Muitos admiradores do autor que escreveu que as melhores coisas do mundo eram poder ir caçar de madrugada e ir pescar à tarde, e fazer uma coisa hoje e outra amanhã, são actualmente os maiores defensores do modo de vida conhecido como estabilidade laboral. Mesmo quando admitem que aquelas noções são inspiradoras, fazem-no como quem concede pronunciamentos pitorescos a um homem primitivo. Não são contudo coisas que os propagandistas desse modo de vida levem a sério. Acresce a isto que muitos destes propagandistas provêm da função pública, cuja existência é inteiramente compatível com a vida primitiva, e decerto inseparável da ideia de estar aqui de manhã e estar ali à tarde.

Naturalmente não ter emprego é também uma coisa séria, embora não tão séria como não ter que comer. Mas ter emprego não é incompatível com as ideias que os defensores da estabilidade consideram mais reprováveis: com ter vários empregos ao mesmo tempo, com ter vários empregos ao longo da vida, com trabalhar para si próprio, com quem se quiser, e com ter empregos muito diferentes; não é também incompatível com decidir passar uns anos sem trabalhar, com trabalhar a desoras, ou de graça, ou com decidir trabalhar para poder mais tarde não trabalhar; e finalmente não é incompatível com mudar de ideias acerca daquilo que se pode, consegue ou gosta de fazer; nem com fazer várias coisas diferentes bem, ou aliás mal.

Aqueles que exprimem reservas acerca da ideia de vínculos permanentes entre pessoas, e aqueles que muitas vezes duvidam do facto de em dias diferentes uma pessoa ser, ou ter que ser, a mesma pessoa e uma pessoa do mesmo género, são também quem defende com denodo mais particular a ideia de emprego monogâmico. A teoria que tantas vezes se ouve é a teoria austera de que quem for apanhado com alguém a trocar recibos verdes pelos cantos, mesmo que se trate de um mero adolescente, ou de um derriço potencial, deverá casar-se laboralmente e para sempre.

Deplora-se assim a precariedade nas novenas laborais. A atmosfera que se recomenda tem o encanto ordeiro da Baixa Pombalina, onde fanqueiros serão fanqueiros e douradores douradores. A precariedade não é porém uma coisa boa ou má em absoluto. Não é como o genocídio ou a generosidade; é como a electricidade, a feijoada, ou a franqueza. Será desejável que quem queira trabalhar possa trabalhar; mas é ainda mais desejável que não seja proibido de o fazer: que médicos, corretores, astrólogos e talhantes possam pendurar as suas tabuletas e arcar com as consequências das suas acções, se por acaso alguém se queixar, e se os tribunais funcionarem. Não é em qualquer caso desejável nem realista defender que só se deva poder trabalhar depois de se renunciar à possibilidade de outros modos de vida.

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