Quase todos de acordo. O gabinete do cônjuge é uma coisa antiquada e Portugal quer-se moderno. Com uma eleição presidencial à porta, a existência de uma primeira-dama em Belém pode estar a chegar ao fim, depois de 40 anos de casais presidenciais.
Na verdade, este cargo nunca existiu formalmente. Em Portugal, o título de primeira-dama é apenas utilizado para designar a mulher do Presidente da República, não representando qualquer função oficial e não tem remuneração, embora desde 1996 (com Jorge Sampaio) tenha direito a um gabinete na Casa Civil. Assim, a lei passou a prever dois adjuntos e um secretário que incorporam o pessoal da Casa Civil. Mas os principais candidatos às presidenciais de dia 24 de janeiro não parecem querer manter esta estrutura.
A lei que rege o gabinete do cônjuge
↓ Mostrar
↑ Esconder
O Decreto Lei 28-A/96, de 4 de Abril, que define e regula as estruturas e os serviços integrantes da Presidência da República, estipula no artigo 4º os termos em que foi criado o gabinete de apoio ao cônjuge do Presidente:
1 – A fim de prestar apoio ao cônjuge do Presidente da República no exercício das atividades oficiais que normalmente desenvolve, funciona, no âmbito da Casa Civil, um gabinete de apoio.
2 – O gabinete de apoio é constituído por dois adjuntos e um secretário, designados de entre o pessoal referido no n.º 1 do artigo anterior.
Para a candidata presidencial Marisa Matias, casada, esta “é uma questão que nem se devia colocar numa República”. “Numa Monarquia talvez…”, afirmou a eurodeputada e candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda. Também a candidata Maria de Belém Roseira, casada, é perentória nesta matéria. “Se eu for eleita Presidente da República, como espero, não fará sentido manter este gabinete“, respondeu a candidata ao Observador. Outro dos principais candidatos que confirmou ao Observador que não irá ativar este gabinete é Marcelo Rebelo de Sousa, que é divorciado. Já António Sampaio da Nóvoa, casado, afirma que ainda vai decidir, mostrando pouca inclinação para continuar. “A seu tempo tomarei uma decisão, caso seja eleito, mas recordo que a candidatura à Presidência da República é unipessoal e, como tal, individual”, respondeu ao Observador.
“Não existe nenhum enquadramento constitucional nem legal para a figura da primeira-dama. A legislação constitucional não prevê o título de primeira-dama. A existência desse gabinete tem dependido do critério dos Presidentes da República anteriores, opções que respeito e compreendo”, afirmou Sampaio da Nóvoa ao Observador.
Para além de não manterem este gabinete, os candidatos não pretendem trazer a sua família para os assuntos relacionados com o Palácio de Belém. Marisa Matias afirma ao Observador que “quem deve responder aos cidadãos e às cidadãs são as pessoas eleitas” e que “o apoio familiar é outra coisa”. Apesar de ter uma companheira há vários anos, Marcelo Rebelo de Sousa disse em entrevista ao Expresso que “não há nenhuma obrigação institucional do Presidente ter uma primeira-dama” e que entende que “os planos se devem separar”. “Os meus netos não andarão a correr pelos jardins do Palácio de Belém nem aparecerão em encontros protocolares”, assegurou. A mulher de Sampaio da Nóvoa não tem feito parte da campanha eleitoral e em entrevista ao Diário de Notícias, afirmou respeitar “incondicionalmente” que a mulher “não queira exercer as funções tradicionais de primeira-dama e que queira continuar a sua vida profissional”.
Uma tradição informal com 40 anos
Manuela Ramalho Eanes, Maria Barroso, Maria José Ritta e Maria Cavaco Silva receberam reis, acompanharam os maridos em visitas de Estado fora do país e desenvolveram uma agenda de solidariedade social, mas não há qualquer legislação que enquadre as suas funções. O tradicional título de primeira-dama foi-lhes atribuído por serem casadas com os sucessivos Presidentes da República, mas sem qualquer enquadramento legal. Aliás, só Maria José Ritta e Maria Cavaco Silva, atual primeira-dama, é que beneficiaram de um gabinete de apoio.
Deste gabinete fazem parte três funcionários que integram o pessoal que trabalha na Casa Civil do Presidente e têm como principais funções ajudar a mulher do Presidente a responder a pedidos da sociedade civil – Maria Cavaco Silva tem um espaço no seu site dedicado ao envio de perguntas -, organização da agenda nacional e conciliação da agenda com o Presidente, já que muitos Chefes de Estado que visitam Portugal trazem também os seus respetivos cônjuges e há necessidade de criar um programa de visita separado.
Ao Observador, o Palácio de Belém afirmou que Maria Cavaco Silva apenas se desloca ao estrangeiro com o Presidente quando este é convidado por outro chefe de Estado e confirmou que caso o próximo ou a próxima Presidente optem por não manter este gabinete, os funcionários vão reintegrar outros departamentos da Casa Civil. Por não ser uma função do Estado, este cargo não é remunerado e o gabinete não tem um orçamento próprio, integrando as despesas da representação da República – em 2015, as despesas anuais da representação da República foram de 4,8 milhões de euros.
Primeira-dama: uma questão de “cortesia republicana”
A questão da tradição republicana da existência do título oficioso de primeira-dama não se coloca só em Portugal. Em França, também não há atualmente qualquer legislação que enquadre este título e nem há menção no protocolo de Estado a esta condição – a única vez que a mulher do Presidente é referida é numa lei de 1955 em que se estipula que, em caso de morte, será a viúva a receber a sua subvenção. Em 2006, o então primeiro-ministro Dominique de Villepin, respondeu a um deputado socialista que questionou o papel da primeira-dama, dizendo tratar-se apenas de uma “cortesia republicana”.
O tema voltou ao debate público no país quando Valérie Trierweiler, então companheira de François Hollande e reconhecida como primeira-dama, desencadeou uma polémica com a ex-companheira Ségolène Royal – antiga candidata à presidência do país – do Presidente e teve de se retratar publicamente. Soube-se ainda que o gabinete de Trierweiler tinha cinco funcionários e custava quase 20 mil euros por mês. Foi ainda tornado público que Carla Bruni, mulher de Sarkozy, gastaria mais de 60 mil euros por mês, usava os carros oficiais e lançou uma ação de solidariedade que custou os cofres franceses mais de 410 mil euros.
Atualmente – e depois de uma separação bastante pública -, François Hollande não tem qualquer companheira oficial e em junho de 2015, foi acompanhado pela sua ex-companheira Ségolène Royal na receção dos reis de Espanha. Royal é atualmente ministra do Ambiente e com os restantes ministros de Estado fora, teve de cumprir funções oficiais ao lado do pai dos seus quatro filhos. A situação caricata não fugiu à atenção dos meios de comunicação franceses e internacionais.
O exemplo que serve de modelo às primeiras-damas, um pouco por todo o Mundo, é o do cônjuge do Presidente dos Estados Unidos. Também a primeira-dama dos Estados Unidos não tem qualquer função oficial, mas tem direito a um gabinete que coordena as atividades da Casa Branca, nomeadamente visitas oficiais e todas as atividades na residência do Presidente. Michelle Obama é a mulher de Barack Obama e assumiu esta função quando o marido ganhou as eleições em 2008. Para além das suas responsabilidades habituais, Michelle Obama lançou, à semelhança das suas predecessoras, algumas iniciativas como campanhas de combate à obesidade, apoio aos veteranos ou empoderamento das raparigas.
Já no Brasil, o título de primeira-dama é utilizado não só para designar a mulher do Presidente, mas também é utilizado para as mulheres do governadores e dos prefeitos. Contactado pelo Observador, o gabinete da Presidência da República do Brasil afirmou que nenhum destes cargos é oficial, não é remunerado e que atualmente a figura do cônjuge não existe, já que Dilma Rousseff é divorciada. A Presidente faz a maior parte das suas deslocações sozinhas, mas a filha Paula acompanha-a a algumas viagens mais prolongadas e em cerimónias oficiais, como nas duas tomadas de posse.