25Nas últimas duas semanas, fiz uma pitoresca viagem americana, com início na jovial Universidade de Anchorage, no Alasca, e término na vetusta Universidade de Harvard, em Cambridge, MA. Por um lado, nada de novo: a cada passo, encontrei a vibrante sociedade civil e empresarial que sempre distinguiu a América. Por outro lado, algo de muito novo: emerge dessa sociedade civil uma profunda reacção conservadora-liberal contra a engenharia social politicamente correcta.

Esta reacção apresenta traços que também se vislumbram na Europa: reafirmação do patriotismo, oposição à imigração descontrolada, reafirmação das diferenças entre os sexos, recusa do abaixamento de padrões culturais e morais. Por outro lado, estes traços, que poderiam ser designados como conservadores, surgem profundamente associados à reafirmação das tradições liberais americanas: redução da área de intervenção do estado, liberdade de expressão e de religião, prioridade às instituições espontâneas da sociedade civil, forte crítica às organizações burocráticas e ao despotismo das suas regulamentações inovadoras.

Nos voos das linhas aéreas do Alasca, o embarque é iniciado por um “convite aos passageiros das nossas Forças Armadas, a quem agradecemos o serviço que prestam à América”. Só depois são chamados os passageiros de classe executiva, ou com necessidade de assistência especial. Em quase todos os lugares públicos que visitei em Anchorage, encontra-se à entrada uma caixa para donativos às Forças Armadas. A bandeira americana esvoaça nas portas de inúmeras clássicas residências familiares de madeira. Os meus anfitriões amavelmente acrescentaram na porta de sua casa uma bandeira portuguesa.

Na Universidade de Anchorage, falei num jantar da Churchill Society local e na “Constitution Day Lecture” (sempre a 17 de Setembro, data da primeira aprovação da Constituição de 1787, em Filadélfia). Assisti, no dia seguinte, a um concurso estudantil de 3 horas sobre o conteúdo da Constituição. Em todas as ocasiões, o tema dominante foi o mesmo: “os limites ao poder do estado, definidos na Constituição original, estão a ser infringidos por uma burocracia central que quer dizer-nos como devemos viver”.

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Na Universidade de Harvard, fiz uma breve apresentação do meu livro sobre “A Tradição Anglo-Americana da Liberdade: Um olhar europeu”. Durante a hora seguinte, uma enxurrada de perguntas e comentários incidiu quase sempre sobre o mesmo tema: como o crescimento do estado está a atacar as instituições autónomas da sociedade civil americana e o seu sentido de dever, voluntariamente assumido.

A seguir, fui convidado a assistir a um debate da “John Adams Society”, um dos muitos clubes de debate estudantis. Foi a cereja no topo do bolo. Vestidos a rigor, rapazes e raparigas tratavam-se respeitosamente por “The Right Honorable Gentleman (ou Lady)” e debatiam uma magna questão: “Does America need a new aristocracy?”.

Todos os que ouvi concordavam na resposta: “sim, a América precisa (urgentemente) de uma nova aristocracia”. Mas a aristocracia de que falavam era muito diferente daquilo que no continente europeu ainda associamos à ideia de aristocracia. Os jovens americanos queriam uma “aristocracia de maneiras” ou “uma aristocracia do espírito”, não uma “aristocracia de governo” — que continuam a considerar (tal como os fundadores da Constituição de 1787) como o maior inimigo.

No final da viagem americana, dei comigo a sorrir com os meus botões. Apesar de tudo o que se diz sobre o fim do sonho americano, creio bem que ele está vivo e de boa saúde. Em nenhum lugar ouvi críticas à globalização ou ao comércio livre — apenas ao “despotismo burocrático”. Edmund Burke e Alexis de Tocqueville teriam reconhecido nesta “nova” América o mesmo espírito que conheceram no tempo deles: o indomável espírito de independência dos “pequenos pelotões”, ou das instituições intermédias espontâneas da sociedade civil — as famílias, as igrejas, as vizinhanças e outras instituições voluntárias não centralmente desenhadas.

Duas questões podem, no entanto, subsistir. A primeira diz respeito à América: conseguirá este renascimento conservador-liberal, que tem dado por todo o país esmagadoras vitórias eleitorais ao partido republicano, enquadrar o novo presidente — que achou oportuno concorrer e ser eleito pelos republicanos? A segunda diz respeito à Europa: conseguirá a vaga conservadora em gestação na Europa acompanhar a robusta linguagem liberal e anti-estatista da sua congénere americana?