Um “não brinca em serviço”, o outro brinca. Um é “previsível”, o outro é uma caixinha de surpresas. Um é “inteligentíssimo”, o outro é “rigorosíssimo”. Marcelo Rebelo de Sousa e Rui Rio são a “antítese um do outro”, mas, cada um à sua maneira, podem ser vencedores à direita. Pelo menos é o que se diz no seio do PSD, onde os amores se dividem e, em alguns casos, a seta do cupido tem mesmo sérias dúvidas sobre em quem acertar.
Com a saída de cena de Pedro Santana Lopes da corrida presidencial, a escolha do PSD será entre Rui Rio ou Marcelo Rebelo de Sousa. Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa, como são eles aos olhos dos dirigentes e deputados sociais-democratas?
Rui Rio estudou no Colégio Alemão desde os quatro anos e, diz quem o conhece, isso influenciou muito a pessoa que é hoje. Rigoroso, racional, corajoso, frontal, incorruptível e um exemplo pela luta contra todos os lóbis. “Previsível”. Também teimoso, no sentido de “marreta”, por levar a sua sempre até ao fim, e um pouco “orgulhosamente só” – no partido ou mesmo quando esteve na Câmara. Tende a decidir tudo sozinho. É esta a perceção daqueles que partilharam consigo os bastidores da Assembleia ou da São Caetano à Lapa.
Rio chegou a dizer em várias entrevistas que nunca fez nada para chegar onde chegou, nem à Câmara do Porto nem à secretaria-geral do PSD, ou à vice-presidência do partido – que não se move por ambição ou desejo de poder, mas que é o seu trajeto e convicções que o levam até lá. Todos os que o conhecem, contudo, vêem nele alguma “frieza” e “calculismo político”, no sentido em que “não dá um passo sem ter a certeza do que vai fazer”, como diz ao Observador o deputado Couto dos Santos. E, nesse sentido, também muito “previsível”: “Sabe-se sempre o que ele quer e o que vai fazer, porque só faz o que quer, não se esperam surpresas ou reviravoltas de última hora”, acrescenta um dirigente social-democrata.
Hugo Velosa, deputado do PSD há mais de 15 anos, lembra-se bem de Rio na comissão parlamentar de Economia e da forma como “defendia ou atacava quando sabia que tinha razão”. Sempre “bem preparado nos temas”, era “coerente consigo próprio, e movia-se contra tudo e todos”, se for preciso até contra “o sistema instalado”. A lealdade de caráter é outro ponto que destaca.
Há sobretudo duas palavras que tendem a vir logo à cabeça quando se fala em Rio: racional e determinado. Um homem de convicções, sim, e muito frontal. “É um político e ser humano exemplar, com as suas qualidades e defeitos; tem uma estabilidade emocional à prova de bala, é quase um cubo de gelo”, caracteriza o deputado Duarte Marques. “Rigorosíssimo – não é rigoroso, é rigorosíssimo“, acrescenta outra fonte social-democrata que se recorda da exigência e pontualidade de Rio quando era secretário-geral do partido, no tempo de Marcelo Rebelo de Sousa, precisamente.
Marcelo Rebelo de Sousa, pelo contrário, é o emocional (a emoção antes da razão). É o surpreendente, o conciliador, simpático e empático e, claro, a mente brilhante. Aquele que tem uma visão mais alargada das coisas, menos ideológica, e que é capaz de abranger (quase) todas as franjas da população e do espetro político. É, aos olhos de companheiros de partido, o estratega político que inspira e expira política – “está-lhe nos genes, é quase como um vírus”, diz Couto dos Santos -, com todas as vantagens e desvantagens que isso acarreta.
“É muito menos previsível do que Rui Rio, não se sabe com o que contar e com Marcelo pode sempre haver surpresas”, define o deputado madeirense Hugo Velosa, que aponta o comentador como uma figura “muito mais empática com as pessoas” do que Rio. Rio ganha menos pela empatia e mais pela “mensagem de rigor e obra feita que transmite”.
Pensando em Marcelo, todos se lembram da mítica frase que disse em 1996, de que não seria candidato à liderança do PSD “nem que Cristo descesse à terra” – e foi. E esse é um episódio que ilustra bem a sua personalidade, dizem. “É um estratega político – o que é diferente de calculista político -, que arrisca com base nas emoções e nos sentimentos, e que tem uma ligação muito estreita com as bases”, acrescenta Couto dos Santos. Prefere o diálogo à decisão individual e, se for preciso, senta-se a discutir um problema antes de tomar a decisão sozinho. Rio é mais isolado.
A “inteligência brilhante” de Marcelo é, de resto, outro ponto que não escapa a ninguém. “A experiência e a mundividência que outros não têm colocam-no num patamar superior”, diz um dirigente social-democrata. Conhece gente em toda a parte e percebe de todos os setores. Duarte Marques, deputado da bancada social-democrata e ex-líder da JSD, arrisca que uma das vantagens dessa multidisciplinariedade é o seu carácter de conciliador: “É capaz de fazer pontes onde a direita não está habituada e aproxima-se mais daquilo que a própria esquerda quer num Presidente”, diz, destacando a sua preocupação com a cultura, lusofonia, à parte da economia e aspetos financeiros.
Rui Rio. Tem 57 anos, nasceu no Porto e licenciou-se em Economia. Começou por trabalhar no setor têxtil, depois no Banco Comercial Português e depois foi diretor financeiro da fábrica de tintas CIN. Entrou para a política pela mão da Juventude Social Democrata, onde foi vice-presidente da Comissão Política Nacional, entre 1982 e 1984. Feita a escola, chegou a secretário-geral do partido doze anos depois, em 1996, quando era Marcelo Rebelo de Sousa o presidente. Visto por muitos como “relativamente isolado” no partido e o “orgulhosamente só”, nunca chegou à liderança do PSD, apesar de ter sido por duas vezes vice-presidente. Primeiro com Durão Barroso e depois Pedro Santana Lopes, e, noutra fase, entre 2008 e 2010 quando era Ferreira Leite a presidente.
Entretanto esteve uma década sentado na bancada social-democrata no Parlamento, entre 1991 e 2001, eleito pelo círculo eleitoral do Porto. Foi vice-presidente do grupo parlamentar e o porta-voz para as questões económicas. Mas acabou por sair de São Bento diretamente para a presidência da Câmara do Porto, onde esteve durante três mandatos até 2013.
Numa coisa todos concordam, Rio é um político gestor. Vê tudo numa “lógica do deve e do haver”, com muito “pragmatismo”, olhando para os problemas na perspetiva de um gestor e tendo uma visão estratégica de curto e médio prazo. Procura resultados mais imediatos, dizem.
Se pudesse quantificar a habilidade política de Rio e de Marcelo, o deputado Couto dos Santos arriscaria mesmo uma proporção: numa escala de zero a 100, “Marcelo teria 80, Rio 50”.
Marcelo. Histórico social-democrata, está no PSD desde a sua fundação no pós-25 de abril. Nascido em Lisboa, tem 66 anos e subiu à liderança do PSD entre 1996 e 1999, depois do cavaquismo e antes de Durão Barroso. Foi ministro dos Assuntos Parlamentares e é ainda hoje conselheiro de Estado, mas foram as suas qualidades de professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e de comentador político que o transportaram para a ribalta na opinião pública.
Se Rio é o político gestor, Marcelo é o político estratega. Ou o estratega político. “Tem uma visão de médio e longo prazo para tudo”, diz Couto dos Santos, e não se baseia apenas nas soluções imediatas para os problemas. Por outro lado, a sua vivência na política e no ativismo político desde a mais tenra idade faz dele um político “mais adaptado ao sistema”, enquanto Rio tende a ser “mais disponível para ir contra o sistema político enraizado”, acrescenta outra fonte da bancada social-democrata.
“Os genes políticos [de Marcelo Rebelo de Sousa] são de tal maneira ativos que se tornam quase num vírus”, diz Couto dos Santos a respeito da vida política do professor de Direito. O que pode não ser bom, por infectar muitas vexes o seu desempenho dos cargos políticos, diz, lembrando a saída abrupta de Marcelo da liderança do PSD ao fim de três anos depois de entrar em rota de colisão com Paulo Portas. “A sua convicção às vezes leva-o a conflitos com ele próprio, por oscilar entre a vertente de comentador astuto com a de detentor de cargos políticos”, acrescenta.
Em termos de percurso político, no entanto, a maior diferença entre os dois é, segundo dizem, uma só: Marcelo é mais popular juntos dos eleitores pela “simpatia” e “genética política”, que suscita emoções. Enquanto Rio é mais conhecido pela “imagem de rigor” que tende a suscitar maior grau de credibilidade. Por essa razão, o deputado Duarte Marques arrisca uma pista: Rio pode ser “uma surpresa” para os portugueses, porque não o conhecem tão bem, e Marcelo pode ser “uma desilusão”, porque o conhecem bem demais. Esses são os riscos, aponta.
Rui Rio. A Câmara Municipal do Porto, especificamente a conquista surpreendente do primeiro mandato, a batalha com Pinto da Costa e o Futebol Clube do Porto, que deixou de poder festejar os títulos nos Paços do Concelho e o rigor das “contas à moda do Porto”. São estas as maiores glórias de Rio, dizem os dirigentes e deputados com quem o Observador falou.
A “coragem” para levar as suas convicções até ao fim e para dizer sempre o que pensa, dizem, fez com que o seu mandato de 12 anos no Porto ficasse para a história como o mandato do “rigor” e da separação entre política e futebol. “A posição que tomou perante o FC Porto fez com que se desmontasse a ideia de que o futebol e a política têm de estar interligados – não tem de haver essa promiscuidade entre os dois”, diz o deputado Hugo Velosa, que se interessa particularmente por ambos. Para outro deputado, no entanto, o statement que Rio deixou ao cortar relações com o futebol no Porto foi mais um “número para marcar a diferença”, e não tanto uma “convicção genuína”.
A gestão autárquica é, de resto, o denominador comum de todas as opiniões sobre Rui Rio. É o seu marco na história.
Marcelo. Independentemente de tudo, ficará para a história como ‘o professor’, que dá as notas aos políticos e que troca a política por miúdos. “É o comunicador político por excelência e essa será sempre a sua grande marca”, diz uma fonte da bancada. “A forma como conquista as pessoas e como conseguiu criar empatia com os portugueses é um grande mérito dele”, diz outra.
O mandato de três anos à frente do PSD também não é esquecido e é apontado por alguns como uma grande conquista e guerra vencida. Sem um status de credibilidade unânime para aquelas funções, Couto dos Santos lembra-se de como Marcelo “soube agarrar o partido numa altura crítica” (na oposição a Guterres e, internamente, na transição do cavaquismo) e “soube dar-lhe uma dinâmica própria”. Apesar de ter saído três anos depois, fragilizado pela aliança que tentou fazer com Paulo Portas (já então no CDS), todos recordam a “frontalidade de Marcelo com Portas” e a “capacidade de dizer que não”. “Não é só nos ganhos que se tiram louros e que se faz história”, diz Couto dos Santos.
Foi durante esses três anos que Marcelo, estando no partido da oposição, levou a cabo, com o primeiro-ministro de então António Guterres, uma revisão constitucional, e foi também o líder Marcelo que, em 1998, foi buscar o referendo eleitoral à Constituição (já lá estava desde sempre, mas nunca tinha sido utilizado), para travar a lei da despenalização do aborto, depois de já ter sido aprovada no Parlamento. Nesse mesmo ano realizou-se outro referendo, à regionalização.
Rui Rio. Entre amigos e apoiantes para uma candidatura a Belém, os nomes que surgem imediatamente são o ex-ministro Nuno Morais Sarmento e Pacheco Pereira. O próprio Marco António Costa, primeiro vice-presidente do PSD, e até Passos Coelho, são tidos como apoiantes de Rio, no sentido em que, se estiver a correr para Belém não estará a pensar na presidência do partido.
Marcelo. Luís Marques Mendes e Leonor Beleza, por outro lado são os nomes que surgem na primeira fila de apoio a Marcelo Rebelo de Sousa e que preferem ver Rio no partido como eventual sucessor a Passos Coelho.
Rio é o candidato de Passos para Belém e não Marcelo. Mas também se diz que é Rio porque Passos não o quer ver a desafiar a sua liderança no partido em caso de derrota eleitoral nas legislativas. “Os dois dão-se bem com Passos”, diz uma fonte da bancada social-democrata, mas são conhecidas as resistências do atual primeiro-ministro a uma candidatura de Marcelo à Presidência.
Em janeiro do ano passado, na moção que levou ao 35.º congresso do partido, Passos lançou um perfil daquele que seria o candidato apoiado pelo PSD e deu a entender que Marcelo não, Rio talvez. Dizia Passos que o futuro Presidente não podia ser um “catavento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político” e que não “devia buscar a popularidade fácil”. Todos entenderam que era a Marcelo que se referia.
Pelo contrário, em abril deste ano, durante a assinatura do acordo de coligação com Paulo Portas, houve um pormenor que não passou indiferente a ninguém: o acrescento da palavra “preferencialmente” à alínea que dizia que a coligação iria apoiar um candidato presidencial “preferencialmente depois das legislativas”. Todos entenderam que era uma porta aberta para Rio, o único que não tinha posto o timing do pós-legislativas como requisito para o seu eventual anúncio de candidatura.
De então para cá, Rio já veio dizer que está a ponderar uma candidatura e pode haver novidades em setembro. Marcelo, por seu lado, empurrou uma decisão para novembro.