Na passada quinta-feira, 8 de Março, Aníbal Cavaco Silva voltou à Universidade Católica — onde era professor catedrático na Faculdade de Economia antes de concorrer à Presidência da República em 2006 — para proferir a 18ª Palestra Anual Alexis de Tocqueville do Instituto de Estudos Políticos daquela Universidade. Foi o que muitos dos presentes designaram como “um momento Vintage Cavaco Silva”.
Começou pela célebre pontualidade — infelizmente muito pouco observada entre nós. Tinha dito que chegaria às 17h45 (a cerimónia começava às 18h). E chegou às 17h43, integrando-se no cortejo académico que abriu a sessão. Perguntara previamente qual era a duração tradicional das Palestras Tocqueville. Perante a resposta, dissera que cumpriria 45 a 50 minutos. A sua comunicação foi exactamente de 47 minutos.
A seguir, permaneceu na mesa tranquilamente durante o resto da cerimónia (sobretudo dedicada à entrega de diplomas e prémios aos alunos do IEP-UCP). Com sua mulher, Maria Cavaco Silva, (também há muitos anos docente da Universidade Católica) ficaram depois até ao tradicional brinde final do jantar Tocqueville (que ocorreu às 22h15).
Por outras palavras: ao contrário do infeliz hábito nacional de não respeitar horários, o ex-Presidente da República e a ex-Primeira Dama fizeram questão de cumprir todas as regras gerais da cerimónia.
O tema das regras gerais e da disciplina a elas associada esteve também subjacente à eloquente palestra que proferiu sobre “Portugal e o aprofundamento da União Europeia”. Foi uma palestra académica, uma autêntica “Aula Magistral”, em que não houve cedências ao facilitismo tantas vezes dominante na nossa atmosfera intelectual.
Não seria possível resumir aqui o denso argumento apresentado por Cavaco Silva (o texto será integralmente reproduzido no próximo número 65 da revista Nova Cidadania, que será publicada a 25-27 de Junho, durante a 26ª edição do Estoril Political Forum). Mas creio que uma interpretação possível pode residir na importância da disciplina — económica, política, comportamental — fundada em regras gerais de boa conduta (algumas das quais, mas não todas, procuramos consagrar em leis gerais, abstractas e iguais para todos).
As mais antigas culturas políticas democráticas conhecem a importância decisiva dessa disciplina fundada em regras gerais e procedimentos ancestrais. A alternativa a essa disciplina é a desordem; e, a seguir, a submissão aos caprichos arbitrários dos poderes do momento. Foi em grande parte com base nestes princípios ancestrais da civilização europeia e ocidental — do Estado limitado por leis e que presta contas ao Parlamento — que Cavaco Silva defendeu o projecto da União Europeia e, em particular, da sua moeda comum, o euro.
Trata-se de um projecto de cooperação entre democracias nacionais que aceitam (e apenas as que aceitem) partilhar soberania sob um conjunto de regras gerais que a todos obrigam. O sucesso do empreendimento depende por isso, em primeiro lugar, da observância pelos estados membros da disciplina associada às regras gerais que aceitaram subscrever.
Alguns estados membros, infelizmente, interpretaram o projecto como uma oportunidade para obter financiamento externo para a indisciplina interna. Aumentaram irresponsavelmente a despesa e a dívida públicas, distorceram a disciplina dos mercados com arbitrárias regulamentações corporativas e sindicais. Foi este comportamento irresponsável que conduziu o governo português à pré-bancarrota em 2011 — a qual só pôde ser evitada através da intervenção externa da chamada “troika”.
Essa intervenção externa gerou depois muitos protestos por parte dos mesmos que a tinham provocado — e que se tinham visto obrigados a solicitá-la. O mesmo aconteceu na Grécia e em Itália, possibilitando vitórias eleitorais de partidos marginais. Mas, como recordou Cavaco Silva a propósito do actual primeiro-ministro grego, o discurso desses partidos foi rapidamente alterado pouco depois de chegarem ao Governo — quando tiveram de “se adequar à realidade e abandonar a ideologia”.
Este foi, sem dúvida, “um momento Vintage Cavaco Silva”. Um senhor que continua a incomodar os círculos politicamente correctos, mas que, e em grande parte por isso mesmo, é uma personalidade invulgar da nossa democracia. Como escreveu na revista Nova Cidadania Manuel Braga da Cruz, antigo Reitor da Universidade Católica (2002-2012),
“Cavaco Silva é uma personalidade de primeira grandeza da história recente de Portugal, que conseguiu feitos inigualáveis: o político que mais eleições venceu em democracia — nada menos que cinco — que maior número de maiorias absolutas conseguiu — quatro, duas das quais exclusivamente partidárias (a primeira vez que um partido atingiu a maioria em eleições legislativas) — que durante mais tempo esteve ao leme deste país: 10 anos como Primeiro-Ministro, no tempo da convergência europeia, 10 anos como Presidente da República, nos anos da divergência com a Europa.”
P.S. Homenagem a Adriano Moreira foi justamente celebrada no Congresso do CDS em Lamego, no sábado. Também ele fizera questão de estar com Cavaco Silva na quinta-feira, na sessão do IEP-UCP, de que é professor e co-fundador, bem como no jantar. Pioneiro da Ciência Política em Portugal, Adriano Moreira permanece uma referência maior da nossa vida política e intelectual. Ao seu exemplo voltarei numa próxima crónica.