1. “Quase 200 crimes de ódio contra pessoas LGBT em Portugal, num ano.”
Os crimes deixaram de ser crimes. São crimes disto, crimes daquilo… As pessoas também deixaram de ser pessoas e agora temos pessoas LGBT. Donde se conclui que as pessoas nãodevem ser só pessoas. Aliás é urgente que as pessoas que são só pessoas passem a ser pessoas também categorizáveis para que também elas tenham um tratamento diferenciado caso se tornem vítimas de crimes. Um vizinho mal educado torna-se no autor de um crime de ódio se em vez de uma simples vizinha injuriar uma vizinha pessoa LGBT.
2. “António Arnaut afirmou, este sábado, que há “uma direita reacionária” no poder em Portugal, “presidida por um neoliberal assanhado”, que não tem sensibilidade e “está contra o Serviço Nacional de Saúde”.
Primeiro eram os fascistas, mais os reaccionários e os contra-revolucionários que invarivelmente sofriam de marialvismo e colonialismo. Estas criaturas faziam intentonas patrocinadas pelos capitalistas, os lacaios do imperialismo e os cães de fila dos americanos. Os burgueses, os parasitas e os salazaristas também financiavam os fascistas e os reaccionários nos seus obscuros propósitos.
Desaparecidos estes nefandos seres (ou parte deles) não ficámos muito mais aliviados pois passámos a estar rodeados por novos espectros: os provincianos, os atávicos, os saudosistas, os defensores do lobby disto e daquilo, os feitos com o capital, com o grande capital e com o capital internacional. Os amigos dos privados, os dependentes dos mercados… A este grupo juntaram-se depois os parolos, os pirosos, os atrasados, os sexistas, os racistas, os homofóbicos, os machistas, os xenófobos, os intolerantes e os ultramontanos.
Depois vieram os liberais, os neo-liberais, os servidores dos alemães, os conservadores e os ultra-conservadores. Os salazaristas tornaram-se salazarentos. E agora estamos nos liberais assanhados. Para a semana há mais.
Todas estas entidades, que em boa verdade são sempre uma variação sobre o mesmo aleijão básico – não ser de esquerda – querem sempre o mesmo: fazer negócios ou negociatas, vender o país umas vezes ao desbarato outras por melhor preço, dar cabo da vida dos pobres, favorecer os ricos, ajudar o capital (agora va versão angolana e chinesa) e privatizar as empresas que são nossas.
Atacar as minorias, asfixiar o Estado Social, destruir o SNS e matar os portugueses à fome são os objectivos mais recentes deste grupo que começou por querer destruir a revolução à força de intentonas, golpes e movimentações e agora, simplesmente para agradar aos alemães, resolve governar com austeridade. É certo e sabido que a austeridade é a consequência da teimosia e da subserviência que estas pessoas sem sensibilidade social manifestam perante a Alemanha. Quisessem elas e não havia austeridade. Éramos todos ricos e pronto.
Com variantes esta é a história das ideias da nossa democracia contada ao povo, às crianças e aos adultos e repetida pelos jornalistas. Pode parecer uma patetice – e é – mas é a nossa patetice. Todos os dias este patetismo é repetido à exaustão. E funciona.
3. “Jovem que é visto num vídeo a ser agredido por colegas, durante mais de 10 minutos, apresentou queixa na PSP da Figueira da Foz, esta quarta-feira de manhã. Agressoras estão identificadas e a polícia deu início a uma investigação ao caso.”
Não entendo este país em que as polícias e os tribunais ocupam o lugar de pais, professores, funcionários de escolas, vizinhos, gente que passa na rua… Ninguém vê nada, ninguém se mete em nada. É tudo lá com eles.
Lembram-se daquela mãe que foi buscar o filho por uma orelha aos tumultos de Baltimore? Segundo esta nossa perspectiva de que é tudo normal e aceitável até que se chega ao irremediável, a senhora estava a agredir o jovem e a exercer de forma autoritária o seu papel.
Depois há um dia em que o irremediável acontece. Esse é o dia então em que umas quase crianças saem dos tribunais com camisolas a tapar-lhes a cara e outras crianças de rosto descaracterizado são sovadas e humilhadas em videos que agitam as redes sociais durante 24 horas. Estes miúdos sem cara, sejam eles vítimas ou agressores, são um espelho da nossa demissão. E no que às vítimas respeita não consigo deixar de me perguntar: estamos mesmo a respeitar alguém quando lhe descaracterizamos o rosto? Não acho. Isso apenas permite aos indignados de sofá ver com maior tranquilidade as torturas que inflingem não a uma pessoa mas sim a um pedaço de corpo.
4. “Pedidos de Sócrates: 10 mil euros não chegavam para dois dias. Entregas de dinheiro a Sócrates ocorriam a um ritmo de três vezes ao mês. Às vezes, 10 mil euros não chegavam para dois dias.”
Há em tudo isto uma desmesura que não parece compatível com a realidade e que me faz acompanhar o caso de José Sócrates com uma espécie de sentimento de tragédia. Um sentimento bem diverso daquele que me inspira o vai vém dessa gente que dizia maravilhas do homem e agora faz de conta que não é nada consigo. Os que se fazem intelectuais, os “istecnianos” da vida, os estupefactos com a detenção na manga do avião, os que em cada suspeita viam uma conspiração…
Eles andam por aí disponibilíssimos e ansiosos por um novo Sócrates. Por alguém que lhes diga que a República é oficialmente de todos e na prática só de alguns. Por esse alguém eles repetirão os mesmos erros e os mesmos insultos. Sócrates está detido por suspeita de ter praticado determinados crimes. Mas muito do que se lhe imputa só pode ter acontecido numa pessoa com tais responsabilidades e protagonismo porque muita gente não quis ver.