de encontros sexuais com ela, a maioria dos quais na Sala Oval. Quando a situação se tornou pública, mais de dois anos depois de ter começado, a tempestade mediática consumiu-lhe o resto do mandato presidencial. A revelação nasceu de uma investigação de mais de quatro anos dirigida pelo procurador independente Kenneth Starr, que analisou outras queixas contra o Presidente Clinton, incluindo o negócio imobiliário da empresa Whitewater e o despedimento de diversos empregados de longa data da Casa Branca que trabalhavam no departamento de viagens, escândalo conhecido por ‘Travelgate’.
Embora não fizessem parte da equipa da residência, o secretário-geral adjunto Skip Allen diz que se lembra de como alguns dos seus colegas ficaram perturbados depois das demissões no departamento de viagens. Afinal, a maioria da equipa da residência sempre dedicara as suas carreiras aos empregos que tinham na Casa Branca e houve quem começasse a sentir-se vulnerável.
“O ambiente na residência andava um pouco tenso porque toda a gente era do quadro e não se sabia dizer, se viesse a acontecer, quantas pessoas seriam despedidas, ou quem”, afirma Allen.
Os funcionários públicos do quadro são como professores universitários de nomeação definiti-va, que são muito difíceis de despedir, diz Allen, e era chocantes vê-los serem despedidos sumariamente. Os Clinton também estavam nesta altura a lidar com as críticas que lhes eram feitas por terem usado o Quarto Lincoln para hospedarem alguns apoiantes mais ricos e convencê-los a contribuírem com fundos para as suas campanhas políticas.
Em 17 de agosto de 1998, Clinton tornou-se o primeiro Presidente americano a testemunhar numa investigação sujeita a um grand jury. O eletricista-chefe Bill Cliber, que ajudou a montar o sistema de televisão em circuito fechado que serviu a Clinton para prestar o seu depoimento, numa maratona de quatro horas e meia, recorda-se de, nesse dia, o Presidente se mostrar “mesmo muito mal-humorado”. Ao final da tarde, Clinton confessou a sua “relação inadequada” com Lewinsky numa emissão televisiva transmitida para todo o país. Quatro meses depois, em dezembro, a Câmara dos Representantes, de maioria republicana, votou favoravelmente a sua acusação, embora Clinton tenha sido depois absolvido durante um julgamento no Senado que demorou cinco semanas.
O público só soube da existência de Monica Lewinsky em janeiro de 1998. Mas alguns funcionários da residência souberam o que se passava, quando ele ainda decorria, entre novembro de 1995 e março de 1997. Os mordomos encontravam o Presidente e Lewinsky na sala de cinema da residência e os dois eram vistos tantas vezes juntos que o pessoal começou a dizer uns aos outros quando é que avistavam a estagiária. Os mordomos, os mais próximos da família, guardam esses segredos com todo o zelo mas, de vez em quando, partilham fragmentos das histórias de que se vão apercebendo com os seus co- legas, porque a informação pode ser útil ou apenas para mostrar o que conseguem saber.
Uma funcionária, que pediu para manter o anonimato, recorda-se de estar no corredor principal, situado atrás da cozinha, que era usado tanto pela Ala Este como pela Ala Oeste, quando viu a estagiária. “É ela… É a namorada”, sussurrou um mordomo, dando-lhe uma pequena cotovelada, ao vê-la passar. “Sim, é mesmo ela. Vi-a na sala de cinema na outra noite”, acrescentou.
Quase 20 anos depois, são vários os membros do pessoal da residência que se mostram ainda muito reservados quanto aos conflitos que testemunharam entre os Clintons. Mas todos reconhecem o ambiente sombrio que se abateu sobre o 2.° e o 3.° andares ao longo de 1998.
Na residência foram testemunhas das consequências do caso e dos seus custos para Hillary Clinton mas os colaboradores da Ala Oeste já de há muito que suspeitavam do tipo de drama que se desenrolava no 2.° andar da mansão presidencial. “Ela até lhe teria batido com uma frigideira se alguém lhe tivesse dado uma”, disse Susan Thomases, conselheira política e amiga íntima da primeira-dama numa entrevista dada ao Centro Miller, da Universidade da Virgínia, para a sua coleção de depoimentos orais que documentam a presidência de Bill Clinton.
“Não imagino”, acrescenta, “que ela alguma vez tivesse pensado em deixá-lo ou divorciar-se dele.”
Betty Finney, agora com 78 anos, começou a trabalhar como camareira na Casa Branca em 1993. Passou muito do seu tempo nos aposentos privados da família e lembra-se bem de como tudo mudou nesses anos finais: “As coisas ficaram mesmo mais tensas. As pessoas até sentiam pena de toda a família e do que ela estava a viver. Podia-se sentir a tristeza. Já pouco se ouvia rir.” O florista Rob Scanlan é menos reservado, quanto ao ambiente:
“Era como uma morgue, quando se subia ao 2.° andar. Não se via a Sra. Clinton em lado nenhum.”
E quando não reinava esse silêncio tão fantasmagórico, a mansão era palco de intrigas e de discussões coléricas. Houve um incidente no Natal de 1996 quando a relação do Presidente com Lewinsky ainda se desenrolava.
O departamento da governanta ocupava-se da sua tarefa habitual de embrulhar os presentes para a família presidencial. Era-lhes por vezes pedido que fizessem mais de quatrocentos embrulhos para amigos, parentes e outros membros do pessoal. O processo era demorado e meticuloso, tendo começado com os Reagans (quando os requisitos eram especialmente severos) com registos pormenorizados de cada presente que era embrulhado. (Estes registos eram destruídos de cada vez que chegava uma nova família presidencial.) O pessoal que fazia os embrulhos incluía sempre uma etiqueta com o destinatário e uma descrição do conteúdo da embalagem, discretamente escondida por baixo de uma fita. Os presentes eram depois depositados numa mesa escolhida para esse efeito na Sala de Estar Oeste ou na Sala Oval Amarela.
Nesse Natal, uma das empregadas recorda-se de ter visto um presente menos vulgar, uma edição da obra Leaves of Grass, de Walt Whitman, que lhe pediram para embrulhar. Pôs o livro com a sua embalagem de presente em cima da mesa e não pensou mais no assunto.
Depois do Natal, conta a empregada, o Presidente andava ansioso por recuperar um livro que se encontrava no quarto dos Clinton mas a primeira-dama ainda não se vestira e ninguém queria incomodá-la. “Betty Currie [secretária do Presidente] telefonou ao camareiro e ele veio ter comigo e perguntou-me se eu lá podia ir e eu respondi-lhe: ‘Nem pensar’”, recorda a mesma empregada.
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Quando a porta do quarto do casal presidencial fica fechada é como um letreiro de ‘Não incomodar’ pendurado na porta de um quarto de hotel.
“Parece-me que, finalmente, Betty Currie acabou por decidir telefonar diretamente à Sra. Clinton”, prossegue.
Momentos depois saiu um livro a voar do quarto do casal: Hillary atirara-o para o corredor. O camareiro do Presidente apanhou-o e levou a Currie. Não se sabe se o livro que a primeira-dama atirara do quarto seria o mesmo que o Presidente oferecera a Lewinsky mas a recordação desta empregada transmite uma boa impressão da tensão reinante.
O florista Ronn Payne lembra-se do dia em que ia no elevador de serviço com um carrinho, para recolher alguns arranjos florais antigos, e viu dois mordomos no lado de fora da Sala de Estar Oeste, a escutarem uma discussão feroz entre os Clintons. Os mordomos chamaram-no com um gesto e levaram os indicadores aos lábios, indicando-lhe que não devia fazer barulho. De repente ouviu a primeira-dama berrar “Maldito filho da mãe!” ao Presidente… e, logo a seguir, o barulho de um objeto pesado a ser arremessado através da sala. Entre o pessoal contou-se que ela teria atirado um candeeiro. Os mordomos tiveram de ir apanhar os cacos, conta Payne. Entretanto, numa entrevista com Barbara Walters, a Sra. Clinton desvalorizou a história, que chegara às colunas de mexericos.
“Tenho um braço muito certeiro” disse, “e, se atirasse algum candeeiro a alguém, penso que se teria sabido.”
Payne não ficou surpreendido: “Ouvia-se uma linguagem tão suja na Casa Branca dos Clinton”, recorda, salientando que “quando se é empregado doméstico, sabe-se o que está a acontecer.”
Payne ficou muito doente enquanto trabalhava na Casa Branca, perdendo quase 20 quilos e um teste diagnosticou-o como tendo VIH. Quis tirar uma licença sem vencimento mas disseram-lhe que só tinha duas opções: despedir-se ou reformar-se antes de tempo. Optou por uma reforma antecipada. Ficou à espera de poder regressar quando recuperasse a sua saúde, já que diversos outros empregados tinham conseguido regressar.
Pode imaginar a minha aparência, e sei que não me queriam nos andares de cima”, afirma, acrescentando: “Queria recuperar a minha força e o meu peso.”
Mas quando se sentiu pronto para ir trabalhar outra vez, foi-lhe dito que não poderia regressar por se ter reformado por invalidez. Nunca lhe disseram explicitamente que fora afastado por ter VIH e Payne não sabe de quem teria sido a decisão final — o assunto nem terá chegado à atenção dos Clintons — e ele não quis insistir.
Havia no entanto uma regra vigente há vários anos, que já vigorara em administrações anteriores, de que o pessoal que tivesse VIH não poderia ter nenhuma exposição à família presidencial.
“Vi que tornavam as coisas muito difíceis a outras pessoas com VIH”, diz Payne, recordando: “Algumas foram postas na cave, a tratar da roupa suja. Outras foram postas a tratar do jardim.”
Como os floristas andam por todos os cantos da mansão executiva, incluindo os quartos de todos os membros da família, regressar à sua antiga função era impossível. Payne ficou destroçado pelo modo como a sua carreira na Casa Branca chegou ao fim, e é recordado, com muita amizade, por muitos dos colegas que deixou para trás.
Durante o apogeu do drama, Hillary começou habitualmente a faltar aos compromissos da tarde. Os pormenores da gestão da mansão presidencial ficavam, compreensivelmente, em segundo lugar quando o essencial era salvar o mandato do marido e o casamento.
Até o mordomo James Ramsey, que se orgulhava de ser um sedutor, ficava corado quando se falava no assunto. Clinton era seu “amigo mas… bem, vamos lá a ver…” Como de costume, durante o escândalo Lewinsky, Ramsey disse que ficou “calado”.
Alguns dos membros do pessoal disseram que Hillary soubera do que se passava com Lewinsky antes de o caso vir a público e que aquilo que realmente a perturbara não fora a situação em si, mas a descoberta e o frenesim que se lhe seguiu e que alimentou os meios de comunicação social.
A primeira-dama andou notoriamente mal disposta durante esses meses difíceis. O mordomo James Hall recorda-se de ter servido café e chá na Sala Azul durante uma receção em honra de um chefe de governo estrangeiro. De repente a primeira-dama foi ter com ele, enquanto ele ainda se encontrava atrás do bar.
— Você devia estar a olhar para o espaço! — repreendeu-o ela. — Fui eu que tive de pegar na chávena da mulher do primeiro-ministro […] Ela já tinha acabado e andava à procura de um sítio para a pousar. — Hall ficou estupefacto — havia outros mordomos na sala, com os tabuleiros para recolherem a louça e a função dele era a de servir as bebidas — mas sabia que defender-se seria inútil. Clinton queixou-se à secretaria-geral e Hall não foi chamado senão passado um mês.
“Trabalhar lá durante o período em que foi ele acusado não foi mau”, diz Bill Hamilton, antigo gerente do armazém, apesar de reconhecer que o relacionamento com a Sra. Clinton durante esses meses mais difíceis foi um desafio. “Era tão avassalador para ela que, se disséssemos alguma coisa, ela passava-se”, recorda Hamilton, abanando a cabeça. Mesmo assim, gostou muito de trabalhar para os Clintons e, apesar de se ter reformado em 2013, ainda desejaria por vezes ter ficado na Casa Branca por saber que Hillary Clinton até pode um dia regressar na qualidade de primeira mulher presidente. Confessa, aliás, que adoraria poder voltar a trabalhar para ela mesmo depois do tumulto que foram os seus oito anos na residência.
Hamilton mostra-se inteiramente solidário com a primeira-dama nesses dias mais sombrios: “Foi uma coisa que aconteceu e que ela sabia que acontecera e tinha toda a gente a olhar para ela.”
O chef pasteleiro Roland Mesnier afirma que quis ajudar Hillary a sentir-se melhor e da maneira melhor que ele pudesse encontrar. A sobremesa preferida da primeira-dama era o bolo de creme moka e, no auge do escândalo, recorda-se, “fiz muitos, mesmo muitos, bolos de creme moka. Acredite.” E ri-se. Ao fim da tarde, Hillary ligava para a cozinha do chef pasteleiro e, numa voz despretensiosa — já muito distante do seu tom de voz mais forte e cheio de autoconfiança — pedia: “Roland, posso comer um bolo de creme moka esta noite?”
Num fim de semana de sol em agosto de 1998, antes de o Presidente fazer a sua confissão ao país, a primeira-dama telefonou ao secretário-geral adjunto Worthington White de forma a transmitir-lhe um pedido invulgar:
— Worthington, quero ir para a piscina mas não quero ver mais ninguém à exceção de si.
— Sim, minha senhora, compreendo — retorquiu White, solidário.
White sabia precisamente o que ela queria dizer. A primeira-dama não queria ver os agentes dos Serviços Secretos destacados para a sua segurança, nenhuma das pessoas que tratavam dos extensos terrenos da Casa Branca e, menos ainda, alguém que andasse a visitar a Ala Oeste. “Não estava com paciência para isso”, recorda White. Só queria era ter algumas horas de paz.
White disse-lhe que precisava de cinco minutos para tirar toda a gente do local. Apressou-se a ir ter com o agente dos Serviços Secretos que chefiava a equipa e disse-lhe que iam ter de fazer as coisas em conjunto. E rapidamente.
“Foi uma conversa de 22 segundos mas eu sei o que ela quis dizer. ‘Se alguém a vê ou se ela vê alguém, eu sou despedido, já sei'”, disse ao agente, acrescentando: “E provavelmente você também será despedido.”
Portanto, os agentes dos Serviços Secretos destacados para a proteção da primeira-dama concordaram em manter-se à distância, apesar de o protocolo exigir um agente que a preceda e outro que a siga.
“Ela não se vai voltar e procurar-vos”, disse White aos agentes. “O que ela não quer é ver a vossa cara. E não quer que vocês estejam a olhar para a cara dela.”
White foi ter com a Sra. Clinton ao elevador e acompanhou-a até à piscina, com os agentes a seguirem-nos e sem que houvesse mais alguém à vista.
— Precisa do serviço de algum mordomo, minha senhora? — perguntou-lhe White depois de ela se ter instalado.
— Não.
— Não precisa mesmo de nada?
— Não, o dia está lindo e eu só quero sentar-me aqui e aproveitar algum sol. Quando estiver pronta para regressar chamo-o.
— Muito bem, minha senhora — retorquiu White. — É agora meio-dia e eu saio à uma e haverá alguém a substituir-me entretanto.
A Sra. Clinton fitou-o intensamente, antes de lhe dizer:
— Chamá-lo-ei, a si, quando terminar.
— Sim, minha senhora — declarou White, sabendo que isso significava que ele teria de ficar até ao momento em que ela decidisse sair da piscina. O que só aconteceu por volta das 15h30, hora a que ela lhe telefonou.
No regresso, White acompanhou a primeira-dama num segundo passeio silencioso da piscina até ao 2.° andar. Antes de sair do elevador, a sitiada primeira-dama deixou-o perceber o que haviam significado para ela os esforços dele.
“Ela agarrou-me as mãos e apertou-as ligeiramente, fitando-me e dizendo-me apenas: ‘Obrigada’. Fiquei comovido. Para mim foi o máximo”, diz White, sobre a gratidão que ela demonstrara.
Alguns dos funcionários da residência deram mesmo por si arrastados para o meio do drama que se ia desenrolando. Linsey Little, que dirigia o gabinete da governanta, foi a certa altura chamado ao 2.° andar para responder a algumas perguntas sobre o caso. Quando chegou ao 2.° andar, foi recebido por um agente federal intimidante que lhe perguntou se ele alguma vez vira Lewinsky antes disso. Não, respondeu Little enervado.
“Quiseram fazer-nos sentir que pensavam que sabíamos alguma coisa”, explica. Insiste em que nunca vira nada de inconveniente mas, mesmo que tivesse visto, reconhece que teria tido relutância em pôr em risco o seu trabalho e acabar ele próprio por ser notícia. “Iriam mostrar o meu nome em todos os noticários”, acrescenta.
Mesnier descreveu o ano de 1998 como «uma época muito triste», que assistiu à destruição de duas pessoas inteligentes por causa de um escândalo. E, como muitas outras pessoas, sentiu uma pena terrível da filha dos Clintons, Chelsea.
Numa fotografia que ficou famosa, tirada em 18 de agosto de 1998, no dia seguinte depois da embaraçosa confissão do pai, vê-se Chelsea a segurar as mãos dos seus pais enquanto se dirigem para o helicóptero na Alameda Sul. Mesnier abana a cabeça, ao pensar no que a jovem sofreu: “A Chelsea era a pessoa absolutamente mais doce que conhecemos e depois vê-la metida numa coisa tão estúpida como aquela?… Que horror. Houve muito sofrimento nisto tudo.”