Os dados da questão da «independência» catalã estão lançados e parece muito improvável que o «processo» vá até ao fim. Antes pelo contrário, o que não deixará, no entanto, de ter consequências de longo prazo para as relações entre a Catalunha e o conjunto de Espanha, bem como dentro da própria Catalunha. Tanto assim que a insuspeita Ada Colau, presidente da câmara de Barcelona e próxima do «Podemos», já reconheceu que o pretenso «referendo» não legitima uma decisão de tal gravidade. De qualquer modo, já se podem tirar várias ilações da maior relevância que vão muito para além da Catalunha. A primeira de todas é muito importante para perceber o que se está a passar em Portugal desde que o actual governo subiu ao poder: a saber, aquilo a que assistimos até agora na Catalunha é, segundo o historiador Santos Julià, um exemplo perfeito de «como se toma o poder a partir do poder», conforme o PS e os seus aliados têm feito sistematicamente nos últimos dois anos, como Tsipras na Grécia, onde a máquina do Estado está ocupada de cima a baixo pelos «activistas» da geringonça e a comunicação social muito perto disso, como se vê pela operação contra a Altice a fim de continuarem a controlar a TVI.

Outra dimensão que também está presente em Portugal é o anti-europeísmo militante de uma parte decisiva da actual aliança governativa portuguesa. Como sucedeu com o Brexit, gente de direita e de esquerda uniu-se, como uma pinça, para tirar o Reino Unido da Europa, causando a maior crise da UE. Na Catalunha, a chamada Candidatura de União Popular (CUP), alegadamente de ultra-esquerda, teve o resultado decepcionante de 8% e apenas 10 deputados nas últimas eleições para o Parlament, mas constitui a ponta de lança do «procès» independentista nas ruas de Barcelona. O seu objectivo é fazer saír a Catalunha da UE, juntando-se assim a todos aqueles pela Europa fora que, de «esquerda» ou de «direita», querem acabar com o único projecto real, democrático, desenvolvido e progressivo que poderia tirar Portugal do nosso crónico atraso sócio-económico, bem como certos países do antigo bloco soviético.

Ora, ninguém de boa-fé ignora ainda que uma «declaração unilateral de independência» significaria automaticamente a saída da Catalunha da UE, apesar de os líderes do «procès» terem escamoteado o facto até agora, pois sabem que a maioria dos Catalães não quer isso. Seja como fôr, quem pretendesse passar por cima disso ficou a saber que não só assim seria como as maiores empresas da Catalunha, que se encontram entre as principais de Espanha, já decidiram pôr as suas sedes sociais e fiscais fora do alcance dos separatistas e sobretudo da CUP, que só pensava em «nacionalizá-las»

Tanto assim que, por não quererem saír da UE nem porventura de Espanha, que é um dos países mais federalizados da Europa, os cidadãos que já se tinham oposto em 2015 ao separatismo, cujo partido (Junts pel Sí) teve bastante menos de 50% dos votos e só chegou à maioria de deputados com o apoio oportunista dos anti-europeístas da CUP. E tomaram finalmente a iniciativa de se opor ao «independentismo» numa manifestação maciça, demonstrando não serem afinal a CUP e os «activistas» da Òmnium e da Associação Nacional Catalã os «donos da rua» como clamavam. Estas manifestações e contra-manifestações demonstraram, entretanto, ser manipuladas em todos os sentidos nas malfadadas redes sociais, inclusive por hackers profissionais e estrangeiros ao conflito, de tal modo que só votando de futuro segundo todas as regras exigidas por uma decisão destas se poderia chegar a um resultado equânime.

Não foi isso que se passou com o referendo de 1 de Outubro nem durante todo o «procès». Na realidade, a Catalunha não possui as bases eleitorais para uma «declaração universal de independência», não falando das condições materiais. À parte as reacções previsíveis do Parlamento de Madrid, bem como da própria população residente na Catalunha que não quer deixar de ser espanhola, a saída de facto da UE é suficiente para retirar qualquer base material à pretendida independência. Basta ver o que se tem passado com o Brexit: se este é negativo para a UE, tem sido e será muito pior para o Reino Unido, que não sabe como extricar-se do enorme sarilho em que menos de metade dos eleitores meteu o país.

A concluir, como já se entrevia, apesar da pressão da CUP, o prometido discurso de «declaração unilateral de independência» do presidente da Generalitat mais não foi do que a repetição da retórica separatista. Na prática, porém, adiou a «independência» sine die. A líder da bancada da oposição, Inês Arrimadas dos «Ciudadans», respondeu-lhe com firmeza transparente que isso se decidiria nas urnas quando fosse respeitada a democracia eleitoral. Mas, como eu disse de entrada, as sequelas acompanhar-nos-ão durante muito tempo!

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