O jornalista belga Marc Roche, autor de “Como o Goldman Sachs dirige o mundo”, apresentou esta segunda-feira, em Portugal, o seu novo livro: “Banksters: Uma viagem ao submundo dos banqueiros”. A edição portuguesa tem um prólogo que constata que muitos dos problemas que descreve no livro – problemas que continuam a afetar o sistema financeiro sete anos depois do crise norte-americana – estiveram em evidência no colapso do Banco Espírito Santo, em Portugal. Um banco que lhe foi apresentado, poucos meses antes da falência, por um executivo que lhe deixou uma excelente impressão sobre o banco. “Fui levado, mas não fui o único, obviamente”, reconhece o experiente jornalista do Le Monde.

A edição portuguesa do seu último livro contém um prólogo que fala da situação vivida por Portugal, recentemente, com o colapso do Banco Espírito Santo. Como viu o desmoronar deste banco, à distância?

Conheci, a certa altura, um cavalheiro na Câmara de Comércio Franco-Britânica que me falou no Banco Espírito Santo, uma instituição da qual nunca tinha ouvido falar. Achei que era um nome curioso, o Espírito Santo. Fiquei muito bem impressionado com a descrição que fez da família, da moral com que geriam os negócios e do seu forte sentido de empreendedorismo. Parecia ser um excelente exemplo de como um negócio, neste caso um banco, pode ter uma gestão familiar apesar de estar cotado em bolsa. Passado poucos meses, o banco colapsou, portanto fiquei a saber que tinha sido levado. Não fui o único, obviamente.

Havia uma componente de ilusionismo, como descreve no seu livro?

Sem dúvida. E existiu o mesmo tipo de ilusionismo no colapso do Lehman Brothers, por exemplo. Conhecia bem aquelas pessoas e a forma como apresentavam o banco e as suas atividades tinha muito pouco a ver com o que se passava na realidade.

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Um dos problemas no caso do BES seria, eventualmente, que o banco mas também o grupo eram geridos pelas mesmas pessoas.

Em retrospetiva, verifico que todos os elementos que descrevo no meu livro estavam presentes neste caso. A falta de controlo e supervisão, auditores que o eram há muito tempo e que não se atreviam a questionar fosse o que fosse, o recurso aos paraísos fiscais – e logo o pior de todos, o Panamá –, ligações com o mundo da política e, finalmente, este sentimento que muitos banqueiros têm que é o sentimento de impunidade, de que nada lhes acontecerá se quebrarem as regras. E foi, também, um exemplo de como os supervisores – e, neste caso, o Banco de Portugal – não fizeram corretamente o seu trabalho.

Fala, também, muito da engenharia fiscal que é ensinada nas escolas e praticada nas empresas e nos bancos. De que forma isso pode ser um problema?

Os bancos não devem ajudar as pessoas a fugir aos impostos. Não deve ser essa a sua função. Veja-se o caso recente do HSBC, por exemplo. Temos de restabelecer uma moral na banca e um código de ética entre os ricos. A classe média não pode recorrer a estas estruturas complicadas, a estas engenharias. Mas nem vão para a cadeia os ricos nem vão para a cadeia os banqueiros que os ajudaram a fugir aos impostos. A primeira coisa a fazer é tornar os banqueiros pessoalmente responsáveis, tanto criminal como financeiramente. Assim, acabam por ser as pessoas a pagar, com austeridade nas contas públicas.

marc roche, jornalista, financial times,

“Os bancos não devem ajudar as pessoas a fugir aos impostos. Não deve ser essa a sua função”, diz Marc Roche.

Há bons exemplos a seguir nesta matéria?

Na Escandinávia toda a gente paga impostos, não há austeridade e a economia está bem. E nos anos 90 tiveram escândalos parecidos. Os gregos querem fazer isto mesmo, percebem que para que haja uma sociedade justa e próspera é preciso um sistema fiscal eficiente e equilibrado. Eu lembro-me quando era jovem, na Bélgica, não tínhamos tantas pessoas tão ricas e pessoas tão pobres, hoje há uma desigualdade muito maior. É por isso que há esta tendência para protestar, votando na Frente Nacional, na Esquerda Nacionalista. Cada vez menos gente vota nos partidos moderados, porque passaram a acreditar que são parte do problema e não da solução.

Acredita que a União Bancária e o facto de a supervisão bancária passar a ser feita de forma centralizada vai evitar problemas futuros, como o colapso do BES?

Estamos melhor do que estávamos. Vai ajudar a garantir que os banqueiros são mais cuidadosos. Mas não altera, fundamentalmente, o facto de que o mundo da finança continua a ser algo tóxico. Por causa da impunidade, a ganância, tudo isso continua a existir. Escrevi este livro e fiquei surpreendido por ver que muitos banqueiros concordam comigo. Recebo muitos e-mails de banqueiros que dizem: “não me revejo no livro mas julgo que é muito importante que, todos nós, ganhemos algum juízo”. Tenho leitores que dizem que têm vergonha de trabalhar na banca, que têm vergonha disso perante os seus filhos.

Esses são os chamados custos indiretos destes escândalos, que se distinguem das perdas quantificáveis. São custos que têm a ver com a perda de confiança da sociedade em relação a uma atividade que deveria ser muito importante.

Algumas pessoas acusam-me de ser contra os banqueiros, de alimentar as teorias da conspiração e a ideia de que todos os banqueiros e toda a banca é má. Não é verdade. A banca a retalho, que financia a indústria, o imobiliário, o pequeno empresário, a investigação científica. Depois temos a banca de investimento, que em muitos casos opera em conjunto com a banca convencional, arriscando o investimento dos acionistas e o dinheiro dos depositantes para financiar “atividades de casino”. Temos de voltar aos preceitos de Glass-Steagall, nos anos 30, para separar a banca de retalho e a banca de investimento.

O argumento de alguns banqueiros é o de que os lucros com a banca de investimento ajudam, nos momentos de maiores dificuldades para a banca comercial, a não cessar a concessão de crédito à economia.

O argumento tem alguma validade, é verdade que em algumas ocasiões as operações de banca de investimento permitiram que as instituições se mantivessem lucrativas. Mas porque é que os bancos têm de ter, sempre, lucros astronómicos? Isso não devia ser uma obrigação. E depois há a questão da banca privada? Porque é que alguns clientes são encaminhados para uma área reservada do banco? Gerir o dinheiro das pessoas não é igual para toda a gente? Têm alguma coisa a esconder? Muitas pessoas vão para a banca privada para terem ajuda para fugir aos impostos. Se é só uma questão de investir largas somas, não é preciso ser um génio. Qualquer gestor de carteiras comum pode ajudar um rico a investir o seu dinheiro. Para existir banca privada, onde são cobradas grandes comissões, é porque estas pessoas estão a prestar um serviço que tem pouco a ver com banca.

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“Nunca falei com um banqueiro que me explicasse porque é que na banca tem de haver bónus muito maiores do que noutros setores de atividade”, ironiza Marc Roche.

Que mais problemas tem a banca atual, que ainda não foram resolvidos apesar da crise financeira?

O problema dos bónus é essencial. Nunca falei com um banqueiro que me explicasse porque é que na banca tem de haver bónus muito maiores do que noutros setores de atividade, como a indústria ou outra área qualquer. Porque é os banqueiros os têm e os polícias não têm, os professores não têm? A menos que nos livremos dos bónus, o problema não irá resolver-se. Há um banco sueco, o Handelsbanken, que não paga bónus a ninguém e é um banco que tem um negócio impecável. Mas os novos talentos preferem, muitas vezes, ir para bancos onde podem receber grandes bónus, como o Goldman Sachs.

Tem-se tentado impor limites, impedindo, por exemplo, que os bónus não representem mais do que x% do salário.
É muito fácil contornar isso. No Reino Unido, estão a ver-se aumentos do ordenado-base, maiores contribuições do banco para as pensões, aumento dos plafond de despesas profissionais…

E o que pensa dos paraísos fiscais, outro tema sobre o qual se debruça no seu livro?

Todas as instituições dizem que os paraísos fiscais devem ser combatidos e que já não têm a importância de outros tempos. Não é verdade. Em todos estes escândalos há sempre um paraíso fiscal, desde a viciação das taxas de câmbio, da taxa Libor. Eu não percebo qual é a utilidade dos paraísos fiscais. Dizem-me que é para evitar dupla tributação, para facilitar a vida a quem faz negócios numa perspetiva global. Não me convencem de outra coisa que não o seguinte: são parasitas. A própria City londrina é uma operação de lavagem de dinheiro.

Voltando ao caso do BES: são justas as críticas ao supervisor em Portugal, de que agiu muito devagar ou sem força suficiente?

Não conheço de forma detalhada a situação em Portugal, mas o que posso dizer a esse respeito é que todos os bancos centrais tendem a ser demasiado próximos do poder político e do mundo financeiro. Basta constatar que os presidentes dos dois principais bancos centrais da Europa, Mario Draghi e Mark Carney (do Banco de Inglaterra) são antigos diretores do Goldman Sachs. Não estou a dizer que não são pessoas talentosas, mas é uma questão de ética e de honestidade. Como é que se reconquista a confiança da opinião pública? Temos de dar o exemplo, não só no mundo financeiro mas, também, na política.

Banksters

“Banksters: Uma viagem ao submundo dos banqueiros”, de Marc Roche. Editado em Portugal pela Esfera dos Livros.