O que aconteceu às companhias aéreas de bandeira que foram privatizadas na Europa? O Observador foi olhar para os processos de venda de empresas nos últimos dez anos num setor que tem sido especialmente afetado por crises e por uma agressiva concorrência das companhias low-cost.
Nos seis casos analisados pelo Observador em processos realizados nos últimos dez anos, há mais reestruturações e despedimento do que as histórias de sucesso sem dor. No entanto, quando o foco se alarga às companhias cujo controlo ainda está nas mãos do Estado, nem sempre o resultado é diferente.
A viagem pelas privatizações do transporte aéreo faz a primeira escala logo aqui ao lado em Barajas, Madrid, para recordar o caso da Iberia.
A privatização da companhia área espanhola arrancou na bolsa em 2001 e o Estado cedeu logo a maioria do capital. A britânica British Airways aproveitou para comprar mais de 10%, mas o seu investimento na Iberia estava limitado a 49% pela lei espanhola. A maioria teria de ficar em investidores nacionais. O caminho privado da transportadora começou por ser uma história de sucesso com lucros e expansão.
A Iberia até manifestou interesse numa eventual compra da TAP, apetite que nunca foi bem recebido em Lisboa.
Em 2008, e depois do acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos para liberalizar os céus (Open Skies), cai por terra o limite legal ao controlo da Iberia por investidores não espanhóis. A British Airways propôs a fusão com a parceira espanhola. O negócio, que recebeu luz verde de Bruxelas em 2010, iria dar origem à IAG, a segunda maior companhia europeia. Os ingleses ficaram com 55% do capital do novo grupo.
O balde água fria chegou em 2012, quando a IAG anunciou um plano de reestruturação para a Iberia que previa o despedimento de quase 20% dos trabalhadores, ou seja, cerca de 4000, cortes salariais até 23%, e a diminuição de 25 aviões. Era a receita amarga para uma empresa que perdia quase dois milhões de euros por dia, na argumentação do dono inglês. Este episódio alimentou o sentimento anti-britânico em Espanha.
O plano de choque coincidiu com um momento em que Madrid lutava para impedir o resgate internacional. Na Iberia a batalha foi movida pelos sindicatos e trabalhadores que realizaram uma sucessão de greves (oito dias em duas semanas) que afectou seriamente a operação da companhia espanhola. O governo teve de intervir nomeando um árbitro para mediar o conflito entre a gestão e os trabalhadores. O acordo permitiu reduzir o número de despedimentos, para 3000, e os cortes salariais. Os pilotos aceitaram uma redução de 14% nas remunerações até 2015, ano em que a Iberia deverá voltar aos lucros.
O fantasma espanhol foi aliás citado pelo sindicato dos pilotos da aviação civil (SPAC) na conferência de imprensa em que explicou os motivos para a greve de dez dias, adiantando que pretendia evitar na TAP o que aconteceu aos pilotos da Iberia.
Os dados de 2013 do grupo IAG mostram, mesmo assim, um gigante do setor. 67 milhões de passageiros/ano (face a 11 da TAP), 471 rotas (74 na TAP), 431 aviões (77 na TAP), mais de 60 mil trabalhadores (quase 13 mil em todo o grupo TAP), um volume de negócios de 18 mil milhões de euros (face a 2,7 mil milhões da companhia portuguesa), dados de 2013.
Doze companhias de bandeira em mãos privadas
De acordo com um levantamento a que o Observador teve acesso, são pelo menos 12 as transportadoras nacionais (de bandeira) cujo controlo já está nas mãos de privados no espaço da União Europeia. Há três empresas onde o Estado ainda é maioritário (Finnair, Czech Airlines, Adria da Eslovénia), mas onde já há capital privado, um modelo que é defendido pelo PS, e sete onde o Estado detém a totalidade ou a quase totalidade das transportadoras. É neste clube mais restrito que está a TAP, mas também a LOT, companhia polaca que sofreu recentemente uma reestruturação. Já lá vamos.
A rota das privatizações leva-nos agora a uma das histórias mais atribuladas da aviação comercial europeia. Depois de várias tentativas de reestruturação falhadas, a Alitalia entra em insolvência em 2008. A empresa é comprada por um grupo de investidores, a CAI (Companhia Aérea Italiana), cuja proposta foi aceite pelo governo italiano. A nova Alitalia, que resulta da fusão entre a empresa de bandeira e a Air One é lançada em 2009, com custos mais baixos, menos trabalhadores e sem aviões próprios.
No mesmo ano, a Air France KLM compra uma fatia de 25% da empresa italiana com uma opção para reforçar a sua posição depois de 2013. Mas o grupo francês recusa participar num aumento de capital no quadro de uma operação de saneamento que foi promovida pelo Estado italiano. A Air France defende uma reestruturação mais acentuada e dilui a sua posição no reforço de capital. O plano da Alitalia avança em 2014 com outro investidor, a companhia do Abu Dhabi, a Etihad. Esta empresa não pode contudo adquirir mais de 49% do capital por não ser europeia. E Bruxelas está atenta.
O limite comunitário à participação não europeia nas companhias de bandeira será também um potencial obstáculo para os potenciais interessados na TAP, onde aparecem brasileiros e americanos.
A Etihad está a renegociar a dívida da Alitalia com a banca, mas as companhias aéreas concorrentes estão alerta e acusam os italianos de ajuda de estado encapotada. A empresa de correios La Poste participou no aumento de capital da Alitalia. Por outro lado, o investimento da empresa do Abu Dhabi terá como contrapartida a redução da dívida bancária da companhia aérea de 800 milhões de euros.
O negócio poderá também ter um gosto amargo para muitos trabalhadores. O investimento de 560 milhões de euros terá como contrapartida o despedimento de 2250 trabalhadores, numa empresa que tem 14 mil funcionários, uma condição que não é aceite pelos sindicatos da Alitalia.
O próximo destino é Atenas onde a turbulência continua. A história da Olympic Airways começa com Aristotles Onassis que nos anos 50 do século passado fez um acordo com o Estado grego para lançar a companhia aérea.
Em 2003, perdas avultadas obrigam o governo grego a reestruturar a companhia cuja operação é transferida para a sua participada, a Macedonian Airlines. O nome muda para Olympic Airlines, uma empresa que nasce sem dívida. No ano seguinte começam as tentativas de privatização, mas nenhum privado está disponível para devolver os 700 milhões de auxílios dados pelo estado grego e que Bruxelas declarou ajudas ilegais.
Em 2007 o Tribunal Europeu do Luxemburgo condena a Olympic a devolver as ajudas, mas num valor muito inferior ao inicialmente exigido e entretanto um tribunal grego condena o Estado a pagar o serviço público assegurado pela empresa para as ilhas gregas. Mas as boas notícias não duram muito. A companhia low-cost Ryanair apresentou nova queixa em Bruxelas contra as ajudas ilegais de Atenas. Em 2008, o executivo grego anuncia que a empresa, com uma dívida acumulada de dois mil milhões de euros, vai deixar de existir com a mesma dimensão.
As operações e participadas da Olympic são vendidas em 2009 ao grupo MIG, que vence a concorrente Aegean, e depois de dez anos de tentativas falhadas, a transportadora sai das mãos do Estado. Os novos donos prometem manter 5000 dos 8000 postos de trabalho No final desse ano, a Olympic Airlines deixa de voar e vai para liquidação. Em seu lugar aparece a Olympic Air, com uma operação muito mais reduzida.
Em 2012, a Aegean, grupo de transportes que detinha a principal companhia privada grega, compra a Olympic à MIG. A fusão entre as duas maiores empresas de aviação do país é aprovada pela Comissão Europeia em 2013, mas as marcas mantêm-se.
A Irlanda é a paragem que se segue. A companhia de bandeira irlandesa foi uma das primeiras vítimas do fenómeno low-cost. A Ryanair nasceu na Irlanda. Em 2001, ainda pública, a Aer Lingus adopta o modelo low-cost como “plano de sobrevivência”. Em 2006, a transportadora foi dispersa em bolsa, mas o Estado manteve uma participação de 25%. Hoje, a Ryanair também é acionista, com quase 38% e 45% do capital está disperso.
Em 2009, a Aer Lingus anunciou a intenção de dispensar mais de 1000 colaboradores depois de ter falhado um acordo com os sindicatos para cortar custos de quase 100 milhões de euros.
Em 2015, a IAG faz uma oferta de 1,3 mil milhões de euros para comprar a companhia irlandesa. Na Irlanda teme-se uma repetição do que aconteceu com a espanhola Iberia. Os sindicatos receiam que o negócio possa implicar a saída de 1000 a 1200 dos 4000 funcionários da companhia. A IAG (ex-British Airways) está em conversações com Dublin que detém 25% da Aer Lingus e quer assegurar a manutenção de rotas importantes para o país. A Ryanair está vendedora.
De Dublin para Viena. A privatização da Austrian Airlines começou em 1988 com uma oferta pública em bolsa. A Swissair, que faliu antes de comprar a TAP, adquire uma participação na empresa austríaca. Em 1990, o governo austríaco reduz a sua posição para 51,9% e quase dez anos depois, em 1999, cede a maioria, ficando com menos de 40%. Em 2008, são dados os passos finais na privatização. A Lufthansa é a escolhida e lança uma oferta pública de aquisição sobre a Austrian, ficando com 85% do capital.
Em 2009, a fusão, ou a integração da Austrian na Lufthansa, é aprovada pela Comissão Europeia que dá luz verde a uma reestruturação que envolve um financiamento de 500 milhões de euros por parte do Estado austríaco. Bruxelas diz que a ajuda é compatível com as regras europeias para reestruturar e salvar empresas em dificuldades. O plano apresentado prevê a diminuição de 15% da capacidade até 2010 e o crescimento futuro fica sujeito a um cap (limite). O processo envolve ainda a saída de mil funcionários.
A capital da Europa é o nosso próximo destino. A Brussels Airlines foi a sucessora da Sabena. A companhia belga foi uma das primeiras empresas de bandeira a falir devido às regras apertadas da Comissão Europeia para ajudas à aviação. A Bélgica deixou a cair a empresa em 2001 depois da Swissair ter falhado o compromisso de investir, na sequência da falência da própria empresa suíça cujos planos previam também a compra da TAP.
Dos 12 mil funcionários da transportadora pública, cerca de metade terá ficado de fora da nova empresa.
A Brussels Airlines renasce das cinzas da Sabena em 2002, financiada por um conjunto de investidores que inclui as maiores empresas belgas, algumas públicas, a Virgin Atlantic, e a sociedades regionais de investimento de capitais públicos.
Em setembro de 2008 a Lufthansa compra 45% do capital e assegura uma opção para comprar os outros 55%, mas não tem pressa em exercê-la. Em 2012, a empresa anunciou uma reestruturação para reduzir custos, não houve notícias de despedimentos.
LOT. A empresa pública que vai encolher para voltar a crescer
A viagem segue agora para a Polónia. A LOT Airlines, tal como a TAP, é detida pelo Estado. Mas essa circunstância não foi suficiente para evitar um cenário de reestruturação e redução de trabalhadores. Foi o preço a pagar pelo apoio do acionista público ao plano de saneamento da transportadora que apresentava prejuízos desde 2008. Só teve lucros em 2013.
Em julho de 2014, Bruxelas autorizou a ajuda de Estado polaca à LOT no valor de 200 milhões de euros. A Comissão Europeia considerou que o plano de reestruturação permitirá a empresa ser viável no longo prazo, sem distorcer as regras de concorrência. A LOT teve de reduzir os voos de médio curso e a frota, diminuindo cerca de 700 trabalhadores (39% do total), também tarifas mais agressivas e eliminação de tarifários económicos e venda de ativos. A ambição é voltar aos lucros em 2015 para privatizar.
E as empresas onde há capital privado e o Estado ainda manda? Do outro lado da fronteira polaca, a Czech Airlines enfrenta os efeitos da guerra na Ucrânia. A empresa, que é detida em 44% pela Korean Airlines, anunciou em setembro do ano passado medidas que passam pelo corte de quase um terço dos seus funcionários, menos 280 entre quase 1000. Entre as saídas anunciadas estão 70 pilotos. A Czech pretendia ainda vender ativos, incluindo aviões.
Esta volta aérea à Europa termina a Norte, na Finlândia, onde a maior dor de cabeça para a companhia de bandeira vem da concorrência feroz das low-cost. A Finnair é controlada pelo Estado, mas tem o capital disperso em bolsa. O plano radical, que ainda não estará fechado, passa por fazer o outsourcing das operações do pessoal de cabine, o que ameaça cerca de 500 postos de trabalho.