Parece que o subsistema de saúde ADSE — Assistência na Doença aos Servidores do Estado —, de que apenas os funcionários públicos (quer no activo, quer reformados) podem beneficiar, deu lucro em 2015. Vai daí, já apareceram várias propostas para alargar o conjunto de beneficiários. É o Governo que pondera a hipótese de alargar o sistema aos cônjuges dos funcionários públicos, bem como aumentar a idade dos descendentes que podem beneficiar do sistema. É, também, o CDS, secundado aqui no Observador por André Azevedo Alves, que pretende que os restantes portugueses possam ter acesso, caso o desejem, e nas mesmas condições que os funcionários públicos, a este subsistema de saúde. No papel, todas estas exigências parecem razoáveis. Mas, se estas ideias ganham tracção na opinião pública, pode ser o início do fim de um sistema que é do agrado dos seus utentes.

Quando o governo anterior tornou a ADSE voluntário foi o princípio do fim de um sistema que funcionava bem. Vou procurar explicar. Uma das exigências da troika foi que a ADSE fosse auto-sustentável. Uma exigência correcta. Não faz sentido que o restante país esteja a financiar um subsistema que apenas beneficia uma camada bem definida da população. Na prática, como os funcionários públicos descontam uma percentagem do seu ordenado para a ADSE, tal implicou que essa percentagem subisse. Actualmente, esse valor é de 3,5% do ordenado ilíquido.

A implicação óbvia deste sistema é que quem tem vencimentos mais elevados desconta mais do que quem tem salários mais baixos. Quem ganha 600€ paga menos de 300€ por ano pela ADSE (uma bagatela para um seguro de saúde tão bom). Quem ganha 5000€ paga quase 3000€ por ano.

Como o sistema não dá prejuízo isso quer dizer que que os funcionários mais bem pagos beneficiariam em sair do subsistema. Ou seja, em média, descontam mais para a ADSE do que aquilo que recebem da ADSE. Facilmente encontrariam no mercado alternativas mais baratas. Apenas aqueles que tiverem problemas de saúde mais graves terão dificuldades em encontrar alternativas no mercado. Ou seja, um sistema voluntário desta natureza gera um problema de auto-selecção que é a ruína do sistema. Dentro de alguns anos, apenas os funcionários públicos mais mal pagos e os mais bem pagos mas que dão grande despesa à ADSE permanecerão. Os buracos orçamentais serão inevitáveis e que terão de ser cobertos aumentando os descontos, o que agravará o problema e cavará buracos ainda maiores.

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É verdade que nos últimos anos este subsistema terá dado lucro. Mas se isso acontece é por causa da inércia que existe sempre nestas decisões. As pessoas estão bem como estão, estão habituadas ao (excelente) sistema que têm e portanto não procuram alternativas. Mas à medida que forem entrando novos funcionários, a quem lhes é perguntado se pretendem este sistema ou não, esta inércia vai desaparecendo e os prejuízos virão.

Alargar, voluntariamente, este sistema à restante população apenas agravará o problema. Por, pelo menos, dois motivos. Em primeiro lugar, porque os salários e pensões no sector privado são, em média, mais baixas. Tal obriga a que seja necessário aumentar os descontos para se conseguir manter o sistema financeiramente equilibrado. Em segundo lugar, o ponto de partida é o pior possível. Dado que ninguém tem a ADSE, tendencialmente vão aderir aqueles que mais têm a ganhar: aquelas pessoas que ganham mal, dado que por uma bagatela ficam com um seguro de saúde excelente, e aquelas que sabem ter muitas despesas de saúde. O problema da auto-selecção adversa, que é a ruína da maioria dos sistemas privados voluntários de saúde (basta ver o caso dos Estados Unidos), teria especial acuidade no nosso caso.

Não me percebam mal. A ADSE é um excelente subsistema de saúde. Se for cuidadosamente alargada ao resto da população, será uma forma de aliviar o, também excelente, sistema nacional de saúde. Mas isso não pode ser feito com demagogias que, a prazo, arruinariam a ADSE. Para que a generalidade das pessoas dela beneficie é necessário torná-la coerciva. Tanto quanto percebo, só há duas opções razoáveis. Ou torná-la obrigatória ou acabar com ela.