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ADALBERTO ROQUE/AFP/Getty Images

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"Ninguém me consegue matar!" A vida e a morte de Fidel

Tudo começou com uma carta escrita em mau inglês a um Presidente americano. E acabou num discurso onde a última palavra era "fim". O que houve pelo meio?

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O primeiro gesto político de Fidel Castro aconteceu quando ainda era um jovem estudante do Colegio de Dolores, uma escola de jesuítas com regime de internato, em Santiago de Cuba. Em 1940, pegou num papel e numa caneta e, num inglês esforçado auxiliado por uma caligrafia cuidada, escreveu ao Presidente dos Estados Unidos da América, Franklin Delano Roosevelt.

“Meu bom amigo Roosvelt [sic], eu não conheço muito inglês, mas conheço o suficiente para lhe escrever”, lia-se nas primeiras linhas da carta, onde se apresentava como tendo 12 anos. Depois de felicitá-lo pela recente reeleição, da qual Fidel tomara conhecimento pela rádio, o jovem cubano fazia-lhe um pedido: “Se puder, dê-me uma nota verde de 10 dólares americanos, na carta, porque eu nunca, nunca vi uma nota verde de 10 dólares americanos e gostava de ter uma”. Mais à frente, despede-se com uma assinatura onde se lê “Castro” encimado por uma miríade de rabiscos. Mas, logo a seguir, não resistiu a acrescentar uma proposta ao Presidente norte-americano: “Se quiser ferro para fazer os vossos navios, eu mostro-lhe as maiores minas de ferro da ilha. São em Mayari, Oriente, Cuba”.

Transcrição verbatim da carta do jovem Fidel Castro, de 12 anos, a Franklin D. Roosevelt

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Mr Franklin Roosvelt, President of the United States.

My good friend Roosvelt I don’t know very English, but I know as much as write to you.
I like to hear the radio, and I am very happy, because I heard in it, that you will be President for a new (período).
I am twelve years old. I am a boy but I think very much but I do not think that I am writing to the President of the United States.
If you like, give me a ten dollars bill green american, in the letter, because never, I have not seen a ten dollars bill green american and I would like to have one of them.

My address is:

Sr. Fidel Castro
Colegio de Dolores
Santiago de Cuba
Oriente, Cuba

I don’t know very English but I know very much Spanish and I suppose you don’t know very Spanish but you know very English because you are American but I am not American.
(Thank you very much) Good by. Your friend,

Fidel Castro

If you want iron to make your sheaps ships I will show to you the bigest (minas) of iron of the land. They are in Mayari Oriente Cuba.

É irónico analisar a carta quase 80 anos depois: Fidel Castro, que ficou conhecido por ter sido um dos grandes inimigos de 11 Presidentes dos Estados Unidos, escolheu estender a mão aos EUA no seu primeiro contacto com aquele país. Muito antes de tratar os “ianques” com um misto de desconfiança e agressividade, Fidel dirigiu-se ao Presidente americano com um “meu bom amigo”.

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Mas, naquela época, a ironia que saltava à vista era outra: a de que aquela carta enviada por um rapaz ambicioso e destemido tinha sido escrita pelo filho de um agricultor analfabeto. Em 1895, um jovem agricultor galego de 20 anos que não sabia ler, chamado Ángel Castro, chegou a Cuba para combater durante trinta e seis meses sob a bandeira espanhola. Quando finalmente voltou a Láncara, a sua aldeia, no interior da Galiza, descobriu que a sua noiva não tinha esperado por ele e continuara a sua vida com outro homem. Foi por desgosto que voltou para Cuba em 1899.

Chegou sem nada e, por isso, começou por baixo. Em Birán, na província do Oriente, vendia limonada aos trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar e das matas. Depois, abriu uma loja, onde os camponeses eram os principais clientes. Quando juntou algum dinheiro, começou a arrendar terrenos à United Fruit, uma empresa norte-americana que se instalara na zona leste de Cuba e vendia fruta nos EUA e na Europa. “Adquiriu uma pequena serração e vendia madeira aos engenhos açucareiros das imediações”, escreve Sir Leycester Coltman, ex-embaixador do Reino Unido em Cuba no livro O Verdadeiro Fidel Castro (Edições 70).

“Segundo alguns testemunhos, ele não respeitava minudências legais, e muitas vezes furtava ferramentas nas instalações da United Fruit. Partia do princípio de que Cuba tinha sido roubada pela Espanha e pelos norte-americanos, e que não havia mal em recuperar alguns pedaços”, lê-se naquele livro.

Aos 14 anos, Fidel Castro escreveu uma carta a Franklin D. Roosevelt, então Presidente dos EUA, a pedir-lhe uma nota de 10 dólares

Depois de um primeiro casamento que ruiu por Ángel Castro ser um marido pouco presente, colocando o seu negócio sempre em primeiro plano, o galego assumiu uma relação com Lina Ruz, que trabalhava até então como empregada e cozinheira da família. Embora não fossem casados, viveram as suas vidas como se o fossem, apesar dos comentários indiscretos que isso causava. Tiveram ao todo sete filhos: quatro raparigas e três rapazes. Um eles, nascido a 13 de agosto de 1927, foi apelidado (por ser filho fora do casamento, o batizado ficou para outra altura) de Fidel, em homenagem a um político local com esse nome que em tempos emprestara dinheiro a Ángel Castro.

Foi preciso deixar passar oito anos e percorrer quase 100 quilómetros a sul até chegar a Santiago para que Lina Ruiz, uma religiosa devota que misturava o catolicismo com a santería, conseguisse batizar o filho. Esse facto permitiu-lhe ainda inscrevê-lo no Colegio La Salle, gerido por jesuítas. Ali, os outros rapazes corriam atrás dele e chamavam-no de “judeu”, perante os rumores de que não seria batizado. Foi a partir daquelas quatro paredes, onde ficou conhecido por ser um aluno rebelde e indisciplinado, mesmo que aplicado nos estudos, que Fidel Castro escreveu a sua carta a Roosevelt. Quando recebeu uma resposta formatada da embaixada dos EUA, exibiu-a com orgulho num dos placards do colégio.

Anos mais tarde, foi para outra escola jesuíta, o Colégio Belén, em Havana, à altura um dos mais prestigiados do país entre as elites. Fidel Castro tinha então 14 anos, mas as regras mandavam que só podia entrar naquela escola quem já tivesse feito os 15. Ángel Castro conseguiu que o seu filho ganhasse um ano de vida nos documentos. A sua nova data de nascimento viria a perdurar até à sua morte, oficialmente aos 90 anos.

Foi no Colégio Belén que, apesar de manter alguma da rebeldia de criança, Fidel Castro começou também a aproximar-se do estudo da História recente de Cuba. Com entusiasmo, leu sobre a vida de José Martí, figura incontornável do combate ao colonialismo espanhol e à altura o maior herói nacional de Cuba. Anos mais tarde, Fidel Castro viria a puxar até si a sua figura, erguendo-lhe estátuas e dando o seu nome a algumas das praças mais importantes do país.

Como estudante, Fidel Castro era pouco assíduo. Desde cedo, na Universidade de Havana, ocupou o seu tempo com a política

Em 1945, Fidel Castro entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de Havana. “Após anos de jesuítas, baseados no rigor, disciplina e devoção, enfim, numa palavara, na ordem, acaba de mergulhar na desordem”, escreve o seu biógrafo Serge Raffy, em Fidel Castro (Verbo).

“Passado o efeito surpresa, Fidel percebe que este mundo foi feito para ele. Discursos, evocações, murros, armas à cintura, intimidações, chantangens: aqui reina a ação”, escreve Serge Raffy. “Ao longo do primeiro ano observa como as coisas se passam, tenta captar as subtilezas, as contradições. Apercebe-se de que a todo-poderosa Federação dos Estudantes Universitários, FEU, que gere a universidade em conjunto com o corpo docente, serve sobretudo de trampolim político para os seus membros. A maioria, passada a altura da contestação, acaba por arranjar um lugar no governo ou um alto cargo administrativo.”

Fidel Castro entrou rapidamente no clima aceso da política universitária, que era então invadida por aquilo que se passava nas esferas mais altas do poder cubano. Em 1940, Fulgêncio Batista, o ditador que anos mais tarde viria a ser derrubado por Fidel Castro, venceu as eleições presidenciais. Quatro anos depois, em 1944, foi derrotado por Ramón Grau, depois de uma breve passagem pelo poder nos anos 30.

Nada disto se fez pacificamente, como nota Sir Leycester Coltman. “Numa tentativa de consolidar a sua instável base de poder, [Ramón Grau] ofereceu dinheiro e cargos a alguns dos seus velhos apoiantes estudantis e deu luz verde ao uso de violência contra os inimigos políticos, dentro e fora da universidade”, escreve o ex-diplomata.

"Passava muitas horas na cantina da faculdade e em outras cantinas de Havana onde os estudantes se juntavam. Conversava incessantemente sobre política, gesticulando muito, levantando-se e andando de um lado para o outro. Destacava-se na multidão. Alto e atraente, fazia muitas vezes questão de vestir um fato escuro e gravata, o que era invulgar no clima quente e na atmosfera geralmente informal de Havana."
"O Verdadeiro Fidel Castro", Sir Leycester Coltman (Edições 70)

Enquanto isso, Fidel Castro começava a querer juntar-se a esta ebulição. Pouco depois de ter entrado no curso de Direito, procurou subir à presidência da Federação dos Estudantes Universitários. “Tornou-se um leitor voraz de jornais, diários políticos e livros sobre a atualidade”, recorda Sir Leycester Coltman. Fidel Castro ia à Universidade de Havana, sim — mas mais por tudo o que podia ser feito fora daquelas paredes do que por aquilo que daria para aprender entre elas.

“Passava muitas horas na cantina da faculdade e em outras cantinas de Havana onde os estudantes se juntavam. Conversava incessantemente sobre política, gesticulando muito, levantando-se e andando de um lado para o outro”, lê-se em O Verdadeiro Fidel Castro. “Destacava-se na multidão. Alto e atraente, fazia muitas vezes questão de vestir um fato escuro e gravata, o que era invulgar no clima quente e na atmosfera geralmente informal de Havana.”

Foi nesta época que conheceu Manolo Castro, um estudante já com mais de 30 anos que era a cabeça do anti-comunista Movimento Socialista Revolucionário. Numa altura em que este pensava candidatar-se à câmara de Havana, foi convocado para uma reunião com Carlos de Céspedes, um político de direita conhecido por procurar apoiantes mostrando-lhes a carteira aberta. Foi para isso que chamou aqueles jovens. Os relatos que surgem daquela reunião contam que, quando chegou a altura de Fidel Castro falar, este se dirigiu ao político com a maior das ironias ao colocar-lhe três condições para o apoiarem. Primeiro, os estudantes mortos em confrontos com os governos de direita teriam de ser ressuscitados. Depois, esses governos teriam de devolver o dinheiro que teriam roubado ao erário público. Por fim, a História teria de andar cem anos para trás. Fidel Castro tinha 19 anos.

Por essa altura, era uma figura incontornável na Universidade de Havana. Era ali, na escalinata, uma escadaria no exterior do campus, que a maior parte dos estudantes o encontravam. Fidel ganhava o gosto pelos discursos, à altura mais agressivos do que longos. “É visto (…) a arengar a multidão como um possesso”, escreve Serge Raffy. “Cita constantemente José Martí, ataca com violência o imperialismo americano, apela à libertação de Santo Domingo, de Porto Rico. Qual Zeus da sua nuvem, ameaça as ditaduras sul-americanas com um indicador acusador.”

A ameaça não era em vão. No verão de 1947, ouve falar de um projeto de invasão de Santo Domingo, na República Dominicana, para derrubar o ditador Rafael Trujillo. O plano era do Movimento Socialista Revolucionário e Fidel Castro, depois de implorar, foi posto a par dos planos. E entrou neles.

“Durante cinquenta e nove dias, sob um sol abrasador, dilacerado pelos mosquitos, Fidel espera, juntamente com este exército rebelde composto de cubanos, dominicanos e porto-riquenhos, uma improvável luz verde para atacar a ilha vizinha”, escreve Serge Raffy. O tempo esticou-se, a CIA descobriu o que se passava e Ramón Grau foi pressionado a agir. Os revolucionários que nunca chegaram a sê-lo receberam ordem de prisão. Fidel Castro conseguiu escapar a tempo, depois de escapar num bote e de nadar uma dúzia de quilómetros por águas infestadas por tubarões com uma metralhadora atada ao pescoço. Passou a noite na casa de um amigo em Oriente e logo partiu para Havana. Não tardaria a voltar a ser visto no topo da escalinata a discursar contra o Presidente cubano.

O louco ano de 1948

O clima político cubano aquecia cada vez mais e a Universidade de Havana era um dos pontos mais quentes. Em janeiro de 1948, a polícia matou Jesús Menéndez, um líder comunista negro do sindicato dos trabalhadores da cana-de-açúcar e também congressista. No mês seguinte, com os estudantes à cabeça, houve motins um pouco por toda a capital cubana. O estudantes chegaram a montar uma metralhadora no topo da escalinata. Numa carga policial, Fidel Castro foi atingido na cabeça e começou a sangrar. “Deslocou-se com alguns colegas a um hospital próximo, não para receber tratamento — a ferida era ligeira e superficial — mas para falar com os jornalistas e fotógrafos convocados para ver a sua cabeça ligada e ensanguentada”, escreve Sir Leycester Coltman.

Em abril desse ano, depois de passar por Caracas e pelo Panamá, Fidel Castro partiu com um colega para Bogotá. Estaria ali em representação da Federação de Estudantes Universitários, embora esta não o soubesse, para se encontrar com outros jovens sul-americanos de esquerda. Durante esse tempo, arranjaram problemas com a polícia, que deteve durante pouco tempo os dois amigos, depois de lançarem panfletos contra os EUA no Colón, um teatro onde era frequente serem vistas figuras do Governo e da elite do país.

"Pensei: 'Bem, o povo daqui é igual ao povo de Cuba, igual ao povo em toda a parte. Esta gente é oprimida e explorada'. Discuti comigo mesmo: 'O líder principal deles foi assassinado e esta insurreição é absolutamente justificada. Posso morrer aqui mas vou ficar'."
Fidel Castro, recordando a revolta do Bogotazo, na Colômbia

Durante a sua passagem por Bogotá, Fidel Castro conseguiu ser recebido por Jorge Eliécer Gaitán, candidato presidencial do Partido Liberal, de esquerda. Poucos dias depois, a 9 de abril, Gaitán viria a ser assassinado. A notícia apanhou Fidel Castro de surpresa, numa altura em que as ruas de Caracas já estavam mergulhadas no caos — e o jovem cubano tratou de chegar depressa ao seu núcleo.

Numa entrevista posterior, Fidel Castro falou desse momento, que ficou marcado para a História pela morte de três mil pessoas num motim que não chegou a durar um dia. “Pensei: ‘Bem, o povo daqui é igual ao povo de Cuba, igual ao povo em toda a parte. Esta gente é oprimida e explorada’. Discuti comigo mesmo: ‘O líder principal deles foi assassinado e esta insurreição é absolutamente justificada. Posso morrer aqui mas vou ficar’.”

Primeiro, foi procurar armas a uma esquadra, onde lhe disseram que estas estavam a ser distribuídas. Lá chegado, viu que já tudo tinha sido levado com a excepção de um lançador de gás lacrimogéneo, que guardou. Pôs-se a caminho da Emissora Nacional e, a meio, tentou fazer um discurso a uns soldados que avistou perto do Ministério da Guerra. Quando chegou à Emissora Nacional, voltou para trás por ser demasiado inseguro, recuando para a universidade. Dali, integrou um batalhão de voluntários para defender a sede do Partido Liberal, de Gaitán. Lá dentro, tentava ganhar protagonismo, dirigindo-se a um comandante da polícia que lá estava para ajudar. Depois, passou a noite numa pensão da qual foi expulso. Só ficou a salvo depois de ser levado ao consulado cubano num carro diplomático argentino juntamente com uma comitiva de estudantes de Buenos Aires.

Fidel Castro voltou a Havana, consolidando cada vez mais o seu estatuto perante os colegas. Enquanto isso, o seu pai, que acompanhava de longe e com críticas o rumo que o seu filho tomava, cortou-lhe a mesada.

Como estudante universitário, Fidel Castro era frequentemente visto nesta escadaria a discursar

AFP/Getty Images

Em 1948, Fidel conheceu Mirta Díaz Balart, irmã de um amigo da universidade e filha de uma família abastada de Banes — viria a ser a sua primeira mulher. Foi na lua-de-mel do casal que Fidel Castro visitou pela primeira vez os EUA, passando por Miami e Nova Iorque. O casamento não durou, apesar de terem tido entre eles um rapaz a que chamaram de Fidel e que ficou para sempre conhecido como Fidelito. Regressado a Havana, onde o casal chegou a viver num quarto de hotel, Fidel Castro não demorou a preferir a política e o Partido Ortodoxo, do qual se tornara militante, à mulher.

As ameaças de morte, nesta fase já constantes, obrigaram-no a viver na clandestinidade e longe de Mirta. “Abandona-a tanto mais frequentemente quanto se vê obrigado a esconder-se em casa de amigos”, escreve Serge Raffy. “Mirta fica sozinha a maior parte do tempo com o bebé.”

Parte dessa clandestinidade foi passada nos EUA, onde esteve durante três meses no início de 1950. Afastado de toda a agitação de Havana, dedicou-se aos estudos de Direito como nunca o fizera. Em setembro desse ano, já regressado a Cuba, concluiu o curso. Pouco depois, fundou uma firma de advogados com dois jovens com o objetivo de defender os mais pobres. Montaram um escritório espartano em Havana. Pouco atentos às finanças do negócio, chegavam a aceitar pagamentos em madeira para poderem mobilar o escritório.

“O reverso deste grande desdém pelo dinheiro era a sua indiferença para com as necessidades materiais da sua esposa leal, que de há muito vinha sofrendo”, lê-se em O Verdadeiro Fidel Castro (Edições 70). “Azpiazu, o sócio de Fidel, recebeu um telefonema de Mirta, em lágrimas, sem ter sequer um berço para o bebé. Pelo menos duas vezes tiveram a eletricidade cortada porque Fidel não pagara as contas. Mirta queixava-se que às vezes nem tinha dinheiro para comprar comida para o filho.”

Fidel Castro libertou-se rapidamente da rotina da advocacia e voltou ao frenesim da política. Em 1952, publicou no jornal Alerta uma denúncia contra o Presidente Carlos Prío Socarrás, acusando-o de vários crimes de corrupção. Deixou ainda a promessa de denunciar o luxo em que este vivia, depois de ter tido acesso a esse mundo. “Fazendo-se passar por jardineiro, fotografara a mansão de campo do Presidente e as festas sumptuosas que organizava”, escreve o ex-embaixador britânico.

Foi neste clima que Fulgêncio Batista, o ex-Presidente cubano, preparou um golpe de Estado ao mesmo tempo que, de fachada, antecipava as eleições presidenciais. Neste processo, aquele militar, que era próximo da família de Mirta por serem todos de Banes, chamou Fidel Castro, procurando o seu apoio. No final do encontro, ficou estabelecido que tinham posições impossíveis de conciliar.

“Condenem-me. A História absolver-me-á!”

Nos anos que se seguiram, Fidel Castro continuou a sua ascensão política. Apesar de ainda ser membro do Partido Ortodoxo, com o qual se identificava cada vez menos, ajudou a fundar O Movimento, uma organização com um braço político e outro militar. Em 1952, tinham 1200 pessoas e mais de cem células. Foi a partir daqui que planeou o fatídico golpe ao quartel de Moncada.

O plano era ambicioso mas Fidel Castro tinha fé nele. “A operação será um acontecimento tão importante como a tomada da Bastilha em 1789”, terá sussurrado aos seus companheiros. O objetivo era atacar o quartel de Moncada, em Santiago, no dia 26 de julho, para assim conseguir o armamento que tanto faltava ao Movimento. Ao mesmo tempo, o quartel de Bayamo, na estrada para Havana, também seria tomado pelos revoltosos, que assim isolariam o Oriente do resto do país.

"A operação será um acontecimento tão importante como a tomada da Bastilha em 1789."
Fidel Castro, sobre o assalto ao quartel de Moncada

Fidel Castro já tinha preparado um manifesto de nove páginas para ler nas rádios aquando do triunfo. “A revolução nasceu na alma do povo cubano, a partir da vanguarda dos jovens que procuram uma nova Cuba liberta dos erros passados e das ambições sórdidas”, lia-se nesse texto. “Foi preparada com a paciência, bravura e determinação dos que consagram a sua vida a um ideal.”

O manifesto nunca chegou a ser lido. As coisas correram mal logo desde o início, com Fidel Castro a esquecer-se dos óculos e a ter de pedir uns emprestados, sem que a graduação fosse totalmente adequada. A caminho de Santiago, um carro avariou-se e outros perderam-se pelo caminho, incluindo aquele onde seguia Raúl Castro, que entretanto seguia as pisadas do irmão mais velho. A chegada do grupo de Fidel Castro foi desastrosa. Sem poder esperar pelos companheiros que tardavam a chegar, iniciou uma ofensiva que começou com ele próprio a tentar atropelar os soldados que estavam no portão, impedindo-os de acionarem o alarme. Por atrapalhação — há quem diga que foi pelos óculos desadequados, mas outros afirmam que teve dificuldades em conduzir o jipe ao mesmo tempo que segurava uma pistola — falhou a investida e o carro foi abaixo. Já não havia maneira de o golpe resultar.

"A revolução nasceu na alma do povo cubano, a partir da vanguarda dos jovens que procuram uma nova Cuba liberta dos erros passados e das ambições sórdidas. Foi preparada com a paciência, bravura e determinação dos que consagram a sua vida a um ideal."
Texto que Fidel Castro preparou para ler caso o golpe de 26 de julho vencesse

Ao todo, morreram oito golpistas durante os confrontos e outros 56 vieram a morrer a seguir, muitos deles executados depois de horas de tortura. Do lado do exército, morreram 22 soldados.

Fidel Castro conseguiu fugir do local, seguido por 19 rebeldes. À medida que o grupo persistia na fuga, ia perdendo membros. Quando foram finalmente capturados, já só eram três. Fidel Castro era o homem mais procurado de Cuba quando foi encontrado pelo tenente Pedro Sarría. Quando os avistou, gritou aos seus subordinados para não dispararem. Vinte anos depois, já líder de Cuba, Fidel Castro foi ao seu funeral.

A 21 de setembro, Fidel Castro começou a ser julgado juntamente com 122 réus. Doutor em Direito, Fidel Castro agiu como seu próprio advogado de defesa. Quando o juiz quis saber quem era o autor intelectual da tentativa de golpe, respondeu-lhe com o nome de José Martí. A 26 de setembro, quando estava marcada uma nova sessão do julgamento, Fidel Castro alegou que estava doente e não compareceu ao tribunal. Os médicos disseram que ele estava bem, as autoridades exigiram a sua presença no banco do réus mas acabou por ficar acordado que as sessões com Fidel Castro passariam a ser numa sala de enfermeiras num hospital civil nas imediações do quartel de Moncada.

Foi ali, já em outubro, que Fidel Castro fez um dos seus discursos mais icónicos. Ao longo de duas horas, teceu paralelismos entre ele próprio e José Martí, desdobrou-se em referências literárias e falou de revoluções de outras épocas, como a inglesa de 1688, a americana de 1776 e a francesa de 1789. E atacou Fulgêncio Batista: “Dante dividiu o seu inferno em nove círculos. Colocou os criminosos no sétimo, os ladrões no oitavo, os traidores no nono. Que duro dilema teriam os demónios para encontrar um sítio adequado para a alma deste homem… se este homem tivesse alma!”.

Por fim, terminou a sua defesa. “Quanto a mim, sei que a prisão vai ser dura como nunca foi para ninguém, repleta de ameaças, de maldades ruins e cobardes, mas não a temo, como não temo a fúria do tirano miserável que arrancou a vida a sete dos meus irmãos”, disse. E, por fim, rematou com a citação histórica: “Condenem-me, não me importa. A História absolver-me-á”.

Fidel Castro foi condenado a 15 anos de prisão.

"Quanto a mim, sei que a prisão vai ser dura como nunca foi para ninguém, repleta de ameaças, de maldades ruins e cobardes, mas não a temo, como não temo a fúria do tirano miserável que arrancou a vida a sete dos meus irmãos. Condenem-me, não me importa. A História absolver-me-á".
Fidel Castro, antes de ser condenado a 15 anos de prisão

Quando chegou à cadeia, foi-lhe dado o número 3859. Já lá estavam Raúl Castro e Pedro Miret, também ele um dos cérebros do Movimento, que trataram de formar um grupo de estudo entre prisioneiros que batizaram de Academia Ideológica Abel Santamaría, em homenagem a um dos seus camaradas caídos no 26 de julho. Cada um ensinava o que podia: Fidel dava aulas de Filosofia e História Moderna, Pedro Miret ensinava História Antiga. Todos os dias havia cinco horas e meias de aulas nesta academia que chegou a ter mais de 500 livros para consulta.

A partir da prisão, Fidel Castro ouviu na rádio que Mirta, a sua mulher, saíra das listas de pagamentos do Ministério do Interior. Tudo aquilo era novidade para Fidel Castro, que apenas contactava com a mulher esporadicamente e só por escrito. Ela não lhe contou que o irmão, entretanto escolhido para vice-ministro do Interior de Fulgêncio Batista, arranjara maneira de ela receber uma quantia fixa por um emprego inexistente para poder fazer face às suas despesas e às do filho do casal, Fidelito. “O prestígio da minha mulher e a minha honra como revolucionário estão em causa”, escreveu Fidel Castro numa carta a uma terceira pessoa. O casal divorciou-se e Fidelito ficou com a mãe.

Enquanto isso, Cuba caminhava para novas eleições e Fulgêncio Batista procurou fazer concessões a vários grupos numa tentativa de evitar novos problemas. Uma delas foi libertar os rebeldes de Moncada. A 15 de maio de 1955, quase dois anos depois do golpe falhado, Fidel Castro era de novo um homem livre. Na semana em que saiu, entregou-se não à política mas a um romance que desenvolvia com Naty Revuelta já nos tempos em que preparava o golpe de 1953. Ela engravidou, dando à luz mais tarde Alina Castro, atualmente cidadã norte-americana e crítica do regime cubano. Na mesma semana, Fidel Castro teve uma aventura com Maria Laborde, também sua apoiante, e tornou a conceber um novo filho, Jorge Angel Laborde.

Mal regressou à política, percebeu que já não estava seguro em Cuba. Seguiu-se uma onda de raptos, atentados, assassinatos e de prisões entre os meios revolucionários. Fidel Castro começou a andar com guarda-costas, entre os quais o seu irmão Raúl, perante os rumores de planos de homicídio contra o rebelde. Não tardaram a fugir do país. Primeiro Raúl, depois Fidel. Já havia um novo plano: a revolução seria preparada a partir do estrangeiro.

"Identificámo-nos de tal modo com a montanha, com a sua natureza, com o seu cenário, adaptámo-nos tão bem que tínhamos a impressão de nos encontrarmos no nosso habitat. Não foi fácil, mas penso que nos indentificámos com a floresta da mesma maneira que os animais que nela vivem."
Fidel Castro, sobre a vida na Sierra Maestra, onde preparou a expansão dos guerrilheiros

Quando chegou ao México, Raúl Castro apresentou ao irmão mais velho um médico argentino conhecido como Ernesto Che Guevara, que já há alguns anos vivia uma vida de nómada um pouco por toda a América Latina, intensificando as suas convicções esquerdistas e anti-americanas a cada quilómetro. O entendimento entre os dois, diz-se, foi imediato.

“Quando [Fidel Castro] está presente ninguém tem o direito de dissertar em seu lugar”, escreve Serge Raffy desse momento, que conta ter sido uma exceção. “Ora, desta vez parece uma estátua de sal, como que enfeitiçado. Os que o conhecem esperam o contra-ataque, o momento fatal em que vai humilhar o insolente. Porque não põe de rastos este intelectual de Buenos Aires, como gosta tanto de fazer?”

Não o fez porque gostava do que ouvia — e, por isso, falaram a noite toda sobre aquele que queriam que fosse o futuro da América Latina na segunda metade do século XX.

Na Sierra Maestra, nasce a revolução

Fidel Castro e Ernesto Che Guevara começaram a fazer planos. Depois de conseguirem a colaboração de um general cubano de pais espanhóis, Alberto Bayo, que combatera na Guerra Civil de Espanha pelos republicanos e que tinha estudado a guerra de guerrilha na Academia Militar Espanhola, Fidel partiu novamente para os EUA para conseguir financiamento junto dos exilados da ditadura de Fulgêncio Batista.

Com a ajuda da irmã Lidia, conseguiu rever o filho Fidelito em Miami, numa altura em que já tinha um maço de notas com os donativos. Quando Fidelito tentou tocar no dinheiro, o pai ter-lhe-á dito: “Não lhe toques, Fidelito. Esse dinheiro pertence a Cuba”. De regresso ao México, usou o dinheiro para comprar armas — mas foram apreendidas. Os rebeldes foram detidos mas, pouco depois, foram poupados à prisão ou à extradição e permaneceram no México.

Fidel Castro virou-se então para um dos seus antigos inimigos para conseguir dinheiro: o ex-Presidente Carlos Prío Socarrás, aquele cujo jardim invadira para poder fotografar as suas festas luxuosas. Este, por ressentimento a Fulgêncio Batista, que o derrubara com um golpe, deu-lhe 100 mil dólares. Dessa quantia, Fidel Castro usou 18 mil dólares para comprar um iate a motor com 13 metros que um americano batizara de Granma, em honra à avó; deu a entrada para uma casa onde os rebeldes poderiam conspirar; comprou armas.

O tempo e as autoridades mexicanas começaram a apertar, obrigando os rebeldes a agir. A 25 de novembro de 1956, quando Fidel Castro tinha apenas 29 anos, 82 homens subiram a bordo do Granma e, munidos com noventa espingardas, duas armas antitanque manuais, três metralhadoras e cerca de quarenta pistolas puseram-se a caminho de Oriente, em Cuba. As condições estavam longe de ser ideais. “Um dos homens perguntou quando é que iriam alcançar o navio principal. Tinha assumido que o Granma era apenas um batelão”, escreveu Sir Leycester Coltman.

Fidel Castro, a treinar tiro na Sierra Maestra

AFP/Getty Images

Os dias, meses e anos que se passaram fizeram parte da mitologia de Fidel Castro que aqueles em seu torno trataram de exacerbar. O difícil desembarque em Cuba foi uma prova dura para os 82 homens. O grupo foi sendo alvo de emboscadas, também de algumas desistências, mas Fidel manteve o plano de chegar à Sierra Maestra. A 18 de dezembro, menos de um mês depois da saída do México, já mais de metade dos rebeldes tinha morrido. Os restantes estavam dispersados.

Fidel precisou de retomar a revolução. “Identificámo-nos de tal modo com a montanha, com a sua natureza, com o seu cenário, adaptámo-nos tão bem que tínhamos a impressão de nos encontrarmos no nosso habitat. Não foi fácil, mas penso que nos indentificámos com a floresta da mesma maneira que os animais que nela vivem”, recordou mais tarde Fidel Castro.

Fernando-Sánchez Amaya escreveria anos depois, sobre aquele momento, que “em nenhum momento [Fidel] se deu por vencido”. “A uma dada altura comecei a pensar que ele era louco. Disse para mim mesmo, ‘Merda, ele enlouqueceu!'”, recorda. Fidel Castro era dado como morto pela imprensa, nacional e internacional.

Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, na Sierra Maestra

FILES/AFP/Getty Images

Em fevereiro de 1957, o The New York Times enviou um jornalista à Sierra Maestra depois de Fidel Castro ter pedido a presença de jornalistas estrangeiros. O repórter, Herbert L. Matthews, fez um relato impressionante, tendo em conta as notícias da morte do cubano. “Fidel Castro, o líder rebelde da juventude cubana, está vivo e a lutar arduamente e com sucesso nas duras e impenetráveis escarpas da Sierra Maestra”, escreveu. O repórter norte-americano, sobre o qual mais tarde foi escrito um livro cujo título é O Homem Que Inventou Fidel Castro, escreveu um artigo onde exacerbava a dimensão e alcance do grupo àquela altura. Na verdade, foi vítima de um embuste: enquanto Fidel Castro falava com ele, Raúl Castro ordenava ao mesmo grupo de homens que passasse pelas imediações da entrevista várias vezes. Como não passavam perto, o jornalista achou que se tratava de pessoas diferentes, e por isso muitas, e não sempre as mesmas.

A verdade é que, com o passar do tempo, o grupo de rebeldes foi ganhando força e espaço. Em 1958, Fulgêncio Batista era atacado por vários lados, fosse pela ofensiva dos revolucionários fosse pela Igreja ou por grupos de juízes. Também os EUA deixaram de enviar armas para Cuba, com receio de se associarem ainda mais ao seu regime, que agora entrava numa espiral de execuções e outros episódios de repressão. Militarmente, Fulgêncio Batista cometeu o erro de achar que o centro da guerra era em Havana, quando era a partir das montanhas do Oriente que ela o atingia com maior força.

Entretanto, o ditador cubano destacara o general Eulogio Cantillo para liderar as tropas no Oriente. Este, nas suas costas, começou a negociar com os rebeldes. A 28 de dezembro de 1958, encontrou-se com Fidel Castro, que já controlava mais de metade do país. Falaram durante quatro horas e acordaram um levantamento militar anti-Batista às 15h00 de 31 de dezembro a partir de Santiago.

À medida que avançava calmamente para Havana, Fidel Castro era recebido em euforia

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À medida que os rebeldes iam tomando cidades a leste de Cuba, Fulgêncio Batista percebeu que já não tinha como sair vitorioso. Apresentou a demissão, transferiu todas as suas funções para o general Eulogio Cantillo e partiu para o exílio — primeiro na República Dominicana, depois em Portugal e finalmente em Espanha, onde viria a morrer em 1973.

Eulogio Cantillo aceitou a transferência de poder mas Fidel Castro não. Arranjou maneira de colocar Cantillo em prisão domiciliária e apelou ao povo para sair à rua. Ao mesmo tempo, Fidel fazia agora um percurso relativamente lento em direção à capital, parando pelo caminho para discursar nalgumas vilas e cidades — e também aproveitou para ver o filho Fidelito nos subúrbios de Havana.

A 1 de janeiro de 1959, Fidel Castro chegava a Havana. “Foi saudado com sinos de igreja, apitos de fábricas, sirenes de navios e salvas de honra disparadas pela marinha”, recorda Sir Leycester Coltman. Aos 32 anos, Fidel Castro acabava de consumar uma das revoluções mais marcantes da segunda metade do século XX.

As execuções sumárias “aprovadas” pelo “cubanos de todas as opiniões e classes”

Ao entrar em Havana naquele dia de Ano Novo, Fidel Castro dava início a um dos regimes mais controversos da História Moderna. Ainda o pó da revolução não assentara, Fidel Castro já promovia julgamentos populares que na maior parte das vezes acabavam como execuções sumárias. “O tipo de justiça administrada era popular entre os cubanos, mas caía mal no estrangeiro , especialmente nos Estados Unidos”, escreveu o ex-embaixador britânico em Cuba. Num discurso a 22 de janeiro desse ano, nem um mês depois de subir ao poder (oficialmente seria primeiro-ministro em fevereiro), Fidel Castro perguntou num enorme comício quem é que apoiava os julgamentos. A multidão respondeu toda a seu favor. “Senhores dos corpos diplomáticos, senhores da imprensa de todo o continente, o júri de um milhão de cubanos de todas as opiniões e classes acabou de votar!”, sentenciou Fidel Castro.

Fidel isolou-se de forma crescente. Depois de ter contado com eles ao seu lado na guerrilha, mandou prender Huber Matos e afastou-se de Camilo Cienfuegos, que pouco depois morreu num acidente de avioneta sem que se tenham apurado as causas da queda. A nível familiar, enfrentou alguns dos seus irmãos e a mãe, entretanto viúva, garantindo que também as suas terras seriam nacionalizadas. Em protesto por uma irmã se casar numa festa pomposa, apareceu na cerimónia uma hora depois do início e cheio de lama. E, a nível político, ele, que crescera nos partidos, aboliu agora a sua existência. No jornal Revolución, então porta-voz do MR-26, era explicado que o país estava a “desenvencilhar-se” das “ideias do passado e de todos os velhos jogos políticos”, acrescentando que “os políticos de partido não deviam poder minar a revolução com o seu oportunismo e hipocrisia”.

"Senhores dos corpos diplomáticos, senhores da imprensa de todo o continente, o júri de um milhão de cubanos de todas as opiniões e classes acabou de votar!"
Fidel Castro, perante os braços erguidos das pessoas a quem perguntou se aprovavam as execuções de soldados de Fulgêncio Batista

Parte do mundo assistia a tudo isto com preocupação. Ciente disso, Fidel Castro voltou a fazer a viagem que já tinha realizado em tempos: voltou aos EUA. Agora, numa operação de charme.

O convite partira da Sociedade de Editores de Jornais norte-americana. Além de se encontrar com jornalistas, também teve reuniões com políticos norte-americanos. Quando o apresentaram ao funcionário do Departamento de Estado que estava com a pasta dos Assuntos Cubanos, Fidel respondeu, com humor: “Pensei que era eu quem estava encarregado dos assuntos cubanos”. Além disso, passeou livremente por Nova Iorque. Foi abordado por mulheres, que lhe pediam autógrafos e beijos; passou pelo zoo do Bronx; deixou-se fotografar em manifestações em seu apoio; foi comer a um restaurante chinês.

Fidel Castro, numa viagem a Nova Iorque em 1959, rodeado de admiradoras

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Tudo lhe corria bem até ao momento em que se encontrou com Richard Nixon, que na época era vice-Presidente de Dwight Eisenhower. Numa altura em que a Guerra Fria dividia cada vez mais o mundo, a preocupação dos EUA era ver aquela pequena ilha a apenas 150 quilómetros de Miami a passar para o lado da União Soviética. O receio norte-americano começou a confirmar-se depois daquela reunião, sobre a qual Nixon disse a Eisenhower: “Ou ele é incrivelmente ingénuo em relação ao comunismo, ou veio ensinado por eles. Parece-me que é a primeira hipótese”.

Pouco depois, continuando um périplo que passou pelo Canadá e por países da América do Sul, Fidel Castro propôs aos EUA que investissem 30 mil milhões de dólares do seu Plano Marshall em países da América Latina. Os EUA recusaram o pedido.

Em janeiro de 1960, acusou 80% dos funcionários da embaixada dos EUA de serem espiões e ordenou a redução do seu staff para 11 funcionários. Os EUA cortaram aí as relações diplomáticas entre os dois países, conforme anunciou Dwight Eisenhower. “Esta ação, planeada pelo Governo de Castro, é apenas o mais recente de uma longa série de ataques, acusações sem fundamento e violações. Há um limite para aquilo que os EUA podem aguentar mantendo o orgulho próprio. Esse limite foi agora atingido”, disse numa comunicação ao país.

Em março de 1960, um navio francês com um carregamento de armas e munições da Bélgica explodiu no porto de Havana. Morreram 81 pessoas. Depois de as relações com os EUA terem começado a tomar um rumo negativo, Fidel Castro tratou de reforçá-lo, acusando os norte-americanos de serem responsáveis pelo desastre. Foi nessa altura que começou a terminar todos os seus discursos com o lema “pátria ou morte!”. “As acusações de Fidel, de sabotagem e assassínio, foram a última gota para a Administração dos EUA”, escreve o ex-embaixador britânico. “A 17 de março de 1960, o Presidente Eisenhower autorizou finalmente uma ação secreta para derrubá-lo.”

O gigante americano e a ilha que os russos adotaram

Em 1961, Dwight Einsenhower saiu de cena — foi o primeiro Presidente dos EUA a quem Fidel Castro sobreviveu — e o democrata John F. Kennedy assumiu a presidência dos EUA e, quando ainda não estava sequer há três meses na Casa Branca, ordenou uma invasão à ilha por parte de cerca de 1400 homens, todos eles cubanos no exílio. O golpe, que ficou conhecido por Invasão da Baía dos Porcos, fracassou e Fidel Castro acusou os americanos de terem levado a cabo um ataque “duas vezes mais traiçoeiro do que Pearl Harbor e mil vezes mais cobarde”

"Os imperialistas não nos podem perdoar [porque] fizemos uma revolução socialista debaixo dos seus narizes."
Fidel Castro, depois da invasão da Baía dos Porcos

No dia seguinte aos funerais das vítimas, Fidel Castro descreveu pela primeira vez a sua revolução como “socialista”. “Os imperialistas não nos podem perdoar [porque] fiezemos uma revolucação socialista debaixo dos seus narizes”, disse. Do outro lado do mundo, a União Soviética de Nikita Krushchev gostava do que ouvia.

Na verdade, já há algum tempo que falavam. Enquanto lançava uma operação de charme aos EUA, Fidel Castro fez o mesmo à União Soviética. Em 1960, depois da Assembleia Geral das Nações Unidas,o líder da União Soviética dizia que não sabia se Fidel Castro era comunista mas que ele se assumia como “fidelista”. Porém, noutras ocasiões, dissera que o cubano era “um cavalo jovem que ainda não fora domado [e que] precisava de algum treino”.

Nenhum líder soviético foi tão próximo de Fidel Castro do que Nikita Krushchev

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Mas a aproximação entre Cuba e a União Soviética era já incontornável. Como sinal disso mesmo, Fidel Castro enviou o filho Fidelito, que entretanto ficara sob sua guarda, para estudar em Moscovo. E embora admitisse que nem sempre tinha acreditado no marxismo, garantia nunca ter pensado “que os comunistas eram ladrões” e nunca ter duvidado que eles fossem “pessoas honradas e decentes”.

A União Soviética usou a pequena ilha para responder aos EUA, que tinham colocado na Turquia mísseis com ogivas nucleares apontadas à URSS. Acreditando que o faziam em segredo, os soviéticos instalaram mísseis balísticos de médio alcance e preparavam-se para colocar ainda outros de alcance intermédio. Só que os EUA, através de fotografias tiradas a partir do ar pela CIA, descobriram tudo. Kennedy foi à televisão e mostrou aos americanos aquilo que os soviéticos estavam a preparar.

John F. Kennedy fez um discurso à nação onde mostrava provas da existência de mísseis soviéticos em solo cubano

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Seguiram-se dias de negociações entre os líderes dos EUA e da União Soviética. Por fim, os russos deram um passo atrás e autorizaram a entrada de inspetores das Nações Unidas na ilha. Os EUA garantiram em troca que não tentariam invadir Cuba. Fidel Castro, furioso com a desistência de Nikita Krushchev, gritou: “Maricón!“.

Pouco depois, viria a esquecer este episódio e a conformar-se com as evidências de que se tornara um peão numa guerra maior do que ele. Numa reunião informal na dacha de Nikita Krushchev, percebeu que não valia a pena insistir mais no tema. “Não se fala de corda na casa de um enforcado”, comentou anos depois.

"Rumba não, trabalho sim!"
Fidel Castro, num discurso, pedindo aos cubanos para serem menos festivos e mais trabalhadores

Foi nesta altura que Fidel Castro procurou reformar a economia e a sociedade cubana, tentando incutir no povo uma postura austera semelhante à dos arquétipos soviéticos. Num dos seus longos discursos, Fidel Castro insistia que a revolução necessitava de dedicação e concentração, não de distrações. “Rumba não, trabalho sim!”, disse, referindo-se ao animado estilo musical cubano. Naquela altura, como testemunhou o poeta russo Joseph Brodsky, as palavras ficaram nos ouvidos das pessoas que, quando saíam do estádio onde decorreu o discurso, começaram a entoá-las. À medida que repetiam a frase, começavam a dar-lhe mais ritmo, batendo palmas em compasso e dançando. “Rumba não, trabalho sim!” era agora cantado pelo povo — em jeito de rumba.

Enquanto isso, era mesmo a austeridade e a escassez que se faziam notar. Num discurso que fez na qualidade de ministro da Indústria, Ernesto Che Guevara lamentou os “erros” da sua equipa, que “resultaram na escassez de produtos para a população”. E depois falou do que se tratava: pasta de dentes. Depois de uma ruptura de stocks, o ministério conseguiu mais bissulfato de cálcio. Porém, este não preenchia totalmente os requisitos necessários para servir como pasta de dentes. “Os nossos camaradas técnicos já fizeram uma pasta de dentes que é tão boa quanto a anterior, limpa de igual forma”, garantiu Ernesto Che Guerava. “Só que, ao fim de um bocado, fica em pedra.”

Não muito depois deste episódio, Fidel autorizou Che Guevara a estudar as possibilidades de Cuba poder utilizar a sua experiência guerrilheira noutros países. A decisão pode ter significado também uma cisão entre os dois, à medida que o argentino, decididamente marxista e apoiante do modelo da China comunista, via que o cubano se tornava cada vez mais pró-soviético. Numa altura em que os tanques da URSS entravam na Checoslováquia para impedir o “socialismo de rosto humano” de Alexander Dubček, o líder cubano escusou-se a fazer comentários, para desilusão de muitos dos seus admiradores, sobretudo na Europa.

Depois de uma viagem por África (passou por Angola, onde soldados cubanos viriam a combater mais tarde, em auxílio do MPLA), Ernesto Che Guevara passou para a América do Sul. Foi nesse continente, na Bolívia, que viria a ser capturado com ajuda da CIA e executado no local.

O homem que nunca morria

Ao todo, Fidel Castro foi alvo de 638 tentativas e planos de homicídio. Muitos eram da autoria da CIA e começaram a surgir em 1963, depois do assassinato de John F. Kennedy (o segundo Presidente americano de Fidel Castro, que lhe impôs o embargo que até hoje perdura) e com a subida ao poder do então vice-Presidente Lyndon B. Johnson. Esta mudança preocupou Fidel Castro, que confidenciou ao jornalista francês Jean Daniel: “Pelo menos Kennedy era um inimigo a que nos tínhamos habituado. É uma questão grave, uma questão extremamente grave”.

Uma das primeiras tentativas de homicídio contra Fidel foi talvez a mais espetacular de todas, envolvendo uma mulher chamada Marita Lorenz. O cubano conheceu-a em fevereiro de 1959, quando a então jovem alemã estava a bordo de um navio da marinha mercante alemã. Envolveram-se romanticamente, até que Marita voltou para os EUA, onde vivia. Depois, quando fez a sua viagem a Nova Iorque quatro meses depois, Fidel Castro e Marita Lorenz voltaram a estar juntos. Desta vez, o líder cubano convenceu-a ir com ele para a ilha.

"Sabes, há bocadinho, não me conseguias matar: ninguém me consegue matar!"
Fidel Castro, para uma amante que não conseguiu executar um plano da CIA para o assassinar

Fidel não sabia que, antes de se reencontrarem, a CIA tinha oferecido 2 milhões de dólares a Marita. Em troca, ela teria de colocar dois comprimidos de veneno no habitual batido matinal de Fidel. Duas ou três horas depois de beber tudo, estaria morto.

A alemã recebeu treino da CIA na Florida, tinha tudo planeado, mas, quando chegou a altura, não teve coragem. Deitou fora os comprimidos e confessou tudo a Fidel. Conta Serge Raffy que, depois disto, fizeram amor. No fim, Fidel disse-lhe que podia ficar em Cuba. E, depois, atirou-lhe à cara: “Sabes, há bocadinho, não me conseguias matar: ninguém me consegue matar!”

Noutras ocasiões, a CIA tentou os mais variados meios para matar Fidel. Sabendo que ele gostava de nadar e passar tempo nas praias de Varadero, tentaram criar uma bomba em forma de concha. Depois, um agente recrutado em Paris concebeu uma seringa, disfarçada de caneta, cujo contacto provocaria a morte imediata. Não podia faltar também a tentativa de o matar ao introduzir elementos letais num dos seus maiores vícios — os charutos.

Outras acções não eram contra a sua vida, mas contra a sua imagem. Os americanos chegaram a pensar em colocar tálio nos seus charutos ou nas botas que deixava para engraxar à porta dos quartos de hotel onde ficava no estrangeiro. Bastava o mínimo contacto com essa substância para começar a perder a sua icónica barba.

Enquanto a CIA tentava matá-lo, Fidel Castro consolidava a sua posição. Em 1976, 27 anos depois de ter subido ao poder, tornou-se Presidente de facto (o cargo pertencia então a Osvaldo Dorticós, que se suicidou em 1983), aproximando-se ainda mais do modelo soviético. Nessa altura, já tinham passado por si mais alguns Presidentes norte-americanos. Depois de Dwight Eisenhower, John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, viu a queda inglória de Richard Nixon (o seu quarto Presidente ianque) e também o fim de Gerald Ford (o quinto de Fidel Castro).

Nessa altura, recebia convidados um pouco de todo o mundo, travando amizades de proximidade com o filósofo Jean Paul Sartre ou o escritor Gabriel García Marquéz. Uma vez, foi-lhe servida uma garrafa de vinho do Porto, colheita rara, pelo embaixador português. “Ficou tão curioso com a qualidade (…) que mandou partir a garrafa vazia, para poder examinar o depósito”, conta o ex-embaixador britânico, Sir Leycester Coltman. Noutra ocasião, num jantar entre diplomatas, foi-lhe perguntado o que é que costumava fazer no seu tempo livre. “Gosto especialmente de ler os relatórios enviados pelas embaixadas de Havana aos seus governos”, disse, à espera da reação dos embaixadores. “Bem, não estamos tão bem informados como os norte-americanos.”

Em 1977, tomou posse aquele que foi um dos Presidentes norte-americanos mais favoráveis a Fidel Castro e o sexto na sua lista: Jimmy Carter. Logo em março, o democrata autorizou os primeiros charters de turistas norte-americanos a Cuba. Dois anos depois, Fidel Castro anunciou a libertação de três mil presos políticos perante uma delegação de exilados em Miami. Entre aqueles que foram libertados estava Huber Matos, então preso há 21 anos. Também nessa altura, depois de um período em que a economia crescia à custa da cana-do-açúcar, os números começaram a desfavorecer o modelo económico cubano. Fidel Castro aproveitou para liberalizar a economia, abrindo a possibilidade de os cidadãos montarem pequenos negócios.

Foi também em 1979 que os dois presidentes chegaram a um acordo que permitiu que cem mil cubanos exilados nos EUA fossem ao seu país visitar as famílias. Foi o momento em que o clima esteve menos tenso entre os dois países desde que Fidel Castro subiu ao poder em 1959. Mas essa situação logo se inverteu em abril de 1980, com o episódio que ficou conhecido como o Êxodo de Mariel, em que 120 mil pessoas saíram de Cuba para os EUA.

A história começou quando, um dia, um homem conseguiu tomar um autocarro e o usou para arrombar as portas da embaixada do Peru. Ali, juntamente com os passageiros, que também sabiam ao que iam, pediu asilo. A notícia varreu a cidade e milhares de pessoas correram em direção ao edifício. Cerca de 18 mil pessoas amontoaram-se naquele espaço e nas suas imediações.

Fidel Castro disse que os refugiados tinham “mentes fracas” e eram “escumalha” — e deixou-os partir. Jimmy Carter abriu as portas dos EUA aos cubanos. “As autoridades cubanas avolumaram os problemas dos norte-americanos, reunindo criminosos, lunáticos e doentes psiquiátricos e levando-os a Mariel para embarcá-los para a Florida”, recorda Sir Leycester Coltman. “A desonra foi partilhada. Carter pareceu hipócrita e inconsistente. Fidel foi humilhado pelo espetáculo público de cubanos a fugir da sua revolução.”

Este seria um dos últimos episódios de Jimmy Carter na Casa Branca (o sétimo commander-in-chief a enfrentrar Fidel Castro) e acabou por prejudicá-lo frente ao republicano Ronald Reagan, o oitavo “inimigo” de Cuba que se tornou num dos maiores pesadelos da União Soviética. E, por consequência, de Fidel Castro.

Nos anos 1980, a União Soviética dava já aquilo que hoje sabemos serem os seus últimos suspiros. Asfixiada economica e financeiramente pela Guerra Fria, Moscovo já não depositava em Cuba as mesmas esperanças de Nikita Krushchev. Aos poucos, a União Soviética largava a mão de Fidel Castro e este apercebia-se disso. Quando Mikhail Gorbatchov subiu à liderança da União Soviética, o líder cubano comentou com o seu amigo Gabriel García Márquez: “Acredita em mim, Gabo, vai ser um desastre”.

"Há quem pense que pode salvar o socialismo fazendo concessões. Se lhes dermos uma parte da unha, eles vão querer uma parte do dedo; se lhes dermos essa parte, vão querer o dedo todo; se lhes dermos o dedo vão pedir o antebraço; se lhes dermos o antebraço, vão pedir o braço; e, quando lhes dermos o braço, eles cortam-nos a cabeça."
Fidel Castro, sobre as concessões do socialismo ao capitalismo

Depois de reverter a liberalização económica dos anos 1970, Fidel Castro voltou a endurecer a linha do regime. Numa altura em que a glasnost e a perestroika eram as palavras de ordem em Moscovo, Havana ia na direção oposta. O descolamento da União Soviética era nítido. De acordo com Sir Leycester Coltman, depois de uma reunião pouco favorável com o georgiano Eduard Chevardnadze, então ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética, Fidel ordenou que fossem feitas escutas a todos os diplomatas soviéticos.

Em abril de 1989, Mikhail Gorbatchov fez uma visita oficial a Cuba e foi recebido com cartazes onde se lia “Longa Vida ao Marxismo-Leninismo!”. No final, os dois líderes assinaram um acordo de amizade entre Cuba e a União Soviética válido para os 25 anos seguintes. Mas a União Soviética não viria a durar nem dois anos.

Ao mesmo tempo, Fidel Castro travava uma luta interna com três figuras que estiveram com ele na Sierra Maestra: os irmãos Antonio e Patricio de la Guardia e Arnaldo Ochoa Sánchez. Os três enveredaram pela vida militar, depois de terem feito carreira em Angola. Depois de rumores de desentendimentos em relação ao rumo da revolução, os três foram condenados por vários crimes, entre os quais tráfico de drogas. Fidel, que, segundo Sir Leycester Coltman tinha em relação à droga uma atitude “mais pragmática que moralista” e que se preocupava antes em não dá-la como “arma que [os americanos] pudessem usar contra ele”, terá ficado “genuinamente chocado ao descrobrir que os irmãos de La Guardia tinham andado a zombar das suas ordens durante mais de um ano, permitindo que remessas de droga fossem trazidas para Cuba e depois continuassem viagem por Luanda”.

Fidel Castro numa visita a Angola, ao lado de José Eduardo dos Santos. Cuba ajudou ativamente o MPLA na guerra civil

JACQUES THOMET/AFP/Getty Images

No final Arnaldo Ochoa Sánchez e Antonio de la Guardia foram executados. Patricio de la Guardia foi condenado a 30 anos de prisão.

Nessa altura, Fidel disse que “há quem pense que pode salvar o socialismo fazendo concessões”: “Se lhes dermos uma parte da unha, eles vão querer uma parte do dedo; se lhes dermos essa parte, vão querer o dedo todo; se lhes dermos o dedo vão pedir o antebraço; se lhes dermos o antebraço, vão pedir o braço; e, quando lhes dermos o braço, eles cortam-nos a cabeça.”

Agora, não eram só os EUA que apertavam Cuba. Também os seus aliados de Leste, a braços com uma crise também ela aguda, disseram que iria deixar de haver uma relação privilegiada com Cuba. Fidel Castro reagiu com desdém, segundo Sir Leycester Coltman: “Que alívio! Quem é que queria empilhadoras búlgaras de manobrar e ineficientes? Quem é que queria medonhos autocarros húngaros que arrotavam um imundo fumo preto e estavam sempre a avariar?”

Perante as evidências, Fidel Castro recorreu à figura estilística do disfemismo e declarou a abertura do “Período Especial em Tempo de Guerra”, uma época em que procurou controlar as contas através de cortes e apelos ao baixo consumo, ao mesmo tempo que colocava todas as fichas na realização dos Jogos Pan-Americanos de 1991.

Foi quando festejava o êxito de Cuba nesses jogos, num jantar com dirigentes desportivos e diplomatas, que recebeu uma chamada a dar conta da destituição de Mikhail Gorbatchov, num golpe de Estado falhado em agosto. O líder soviético sobreviveu, mas por pouco tempo. Um dia depois do dia de Natal de 1991, a União Soviética foi enfim dissolvida e Fidel Castro ficou o mais próximo de sempre daquilo que verdadeiramente era: o líder de uma pequena ilha no mar das Caraíbas.

A vida depois da União Soviética

Depois do choque do fim da União Soviética, que perante o bloqueio económico internacional imposto a Cuba servia como o garante ao regime de Fidel Castro, o líder cubano vestiu a camisola de último combatente e voltou a insistir nos méritos do seu sistema. Mas essa retórica era já de difícil apelo às gerações mais novas, que viam o mundo à sua volta a mudar.

Como o mundo deles não mudava, decidiram eles mudar. Cada vez mais pessoas começaram a sair de Cuba para os EUA, partindo do país em embarcações precárias. Esta era uma tendência que tinha voltado à calha nos tempos de George H. W. Bush (o nono Presidente dos EUA a encarar Fidel Castro) e intensificou-se já no primeiro mandato de Bill Clinton, o número 10 do líder cubano.

Bill Clinton, depois de assinar um novo aperto do embargo a Cuba em 1995

Richard ELLIS/AFP/Getty Images)

O regime de Havana, normalmente avesso a que a população fugisse do seu país, preferiu nessa ocasião levantar as restrições. Menos pessoas seriam também menos bocas para alimentar, num sistema cada vez mais paternalista como era o cubano. Em 1995, Bill Clinton procurou pôr termo àquela vaga de imigração e aplicou a política de “pé seco/pé molhado”. Esta ditava que os EUA dariam nacionalidade aos cubanos que chegassem a solo norte-americano, mas também mandariam para trás quem fosse apanhado a meio da travessia.

Nas negociações que levaram a este corte de Bill Clinton, Hillary foi uma presença assídua. Segundo Sir Leycester Coltman, “Fidel parecia às vezes mais interessado em Hillary Clinton do que em Bill Clinton”. “Aprovou a sua aparência física”, explicou o diplomata, referindo que a futura candidata presidencial dos EUA se parecia então com a sua ex-mulher Mirta.

A relação com os EUA voltou a gelar um pouco mais quando, em 1996, duas avionetas da organização de exilados Hermanos al Rescate foram abatidos por caças cubanos, depois de as autoridades de Havana alegarem que estes estavam a invadir o seu espaço aéreo. Como consequência, Bill Clinton apoiou a lei Helms-Burton, que veio a intensificar o embargo a Cuba.

Uma mãe abraça a filha em Cuba antes de ela partir e tentar chegar à Florida pelo mar, em 1994

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A partir da segunda metade dos anos 1990, Cuba passou a investir fortemente no turismo, abrindo as portas a grupos internacionais hoteleiros, muitos deles espanhóis. Estes foram construindo luxuosos resorts à beira-mar, fechando as praias aos cidadãos cubanos — revertendo uma medida por ele imposta no início da revolução.

Em 1998, a imagem internacional de Cuba recebeu uma ajuda com a visita de João Paulo II, em janeiro. O Papa, que tinha tido um papel fulcral no derrube do comunismo na Polónia, foi bem recebido por Fidel Castro, que ainda assim lhe disse: “Se Jesus Cristo escolheu os pescadores, é porque era comunista”. Ainda assim, os tempos e a retórica eram outros. “A hora não é de grandes tiradas revolucionárias, mas sim de joint-ventures, de turismo de massas, de capitalismo de Estado, de visitas das delegações patronais vindas dos quatro cantos do mundo”, escreve Serge Raffy. “Castro adotou definitivamente a linha chinesa. No decurso deste congresso, o partido está mudo, o dólar é rei.”

Aos 73 anos, Fidel foi buscar forças a um novo e muito particular incidente diplomático que viria novamente a colocar Cuba e os EUA num braço-de-ferro. Elian González, um rapaz de seis anos cuja família morreu na travessia a caminho da Florida, foi levado até aos EUA. O pai, que ficou em Cuba e deu consentimento para a viagem do filho, exigiu o repatriamento. Fidel agiu como seu advogado de defesa “Têm sententa e duas horas para nos enviarem o pequeno Elian”, disse a 5 de dezembro de 1999. “É um caso de direito comum. Esta criança foi raptada, deve ser devolvida ao pai.”

Perante a resistência em Miami, Fidel Castro organizou manifestações em Cuba e transformou o assunto num tema de Estado. Enviou um negociador cubano a Washington, mas foi preciso a justiça norte-americana intervir, dando razão ao pai, para a situação ser resolvida. O FBI acabou por irromper pela casa onde estava Elián González. A 28 de junho, o miúdo chegou a Cuba. No programa de desenhos animados Elpidio Valdés, o protagonista diz: “Bem-vindo, Elian! Agora temos de ganhar a batalha do bloqueio!”

“Irei para o inferno!”

Fidel Castro nunca acabou por ver o fim do bloqueio ao país. Este só viria a ser ainda mais acentuado por George W. Bush, o 11.º e último Presidente dos EUA que foi ultrapassado por Fidel. No seu primeiro mandato, não muito depois do 11 de setembro de 2001, Bush tratou de trazer para o léxico político o termo “eixo do mal”, onde colocou países como a o Iraque, a Síria, o Irão, Coreia do Norte — e Cuba.

Foi este o último Presidente norte-americano a reforçar o embargo, restringindo ainda mais as viagens para Cuba e limitando os valores das remessas dos exilados dos EUA para as suas famílias na ilha. Tudo isto acontecia ao mesmo tempo que em vários países da América do Sul se registavam as vitórias eleitorais de governos populistas de esquerda, com grande destaque para a Venezuela de Hugo Chávez, que foi, até também ele ter morrido, em 2013, o último grande aliado de Cuba.

"Irei para o inferno. O calor será insuportável. Mas a dor não será tanta como esperar demasiado do céu, que sempre falta às suas promessas. Quando chegar ao inferno vou conhecer Marx, Engels e Lenine. E aliás você também, porque os capitalistas também vão para o inferno, especialmente quando gozam demasiado a vida."
Fidel Castro, sobre a sua morte

Esta era, porém, uma altura em que Fidel Castro aparecia cada vez menos em público. Em 2001, já com 75 anos, desmaiou durante um discurso em pleno verão. Quinze minutos depois, com uma ida a uma ambulância pelo meio, voltou ao palco e disse que à noite estaria pronto para terminar o que estava a dizer. Seis horas depois, subiu ao palco e gracejou: “Qualquer um diria que eu me estava a fingir de morto para ver que espécie de funeral iria ter”.

Segundo Sir Leycester Coltman, o ditador cubano também já tinha desmaiado num almoço diplomático pouco antes. “Ele perdera a consciência e caíra bruscamente para a frente, de encontro à mesa, recuperando segundos depois e prosseguindo como se nada tivesse acontecido”, escreve o ex-diplomata.

Em 2004, foi ainda pior a queda que Fidel Castro deu depois de um discurso. Partiu um joelho e um braço. “Eu posso continuar o meu trabalho”, disse na altura. “Vou fazer o possível para recuperar depressa, mas como podem ver eu ainda consigo falar.”

Mas a morte de Fidel Castro já era uma realidade cada vez mais próxima. Uma vez, a um interlocutor francês, numa conversa que Sir Leycester Coltman reproduz, Fidel Castro falou da sua morte. “Irei para o inferno”, assegurou. “O calor será insuportável. Mas a dor não será tanta como esperar demasiado do céu, que sempre falta às suas promessas. Quando chegar ao inferno vou conhecer Marx, Engels e Lenine. E aliás você também, porque os capitalistas também vão para o inferno, especialmente quando gozam demasiado a vida.”

O afastamento final começaria a desenhar-se em 2006, depois de ter sido descoberto um tumor nos intestinos de Fidel Castro. Nessa altura, passou o poder ao seu irmão, de quem nunca se afastou desde os tempos em que falharam o assalto ao quartel de Moncada. Em 2008, anunciou que não procurava mais alongar-se no poder e o seu irmão tornou-se oficialmente no Presidente de Cuba.

"Não precisamos que o império nos ofereça nada."
Fidel Castro, março de 2016, depois de visita histórica de Barack Obama a Cuba

Fidel Castro deixou prde aparecer em público. Mais do que nunca, os rumores da sua morte eram espalhados, para depois serem prontamente desmentidos. As imagens que surgiam do revolucionário eram sobretudo ao lado de Hugo Chávez e, mais tarde, de Nicolás Maduro. Em outubro deste ano, também Marcelo Rebelo de Sousa esteve junto de Fidel Castro.

Fidel Castro meets with Portuguese President

Marcelo Rebelo de Sousa esteve com Fidel Castro em outubro de 2016, pouco menos de um mês antes de o ex-Presidente cubano morrer

Meses antes, em março, Barack Obama tornara-se no primeiro Presidente dos EUA em funções a visitar Cuba desde Calvin Coolidge (1923-29), depois de terem sido reatadas as relações diplomáticas entre os dois países. Ambos reabriram as suas embaixadas no outro lado da fronteira.

Ainda assim, Fidel fez questão de voltar à linha dura, num artigo publicado no jornal Granma dias depois da visita de Obama. “Advirto que somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas materiais de que necessitamos, com o esforço e a inteligência do nosso povo”, escreveu. “Não precisamos que o império nos ofereça nada”, acrescentou, numa carta que, desta vez, certamente foi lida pelo Presidente dos EUA.

No mês seguinte, em abril, Fidel faria o seu último discurso. “Possivelmente, esta será uma das últimas vezes que falo nesta sala”, disse, no VII Congresso do Partido Comunista de Cuba. “Empreenderemos a marcha e aperfeiçoaremos o que devemos aperfeiçoar, com uma lealdade clara e uma força unida”, disse.

E, depois, acrescentou: “Fim”.

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