Os investidores internacionais estão “sem pachorra” para ouvir falar sobre a zona euro e, no que diz respeito a Portugal, não podiam estar mais desinteressados. Isto porque de Lisboa só parecem vir, quase exclusivamente, “notícias negativas” protagonizadas por um “governo populista” e uma “banca em ruínas“. A análise é de Megan Greene, economista norte-americana que começou na Economist Intelligence Unit e chegou a diretora de pesquisa económica europeia da empresa do famoso economista Nouriel Roubini. A economista defende que o governo já devia ter repensado a estratégia, depois dos “raspanetes” que levou, mas duvida que isso irá acontecer.
Megan Greene conversou com o Observador a partir de Boston, onde trabalha como economista-chefe da Manulife Asset Management e é convidada frequente nos canais financeiros como a Bloomberg TV e a CNBC. No início da carreira, especializou-se em economias como a grega e a italiana. Por este motivo, foi apanhada bem no centro da crise europeia e ganhou notoriedade. Hoje, cobre toda a economia mundial — “o que significa que, todos os dias, vou beber água a uma mangueira dos bombeiros”. Apesar disso, está atenta ao que se passa em Portugal, apesar de os investidores, seus colegas e clientes, não partilharem o seu entusiasmo.
Como é que se explica que não pareça existir maior procura pela dívida portuguesa, apesar de pagar 3,5% numa zona euro em que a dívida alemã paga menos de zero e Espanha cerca de 1%?
Julgo que uma primeira razão é que os investidores têm estado alheados em relação a Portugal. Ouve-se pouco falar de Portugal, e quando se ouve, regra geral, são notícias que destacam o governo anti-austeridade, o risco de falhar as metas do défice, os bancos em dificuldades. Toda a publicidade que existe em torno de Portugal é má. É isso que faz com que muitos investidores, que já não têm muita pachorra para a crise zona euro, não tenham qualquer interesse em envolver-se com Portugal.
Mas são juros de 3,5% num país europeu, com o BCE a comprar dívida todos os dias.
Sim, parece ridículo. O vosso instituto de gestão da dívida [o IGCP] tem feito alguns roadshows a salientar isso mesmo. Estiveram aqui em Boston, recentemente. Eles têm tentado apostar nesse argumento mas os investidores dos EUA, em particular, têm uma visão muito negativa sobre a Europa, de um modo geral, e todas as notícias que vêm de Portugal são más, portanto…
Uma audiência distinta
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O que têm em comum o ex-ministro grego Yanis Varoufakis, o comissário europeu Pierre Moscovici, os analistas Ambrose Evans-Pritchard, Nouriel Roubini e Wolfgang Munchau e os políticos João Galamba, Ana Gomes (PS) e Miguel Morgado (PSD)? E, ainda, o economista-chefe do Saxo Bank, Steen Jakobsen, que em entrevista ao Observador em abril disse que Portugal tinha tido “a pior troca de governo de sempre“?
A coisa em comum é que todos são seguidores no Twitter de Megan Greene, que ainda esta semana foi considerada pela revista Foreign Policy um dos 100 follows obrigatórios na área da política económica. A rede social é uma ferramenta importante para a economista, como agregador de notícias e como plataforma de comunicação. É viciada, reconhece.
Qual é a imagem que é descrita, pelos investidores (ou, neste caso, os não investidores)?
Há muitas notícias que dizem que o setor bancário está em ruína, que Portugal tem um problema tão ou mais grave do que Itália com a banca, que tem uma economia num círculo vicioso. Portanto, como os investidores não têm um conhecimento aprofundado sobre a situação real na economia portuguesa, preferem ficar à margem.
O UBS dizia, recentemente, que investir na dívida portuguesa “não vale o risco“, em parte devido à hipótese de um corte de rating pela DBRS. Concorda?
Sim, esse é outro receio muito importante que tem feito com que muitos investidores não queiram ser apanhados em contrapé. Nos últimos dias, contudo, percebeu-se que provavelmente o rating não irá cair, até pelo que disse o ministro das Finanças. Ele não teria qualquer interesse em dizer que o rating não iria cair se não tivesse a certeza que isso não iria acontecer. Caso contrário, poderia ser ainda pior.
Parece-lhe, portanto, que o risco está afastado? De um corte de rating nas próximas semanas?
Sabe, é estranho, porque ainda há alguns dias a DBRS dizia ao Financial Times que Portugal estava num círculo vicioso gigantesco. Este vai e vem tem causado alguma volatilidade no mercado de dívida portuguesa, para cima e para baixo. É provável que, se não houver corte de rating, alguns investidores queiram aproveitar para comprar e tirar partido de alguma valorização das obrigações (e consequente descida dos juros implícitos).
O seu palpite, portanto, é que nem o rating caia nem, sequer, exista uma revisão negativa da perspetiva do rating?
Exatamente, pelo menos para já, Portugal deve safar-se. Sobretudo depois do que disse o ministro das Finanças.
E a economia? O crescimento neste ano deverá rondar 1%, o que é cerca de metade do que se previa para este ano. Tem olhado para este resultado e para as suas explicações?
Sim, penso que é relativamente simples. Parece que o plano do governo era reverter algumas medidas de austeridade, dar um empurrão ao consumo interno. Julgo que terá dado uma ajuda, mas a verdade é que, ao mesmo tempo, houve um impacto negativo muito grande sobre o investimento. Toda a incerteza em torno das políticas deste governo leva muitos investidores, e não apenas os investidores bolsistas, a preferirem ficar de fora. Isso mais do que compensa, pela negativa, qualquer impulso ao consumo interno. Portugal já tem uma dívida elevada, não cresceu nem nos tempos de vacas gordas, portanto é improvável que o país seja capaz de crescer de forma robusta para eliminar a dívida. A leitura que faço é que as empresas têm-se mostrado muito inseguras e reticentes no que toca a reinvestir quaisquer lucros na empresa ou injetar mais capital, e isso reduz os investimentos, o que na gíria se chama capex (investimento de capital).
Porquê, exatamente?
Ninguém investe porque ninguém sabe o que pode vir aí. Há muita incerteza sobre o caminho que será feito por Portugal mas, na realidade, Portugal pode ser visto como um microcosmos do que se passa em várias partes do mundo ocidental. Mas a situação é especialmente grave porque existe muita incerteza sobre o que o poder político vai querer fazer.
Mas fala, especificamente, de quê? Política fiscal, por exemplo?
Sim, os impostos são parte da questão. Depois, este governo fez marcha-atrás em uma série de coisas que foram aplicadas pelo anterior governo e pela troika. Refiro-me, por exemplo, à devolução total dos salários do setor público.
Que imagem é que isso passa?
Passa uma imagem de que este governo não está a levar a sério a necessidade de endireitar as contas públicas.
Mas o fator principal é as finanças públicas? Mario Draghi e o BCE falam, também, em reformas que estimulem a competitividade das economias, mas aí os sinais em Portugal não são muito positivos, a julgar pelo relatório recente do Fórum Económico Mundial, em que Portugal caiu oito lugares nos rankings de competitividade.
Claro. Coisas como aumentar o salário mínimo e os salários da Função Pública, tudo isso penaliza a competitividade de Portugal, na perspetiva do preço. Algumas iniciativas deste governo têm, claramente, penalizado a competitividade de Portugal. Essa não será a única razão, mas as exportações de Portugal têm caído e isso é, certamente, uma das razões — a perda de competitividade.
Na sua opinião, existe uma altura em que o governo deve repensar a estratégia?
Já devia tê-lo feito. Já levaram alguns raspanetes por parte da Comissão Europeia, por exemplo. Contudo, a questão é que o governo e os partidos que o apoiam foram eleitos com esta plataforma, precisamente. Tudo depende das prioridades do governo — se a ideia é baixar a dívida, já deviam ter mudado de estratégia há muito tempo. Porém, se a prioridade é cumprir aquilo que eles acham que a população gostaria que acontecesse, então provavelmente estão a ir por aí. É um governo populista, em certa medida.
Mas o governo apresentou um Plano Nacional de Reformas, que recebeu a bênção da Comissão Europeia. Isso não passa lá para fora?
A ideia que tenho é que as reformas estão a acontecer muito devagar. Pode ter havido elogios da Comissão Europeia a esse programa mas, depois, veio o FMI e criticou Portugal duramente por estar a fazer progressos demasiado lentamente. E aplicar essas reformas é urgente, até porque demoram alguns anos a dar frutos e porque há um risco de as dinâmicas da dívida fugirem do controlo.
Voltando à questão da incerteza das políticas, o ex-primeiro-ministro e líder da oposição disse que não há investimento porque o país é governado por bloquistas e comunistas. Concorda com essa análise?
Não me parece que seja uma análise inteiramente justificada. É verdade que nos EUA as pessoas estão surpreendidas por um partido comunista ter poder num país do Ocidente, qualquer que ele seja. Mas, no que diz respeito aos movimentos de esquerda radical, como Syriza ou Podemos, julgo que os investidores estão a olhar mais para as medidas que são tomadas em Portugal do que, propriamente, para as circunstâncias partidárias e a retórica. E penso que o governo português não tem tido uma retórica muito agressiva, por aquilo que conheço. Por outro lado, os mercados estão preocupados com a estabilidade do governo.
Quem é Megan Greene?
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A @economistmeg, no Twitter, emergiu nos últimos anos como uma das economistas de maior relevo no caos que foi a crise europeia. Nascida nos EUA, Megan Greene passou parte da juventude na Alemanha e fez estudos em Princeton e em Oxford.
No início da carreira, estava em Londres a trabalhar para a Economist Intelligence Unit, a equipa de economistas ligada à revista The Economist. Aí, era responsável por economias como Itália e Grécia. Quando a crise europeia começou, achou-se no centro de todas as dúvidas que existiam sobre a chamada periferia europeia.
Mais tarde, foi trabalhar com o conhecido economista Nouriel Roubini como responsável pelas economias europeias e após alguns anos fundou a própria empresa de consultoria económica, a que chamou a Maverick Intelligence. Há dois anos, contudo, decidiu voltar para os EUA para trabalhar com a gestora de ativos Manulife. Está constantemente em viagem e dedica o tempo tempo a prestar consultoria a fundos de pensões e a responsáveis políticos.
Os mercados olham com desconfiança para o governo mas não querem que ele caia?
É um governo minoritário, socialista, com apoio da esquerda. Julgo que uma crise bancária, por exemplo, poderia fazer derrubar o governo. E, aí, teríamos volatilidade política, o que tem sempre impacto nos mercados. Esse aparente paradoxo de que fala explica-se com uma visão realista acerca do que aconteceria se houvesse eleições antecipadas, subitamente. Não sabemos quem é que poderia emergir. Os investidores não morrem de amores por este governo mas reconhecem que um cenário alternativo, de queda do governo, poderia não ser melhor.
O economista-chefe do Natixis, Patrick Artus, disse recentemente numa entrevista ao Observador, em Lisboa, que seria “dramático” se o BCE terminasse o programa de compras de dívida e que Portugal perderia o acesso ao mercado. Concorda com essa análise ou parece-lhe extrema?
Seria muito difícil manter o acesso ao mercado. Os juros iriam, certamente, disparar. Mas se o acesso ao mercado se manteria ou não dependeria, provavelmente, do estado em que se encontrem os bancos portugueses nesse momento. Os bancos portugueses têm muito crédito malparado e sei que estão a tentar lançar um programa para amenizar isso, mas não encontrei nada sobre como isso será feito e não estou muito otimista. Mas, importa dizê-lo, não vejo qualquer hipótese de o BCE terminar o programa no horizonte próximo e a notícia da Bloomberg de que estavam a planear fazê-lo terá sido, no máximo, uma forma de testar a reação dos mercados e de temperar as expectativas dos investidores, que talvez estejam a embandeirar em arco em demasia, no que diz respeito à negociação das obrigações no mercado. Parar as compras agora seria uma loucura e, pelas minhas conversas com o BCE, eles sabem-no.
É claro que os juros estariam mais altos se o BCE estivesse a comprar. Mas, mesmo com as compras, não estamos a conseguir melhor do que emitir a juros próximos do nosso custo médio da dívida antiga. É uma oportunidade perdida para abater dívida, algo que seria possível se estivéssemos a emitir a juros mais baixos?
De certa forma, sim. Mas o governo não tem conseguido inspirar muita confiança nos investidores para que isso possa acontecer.
Para Portugal, a perda do acesso ao mercado significaria, provavelmente, um segundo resgate. Vê isso como uma probabilidade real?
Julgo que se o rating cair e Portugal perder o acesso ao BCE (não só as compras de dívida mas, também, a possibilidade de os bancos usarem dívida portuguesa para receberem recursos do banco central) então, aí, o país pode necessitar de um segundo resgate. Mas, aí, estou convencida de que esse resgate viria através do OMT [Outright Monetary Transactions], o programa do BCE que nunca foi usado e do qual toda a gente já se esqueceu mas que continua lá. Isso implicaria condicionalidade, um programa de ajustamento, mas Portugal beneficiaria de ter o BCE a comprar a dívida. Politicamente, um resgate pelo OMT não seria tão danoso para as eleições na Alemanha e em França, no próximo ano. Não há grande apetite por aprovar resgates financeiros enormes, como os que houve há uns anos.
Só para perceber qual é que acha que seria o processo: a partir de que taxa de juro é que o BCE poderia sentir necessidade de comprar dívida para conter a subida dos juros?
Bem, primeiro Portugal teria de pedir a ativação do programa OMT. É claro que no passado vários países pediram assistência externa sendo forçados a pedir assistência externa. À medida que Portugal visse os seus juros subirem e começasse a fazer contas sobre as necessidades de financiamento, o país poderia ter de se antecipar aos mercados e pedir essa ajuda. Não é possível antever quando é que isso pode acontecer, ou dizer um nível de taxa de juro, mas importa é lembrar que esse pedido implicaria, sempre, um programa de ajustamento e condicionalidade.