886kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

Getty Images

Getty Images

Não à mesada, sim à semanada!

A partir de que idade se pode dar dinheiro às crianças? Qual a quantia e onde devem gastá-la? O Observador falou com dois especialistas e preparou um guia sobre o mealheiro do seu filho.

Não à mesada, sim à semanada. Tanto a coach parental Cristina Valente como o pediatra Mário Cordeiro concordam nesse ponto. A quantia monetária – que deve ter em conta a capacidade financeira da família e a idade da criança – é mais fácil de gerir num curto espaço do tempo, pelo que os pequenos aprendem com maior rapidez os conceitos de “gestão”, “poupança” e “consumo”.

Numa altura em que o Parlamento debate o Orçamento do Estado, o Observador preparou um guia para pais sobre o orçamento dos filhos — porque é fundamental perceber a partir de que idade se pode dar dinheiro, qual a quantia indicada e onde devem os mais novos gastar a semanada.

Ambos os entrevistados defendem que a criança deve ter a oportunidade de errar, ao gastar mal o dinheiro, e que deve existir um ligeiro controlo da parte do pai ou da mãe. Acima de tudo, a semanada não deve incluir tarefas que, à partida, já fazem parte da rotina diária das crianças — como arrumar o quarto — ou servir de pretexto para quebrar regras instituídas no seio familiar.

O importante é, tanto filho como pai, honrarem os compromissos. Diz Mário Cordeiro que a semanada não é uma brincadeira e que os progenitores são convidados a encarar o assunto com seriedade, como se de um contrato de trabalho se tratasse. E não esquecer: “Tão importante como ensinar a administrar o dinheiro e os bens, é transmitir noções de solidariedade e de partilha. É bom que a semanada (ou parte dela) sirva para coisas que a criança ou o jovem vá oferecer (…) São práticas que ajudam a formar o caráter”, esclarece Mário Cordeiro.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

filhos-mesada1_770x433_acf_cropped

Andreia Reisinho Costa

Quando é que se começa a dar dinheiro aos filhos?
Para Cristina Valente, entre os seis e os dez anos de idade não se deve dar qualquer tipo de quantia monetária. A coach parental considera que é a partir dos dez — e mediante a capacidade financeira da família — que a criança pode receber dinheiro e ficar responsável por ele.

Mário Cordeiro, por seu turno, argumenta que a partir dos seis anos a criança começa a entender melhor a grandeza dos números e torna-se uma consumidora ativa, pelo que o ideal é começar a entrar em contacto com o mundo financeiro. É também nesta fase que se estabelece uma “melhor relação entre trabalho e esforço, por um lado, e recompensa, pelo outro”, explica.

Semanada ou mesada?
Semanada, sempre, e para todas as idades. A periodicidade em causa permite uma melhor e mais fácil gestão da verba e permite ao adolescente controlar o dinheiro com maior facilidade dado o curto espaço de tempo, alega Cristina Valente. “Caso faça um gasto exagerado, só terá de aguardar sete dias, no máximo, para voltar a ter liquidez”.

O pediatra é da mesma opinião, explicando que a mesada poderá dar à criança uma sensação de ter muito dinheiro e poder gastá-lo mais rapidamente. “Creio que um dos objetivos de receber este dinheiro, que passa por obter os desejos de uma forma calculada e controlada, terá maior êxito com uma semanada”.

“Os pais nunca podem estar dependentes das circunstâncias das outras famílias para decidirem que educação dar aos filhos. O que é comum e popular nem sempre é o melhor.”
Cristina Valente

Quanto dinheiro de semanada?
O pediatra defende que a quantia deve ser “muito pequena”, de forma a evitar que as crianças fiquem demasiado entusiasmadas e porque o valor do dinheiro pode ainda não ser totalmente entendido. Seguindo a mesma lógica, não é conveniente que esta seja reduzida em excesso, correndo o risco de humilhar a criança — a quantia depende dos pais, das famílias, dos hábitos e das tradições. Mário Cordeiro dá o exemplo: “Sugiro 2 euros para o 1º ano, 2,60 no segundo, 3 no terceiro, 4,50 no quinto e por aí fora. A partir de certa idade (9º ou 10º), os gastos começam a ser diferentes porque a autonomia da criança/adolescente já obriga a outro tipo de consumo”.

O essencial é que, independentemente do valor, a semanada não crie a falsa ilusão de que se vive acima de um nível que é o da família. Ou seja, se a família estiver a passar por dificuldades, a semanada deverá ser mais contida. Caso contrário, se gozar de uma certa folga financeira, a quantia poderá ser um pouco mais elevada. E o que as outras crianças ganham não serve de argumento para ajustes financeiros desapropriados.

Pode-se aumentar a semanada com o passar do tempo. O pediatra explica que considera ser saudável que esta obedeça às regras do mercado e que haja aumentos substanciais tendo em conta as fases de transição na vida de uma criança.

Cristina Valente traz outras realidades à equação: “Os pais nunca podem estar dependentes das circunstâncias das outras famílias para decidirem que educação dar aos filhos. O que é comum e popular nem sempre é o melhor”. E quando o assunto resvala para os irmãos? “Os mais velhos, tendo mais responsabilidades e competências, deverão receber mais do que os mais novos”.

“Conheço famílias sem recursos que promovem a educação financeira nos seus filhos e famílias de classe média alta que falham nessa tarefa O segredo está na forma como os pais ensinam (ou não) a lidar com o dinheiro e não propriamente com a existência abundante dele.”
Cristina Valente

Qual é o objetivo da semanada?
A semanada não é um orçamento para as necessidades básicas, nas quais se incluem transportes, alimentos, livros ou roupas. Mário Cordeiro defende que o “dinheiro extra” tem um propósito claro — permite ensinar à criança a gastar, poupar e, sobretudo, a gerir o dinheiro. Em última análise, o desafio vai desenvolver a autoestima dos mais pequenos, uma vez que os “obriga” a tomar decisões pela própria cabeça.

“Conheço famílias sem recursos que promovem a educação financeira nos seus filhos e famílias de classe média alta que falham nessa tarefa. O segredo está na forma como os pais ensinam (ou não) a lidar com o dinheiro e não propriamente com a existência abundante dele”, diz Cristina Valente.

Deve-se trocar a semanada pelas obrigações das crianças (tirar boas notas, arrumar o quarto, ajudar em casa…)?
O dinheiro nunca deve ser dado em troca de tarefas rotineiras, diz Cristina Valente. “Até porque quando chegam à adolescência, a maior parte dos filhos não vai querer fazer a cama nem arrumar o quarto por nenhum dinheiro do mundo”, acrescenta. A exceção inclui tarefas muito específicas e cuja periodicidade não esteja definida, como a ideia de lavar o carro dos pais. Nesse caso, trata-se de uma recompensa pelo esforço extra. “Ser arrumado e limpo tem que ser uma recompensa interna e nunca tendo em conta a entrega de um valor”.

Mário Cordeiro segue uma linha de pensamento semelhante e diz que ações como fazer a cama e levantar a mesa não devem ser consideradas como “ajudas aos pais”, visto que as crianças estão, ao fazer as respetivas tarefas, a colaborar na gestão do bem comum que é a casa. Acrescenta ainda que a semanada dos pais não deve estar dependente de outras formas de rendimento da criança, como o dinheiro que os avós lhe dão ou as recompensas por alguns trabalhos efetuados.

Em que devem os filhos gastar o dinheiro?
Mais do que definir em que bens eles devem gastar o dinheiro, o importante é dar-lhes oportunidade para errarem, visto que só assim podem realmente aprender a lidar com o dinheiro. “Devemos aconselhar em primeiro lugar e, depois, dar liberdade à criança para que ela gaste onde quiser. Só assim aprenderá a diferença entre ‘necessidade’ e ‘desejo’, dois conceitos fundamentais na educação financeira”, diz Cristina Valente.

A que tipo de regras deve estar a semanada associada?
Para o pediatra, a criança deve ter a liberdade de gastar logo o dinheiro ou de juntá-lo, isto desde que a semanada não represente uma maneira de quebrar as regras já instituídas no seio familiar. Tais acertos precisam de ser definidos desde o primeiro instante como se de um contrato se tratasse, sendo que avós, tios e primos não deverão imiscuir-se ou estimular a criança (ou o jovem) a ir contra o que foi estabelecido. Ainda assim, é conveniente ter um certo controlo sobre as coisas, sobretudo no que se refere às crianças mais novas.

“É bom ensiná-las a variar o objeto dos seus desejos e orientá-las tanto quanto possível para bens culturais e perenes, por oposição a bens estritamente de consumo e efémeros. Estimular a compra de um livro é um ato de pedagogia e não é a mesma coisa que comprar um chocolate”, conclui Mário Cordeiro.

"Tão importante como ensinar a administrar o dinheiro e os bens, é transmitir noções de solidariedade e de partilha. É bom que a semanada (ou parte dela) sirva para coisas que a criança ou o jovem vá oferecer (...) São práticas que ajudam a formar o caráter."
Mário Cordeiro

Quando é que o termo “poupar” começa a ser relevante?
A coach parental considera que o verbo “poupar” deve ser introduzido no léxico da criança no 1º ciclo, isto é, entre os seis e os dez anos de idade. Já o pediatra atesta um claro “desde sempre”. E dá um exemplo: se a criança sai do quarto e não apaga a luz, os pais devem insistir que ela o faça; se são os pais a apagar a luz a criança não vai interiorizar a necessidade de poupar/não desperdiçar. Outra coisa que deve ser combatida é a promoção da aquisição de bens desnecessários só porque outras crianças também os têm — “Ter uma coisa só por moda é um atentado à liberdade individual e à autonomia”.

Quais as lições mais importantes sobre gestão financeira?
Não é o dinheiro que define a nossa essência, a nossa identidade, diz Cristina Valente, e mais importante do que ter muito é saber como criá-lo. A isso Mário Cordeiro acrescenta que as crianças são consumidoras direta ou indiretamente, “através dos produtos que os pais compram para elas e que chegam a ser mais de um terço do total do orçamento familiar”. Além disso, os mais novos precisam de se familiarizar com os termos “gerir, gastar e poupar” e conhecer as diferenças entre ser “pobre” e “frugal”.

“É bom que os pais, quando vão na rua com o filho e ele pede qualquer coisa, digam: ‘Compra com a tua semanada’. Muitas vezes essa ânsia desaparece e a criança desiste porque aparece o obstáculo de ter de gastar [o dinheiro]”. E caso haja empréstimos à mistura, o pediatra defende que os progenitores devem estimular que as contas se façam assim que possível.

“Tão importante como ensinar a administrar o dinheiro e os bens, é transmitir noções de solidariedade e de partilha. É bom que a semanada (ou parte dela) sirva para coisas que a criança ou o jovem vá oferecer (…) São práticas que ajudam a formar o caráter”, diz ainda Mário Cordeiro.

"É muito importante que pais e filhos se vejam com respeito nesta 'mesa de negociações' que é a semanada. (...) Por isso é que é grave, embora não pareça, os pais esquecerem-se de dar a semanada e minimizarem o facto como se se tratasse de uma brincadeira. Não é. É uma coisa muito séria, mesmo que realizada tranquila e cordialmente."
Mário Cordeiro

E se o filho (ou a filha) gastar o dinheiro antes do tempo?
A opinião é, neste ponto, unânime. Diz Cristina Valente que o pai não vai precisar de criticá-la uma vez que a criança vai aprender sozinha que o dinheiro é um bem finito. Consequentemente vai ter de esperar até juntar a quantia necessária para poder voltar a comprar o que deseja. Mário Cordeiro sublinha o termo “desperdício”: “É bom fazer ver que há uma correspondência entre o que se compra e o que se produz e se tem”.

Como pode um pai dar dinheiro e, ao mesmo tempo, evitar que o filho se transforme numa pessoa consumista?
“Não é fácil, mas é simples”, diz Cristina Valente. O pai deve ser, ele próprio, uma pessoa pouco consumista. “Apesar de todas as influências dos pares, a dos pais continua a ser predominante. Uma atitude firme e sem culpas ou remorsos é essencial”. Mário Cordeiro acresce que é fundamental “mostrar que as pessoas valem sobretudo pelo que são e não pelo que têm”.

Os pais devem valorizar a boa gestão do dinheiro?
“Todas as crianças e jovens deveriam ter acesso a um plano de educação financeira para que, em adultos, sejam capazes de gerir bem o seu próprio dinheiro. A literacia financeira é uma competência de que todos precisam para serem membros ativos e responsáveis na sociedade”, conclui a Valente.

“É muito importante que pais e filhos se vejam com respeito nesta ‘mesa de negociações’ que é a semanada. (…) Por isso é que é grave, embora não pareça, os pais esquecerem-se de dar a semanada e minimizarem o facto como se se tratasse de uma brincadeira. Não é. É uma coisa muito séria, mesmo que realizada tranquila e cordialmente”, assegura o pediatra.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.