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Fundação Calouste Gulbenkian tem programa de voluntariado internacional sénior
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Fundação Calouste Gulbenkian tem programa de voluntariado internacional sénior

Fundação Calouste Gulbenkian tem programa de voluntariado internacional sénior

Planos para depois da reforma? Ser voluntário em África

Têm mais de 55 anos, estão reformados, mas têm demasiada vida e habilitações para pararem. Histórias de quem aproveita a velhice para fazer voluntariado em África.

Baixou os braços. As políticas da Educação não o entusiasmavam e a lei permitia-lhe que avançasse para a reforma. Foi penalizado, mas não se importou. António Pereira tinha então 57 anos, grande parte passados à frente de uma classe ora de alunos, ora de professores, como professor e como formador. Nos primeiros meses nem sentiu a pausa. Era período de férias. O pior foi depois, o frio e a chuva do inverno e os dias vazios de rotina. Tudo mudou no dia em que descobriu um programa de voluntariado internacional para maiores de 55 anos. E, menos de um ano depois, estava no aeroporto de mochila às costas pronto para uma missão em São Tomé.

Foram os próprios colegas que lhe enviaram por e-mail as informações sobre o programa “Mais Valia” da Fundação Calouste Gulbenkian, ainda em 2013. António Pereira era um homem cheio de energia e ficar parado na reforma podia trazer-lhe efeitos devastadores. O projeto da Gulbenkian visa contrariar isso mesmo, ao pretender ter uma bolsa de voluntários qualificados com mais de 55 anos para projetos nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Ele foi dos primeiros candidatos. Seguiu-se a entrevista, a seleção e uma formação de três dias a prepará-lo para o que podia vivenciar no terreno.

"Calhou-me a zona do sul, nas aldeias de Porto Alegre e Malanza", uma zona pobre", diz ao Observador. 
António Pereira

António foi integrado no projeto de uma Organização Não Governamental (ONG), a Leigos para o Desenvolvimento, e tinha como missão formar professores de vários níveis de ensino de Língua Portuguesa. Deu também formação em francês para turismo – uma formação aberta à população e que foi aproveitada, sobretudo, por alunos que já trabalhavam em resorts ou hotéis da zona.

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Era a primeira vez que aquela ONG recebia alguém com aquela idade. O mais velho no terreno tinha, na altura, 35 anos, e a mais nova 22. António tinha sido preparado para isso. Para o facto de o voluntariado internacional ser feito maioritariamente pelos mais novos e dificilmente encontrar alguém da sua idade. Mais. Avisaram-no das “condições modestas” que iria ter à disposição, como a falta de eletricidade. Mas ele não recuou. “Ia preparado para o pior. Como na minha infância vivi os primeiros onze anos a candeeiro a petróleo, isso ajudou”, conta. Por outro lado, a experiência do ensino noturno em Portugal, durante a qual contactou com alunos são tomenses, permitiu-lhe conhecer o seu destino através das palavras. Muitas vezes estes alunos escreviam redações sobre as suas origens.

O professor chegou a África lesionado. Dias antes, uma queda tinha-lhe causado graves ferimentos num dedo e o tratamento de choque não tinha sido suficiente para chegar a São Tomé completamente curado e evitar uma infeção pior. Safou-se. As noites, por seu lado, foram complicadas. O “clima era pesado”, altura das chuvas. E a vida começava cedo em Malanza. O barulho da azáfama e do movimento da aldeia roubavam-lhe o sono. Sobreviveu, embora com menos alguns quilos de peso. Agora, agradece os quilos que lá deixou.

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“Tomava banho às escuras”

Não pode fazer nada para contrariar as rugas que lhe dobram em leque a pele do corpo, mas pode fazer de tudo para que a sua cabeça não pare. E faz. Aos 66 anos, Graciela Pinheiro precisa de uma agenda para gerir os compromissos e segue os passos da mãe, que aos 91 anos não passa um dia sem pôr o pé na rua.

"Deve ser hereditária, esta vontade de estar sempre a mexer".
Graciela Pinheiro

Chegou de África há cinco meses. Soube do programa de voluntariado pela televisão e pela boca da própria diretora de departamento, Maria Hermínia Cabral. Foi a filha quem a avisou quando viu que aquele projeto era o que a mãe procurava. Professora e com um curso em Administração Escolar, Graciela  foi dar formação no Príncipe a professores do ensino básico e do secundário. Aos sábados, dava formação sobre gestão de conflitos e indisciplina na escola.

Neste caso, a Gulbenkian trabalhou num projeto do grupo sul africano HBD, que “tem um conjunto de colaboradores jovens com uma dinâmica extraordinária”, explica Graciela. Ao contrário de António, não se deparou com tantas limitações no alojamento. Aliás, a casa colonial que lhe estava reservada atraía tantos olhares que uma vez uma criança perguntou-lhe se podia visitá-la. Queria saber “como era a casa de um branco”. “As crianças negras ficavam felizes por terem uma amiga branca”, recorda. A única restrição prendia-se com as horas em que podia ter eletricidade, fornecida por um gerador a gasóleo. É que nem sempre o mar permitia que os barcos abastecessem aquele local. “Tomava banho às escuras e de cócoras, para aproveitar a água”. E havia horas em que a luz era cortada para poupar o gerador.

“Há uma rede de escolas muito organizada e completa que cobre toda a ilha. Mas os professores não são professores e os educadores também não. O magistério é feito em São Tomé e poucos têm condições económicas para o fazer. O ensino deixa muito a desejar”, reconhece Graciela.

Graciela recorda como o seu nome já era conhecido entre a comunidade. E acredita que um dia voltará ali, nem que seja de férias. Ainda hoje, algumas pessoas lhe pedem ajuda sobre a administração escolar. Isso intensificou-se a dias de regressar. “Apareciam dúvidas de como fazer um regulamento interno, um processo eleitoral ou uma avaliação. Tinham uma ânsia para aprender.” E todos os dias, assume, a sua cabeça viaja até ao Príncipe.

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Aos 61 anos Isabel Saavedra, que em breve vai ser avó, não está reformada nem pensa nisso. “Com a minha profissão posso trabalhar até aos 90 anos”, diz. Vive em Guimarães, é arquiteta e esteve em missão na ilha do Maio, em Cabo Verde, numa parceria com a autarquia local. “É das ilhas mais pequeninas. Não é muito conhecida, porque não é turística”. Por continuar no ativo, a única condição que impôs foi a de estar fora apenas um mês, para não prejudicar o seu trabalho. Resultado: esteve tão bem instalada que na missão não cumpriu um dos seus objetivos, o de pôr-se à prova.

“Cabo Verde tem um ambiente muito próprio. O trabalho não estava completamente definido quando cheguei. Conversei com os dois arquitetos que lá estavam e arranquei com um estudo urbanístico de zonas que estão a precisar de planos de intervenção e de planos urbanísticos, para disciplinar o território. Lá deve ser diferente de outros sítios. Todas as casas têm água e o presidente da câmara conseguiu implementar uma casa-de-banho em todas as casas”, reconhece Isabel.

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Uma lição de vida depois dos 55 anos

Mesmo depois dos 55 anos, António, Graciela e Isabel aprenderam uma lição em comum: que tinham muito mais do que aquilo que precisavam para viver. António nunca foi “muito consumista”, mas a cada vez que compra questiona-se se precisa, de facto, do produto. E até importou para a sua casa, em Azeitão, uma técnica usada em São Tomé, onde se lava a louça com rede de pesca e sabão azul e branco.

“Como tenho uma horta biológica, comecei a usar um gel que faço de sabão azul e branco que é o que uso para matar, por exemplo, o pulgão nas favas no feijão verde e nos tomates. A água do lavatório vai para lá”, diz António, que aprendeu esta lição também na reforma, depois de partilhar alguns saberes com um grupo que também faz agricultura biológica.

Hoje, com 59 anos, António mantém a horta que começou a cultivar antes da reforma e alimenta vários blogues. Entre eles, há um de receitas — porque outra das suas ocupações na reforma passa por fazer compotas de produtos biológicos — outro sobre o acordo ortográfico e um terceiro dedicado à Língua Portuguesa. A mulher, que também trabalhava na área do ensino, e que acabou a seguir-lhe os passos da reforma, faz voluntariado numa loja solidária de roupa. Não têm filhos.

Graciela tinha 55 anos quando se reformou para ajudar o cunhado a quem fora diagnosticada uma doença grave. “Foram cinco anos dedicados à família”. Depois disso, o mundo. Além de ajudar os colegas por e-mail ou por telefone, fez um curso de artes decorativas e outro de Pintura. Até já expôs algumas das suas obras. Ainda assim, e apesar de uma agenda preenchida, sentia necessidade de partir do País. Uma oportunidade que, antes de ser mãe, o ex-marido nunca permitiu.

“É uma outra forma de envelhecer, tenho colegas que se aposentaram e que parecem uns velhinhos”, diz Graciela.

Isabel Saavedra, cuja ocupação é ainda a sua vida profissional, espera vir a ser chamada para outra missão. “Acho que estive num sítio muito peculiar onde não há problemas de sobrevivência”, constata. Isabel preferia ter enfrentado esses problemas.

Aproveitar o conhecimento dos mais velhos

Maria Elisa Santos, coordenadora do projeto, explica ao Observador que este é um “voluntariado muito técnico” e que é feito por períodos curtos de dois meses e destinados a voluntários com mais de 55 anos. “A ideia surge nessa perspetiva, há uma quantidade de competências que não estão a ser utilizadas. Estamos a assistir um envelhecimento da população e já não estamos na fase da revolução industrial. O capital hoje é o conhecimento.”

Daqui a dificuldade de encontrar parceiros. É que, explica Maria Elisa Santos, acolher um voluntário tem custos e as ONG estão habituadas a trabalhar com pessoas mais jovens, até porque a sua adaptação também é diferente. “Não é fácil pedir a um voluntário de 60 anos que partilhe um quarto ou que suba uma picada. Um voluntário mais jovem vê isto como uma aventura, um mais velho poderá ver como uma experiência que já viveu e que não quer repetir”. Por outro lado, “é uma novidade para as ONG ter um certo tipo de competências”.

O projeto foi lançado em 2012 e as candidaturas em 2013, ano em que António concorreu. Foi um dos 50 selecionados para a bolsa de voluntários, num universo de 360 pessoas que se candidataram ao longo de quatro meses. No ano seguinte as candidaturas estiveram abertas apenas um mês. 140 candidatos com mais de 55 anos para uma seleção de apenas 15. “Nesta segunda fase procurámos candidatos com qualificações nas áreas das engenharias, agronomias, saéde e da educação”. A oferta depende do que as ONG procuram para os seus projetos.

A coordenadora do projeto “Mais Valia”, da Gulbenkian, fala numa mudança de mentalidades que terá que se fazer.

O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Roberto Falanga, tem trabalhado sempre “na construção e implementação de políticas públicas” e agora no Projecto Europeu “MOPACT – Mobilising the Potential of Active Ageing in Europe“, que tem como missão encontrar formas de integrar os seniores na Europa.

“Acho que todos nós, enquanto cidadãos, pretendemos ter o direito de não sermos prejudicados no exercício dos nossos direitos por alguma característica que nos distingue, seja ela a idade, o orientação sexual, a cor da pele. Por isso acredito que os seniores, enquanto cidadãos, deveriam ter o direito de exercer os seus direitos em pleno cumprimento daquilo que chamamos de democracia”, diz Roberto Falanga ao Observador.

Para tal, diz ser necessário aceitar que a “realidade social” está a mudar. “O que muda não é só o nosso dia-a-dia, mas a própria construção de um futuro e um sistema socioeconómico sustentável. Do mercado de trabalho, passando pela segurança social, até aos sistemas das reformas” defende.

A área de estudos sobre envelhecimento tem produzido uma complexa variedade de teorias e conceitos nas últimas décadas. Um deles é o do envelhecimento ativo. E o que significa? Significa que os “séniores são vistos como protagonistas ativos da vida social”.  Assim, o envelhecimento ativo é definido como “o processo de optimização das oportunidades a fim de aumentar a qualidade de vida, principalmente no âmbito da saúde, da segurança e da participação”. António, Graciela e Isabel procuram isso mesmo.

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