1 – Por menos que isto há políticos que se transformaram em case study da Ciência Política e, ou muito me engano, ou Passos Coelho ainda um dia há de ser “dado” na escolas: desde Junho de 2011 que está ciclicamente a ser “descoberto”. Como se de cada vez que fala ou actua fosse a primeira e não levássemos já quase quatro anos dele (e das visíveis impressões digitais que foi deixando)

2 – Começou pré-condenado ao fracasso e à brevidade politica. E logo desde o início, o que deu uma coloratura viva ao mandamento político, unilateralmente decretado: Passos “não duraria”. Em vez de um exercício de análise racional face à sua governação, houve apenas pré-certezas de fracassos. No plural: interno e externo, em Lisboa e em Bruxelas. Na governação, no andamento do programa de ajustamento, nas metas, nos orçamentos que não passariam, nas avaliações da troika onde reprovaríamos;  nos resgates que fatalmente se seguiriam; nas reformas que nunca ocorreriam, na duração do Executivo com a sua procissão de mortes prematuramente anunciadas; nas certezas imperiosas vendidas nos palcos mediáticos de remodelações diversas. Era como entrar num carrossel de fracassos.

Quando nos intervalos destas previsões nunca concretizadas, o primeiro-ministro emergia à tona das coisas, o espanto era indisfarçável: o homem “aguentava-se”. Afinal. Aguentava-se sobre a corda esticada de medidas  “impossíveis”,  cortes nas pensões, salários e subsídios;  vetos do Tribunal Constitucional; o eco desafinado de Grândolas em ruas de norte a sul, gritaria insultuosa de sul a norte, coelhos mortos no átrio de universidades, debates políticos quinzenais no Parlamento ou outros debates e nenhum deles meigo; atoardas de mau comportamento face ao fisco, tensos exames da troika  (e quem não se lembra da célebre  “sétima avaliação” onde tudo esteve por um fio?).

Ossos do oficio, claro, mas dia sim, dia não, o líder do Governo, “contra todas as expectativas”,  (de quem?) desmentia com impassível normalidade vaticínios de fim. E lá voltava, murmurado ou assumido o mesmo espanto, mas sem que as lentes embaciadas das oposições, políticas ou mediáticas, tirassem qualquer conclusão. Ou sequer se interrogassem sobre o desfasado retrato que tiravam ao chefe do Governo, ou sobre a dessintonia entre o que permanentemente juravam sobre Portugal e a realidade do país. E no entanto… se alguém tivesse dado uma folga a tão aceso ressentimento político e o tivesse substituído, mesmo que momentaneamente, pela atenção ao personagem político Passos Coelho, as oposições teriam ganho no tabuleiro da previsibilidade, factor de alta utilidade política, como se sabe.

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O líder do PSD é um político previsível, sem estados de alma e com boas maneiras. Chega-lhe – tudo indica – a convicção e uma espécie de endurance que herdou da vida que nem sempre o mimou. Sóbrio por natureza, discreto por opção, atencioso por dom, é sobretudo tranquilo. Não se altera, não se desvia, não chora sobre leites derramados, não pede cumplicidades, não se afasta um milímetro do reduto onde depositou as suas prioridades para o país. Não vê razão para mudar nem para desistir.

3  Sucede que nem as oposições, nem aquela parte do país com lugar cativo na media, quiseram ver “este” político. Preferiram-lhe um outro, inventado, artificial e oportunamente enfeitado de ultra-liberal, desprezível “bom aluno” dos alemães, “mau” com os portugueses e de gelado coração face ao “sofrimento” do povo (ah esta obscena exploração do real sofrimento alheio em prol da conveniência política própria). Um Passos “deles”, ficcionado à medida para servir um país também ele semi-inventado pela agenda politica/ mediática das oposições. Um duplo equivoco que impediu qualquer debate político com um mínimo de integridade, seriedade e racionalidade (e como Portugal  e os portugueses teriam sido bem servidos por essas reflexões politicas em voz alta, sobre o seu norte e o seu destino).

Quando teria sido preciso discorrer sobre o país, sobre a governação e os seus erros, as suas escolhas, duvidosas ou não, os seus grandes ou pequenos desequilíbrios, os seus casos menos “felizes”, as suas reformas em lume brando ou nem sequer ao lume ou simplesmente o seu futuro, não havia ninguém disponível: as oposições estavam demasiado entretidas com o país irreal para se importunarem com o real – que desprezavam e confundiam com a “direita”, a “troika”, a “austeridade” – e o qual vetavam, contrariavam ou bloqueavam quanto podiam. Entretanto, em contraciclo com o ar do tempo, sondagens, ecrãs televisivos, bancadas parlamentares, opinião publicada, fóruns radiofónicos, marchas, greves e grândolas, o Governo “ia-se aguentando”, a coligação, idem.

4 – Até que no dia 2 de Julho de 2013, uma imperdoável trapalhada política provocada por Paulo Portas levou toda a esquerda sem excepção, e os ressentidos do costume, a proclamar a irrevogável morte do Governo nessa tarde e o enterro da coligação no dia seguinte. Horas depois, porém, aterrou no ar do país o enésimo “afinal”, alusivo ao chefe do Governo. Afinal, aquele ex-jota, sem mundo, nem leitura, nem “cultura”, nem serventia, anunciara ao país, sem precisar de elevar o tom de voz, que a vida continuava e ele também.

Em Setembro desse ano de 2013, o Público estampava em manchete que Bruxelas já estava “a trabalhar em novo resgate para Portugal”, considerando-o “inevitável”. Não houve nem esse nem mais nenhum outro resgate e dispensou-se a última tranche do empréstimo. Foi a partir daí que parte daquela direita supostamente responsável, mas que sempre me embaraça um pouco quando a encontro, me começou a atirar bombons de “reconhecimento”: o homem “afinal” estava a ser capaz de não tirar a mão do leme em tão altas marés políticas. Descobertas tardias é no que dá. Tive vergonha por eles.

5 – Novo remake e duplo pasmo este fim de semana: com sondagens que punham taco-a- taco a coligação e os socialistas; e com o tom “seguro”, “firme”, “convicto” de Passos Coelho em entrevista ao Expresso. Em resumo: outra “descoberta” (eu não digo?)

Como esta do primeiro-ministro “até” querer ganhar as eleições (como se fosse proibido). Ou “por mais incrível que pareça” (a quem?), querer ganhá-las por maioria absoluta — mas isso parece que é prorrogativa exclusiva dos socialistas. Era o que faltava que o centro e a direita se pusessem agora a combater tão alto e a visar tão longe. (O mais extraordinário é que a esquerda pensa isto mesmo.)

6 – Nunca fugiria ao caso do dia, nem me ocorreria passar-lhe ao lado. Sucede que a história de uma dívida do primeiro-ministro à Segurança Social, podendo não ser uma pera doce, ainda não esta bem contada, nem sequer totalmente contada. Tem hiatos de tempo misteriosos, ângulos pouco felizes, factos inexplicáveis. Vai ser preciso um pouco mais de luz e de explicações.

Mas há uma coisa: Pedro Passos Coelho é um metódico, não custa imaginar-lhe uma vida arrumada, contas em dia, papéis despachados. E além disso é alguém probo: não “cultiva ricos”, não se dá com “poderosos”, não tem quintas no Alentejo, não coleciona “arte”, não frequenta restaurantes da moda, não se lhe conhecem gostos caros e não consta que tenha fortuna – nem biblioteca, de resto. Vive feliz em Massamá e contente na Manta Rota. Sim, há que saber tudo – é direito e é obrigação – mas que “isto” encaixa mal com qualquer um dos ingredientes que compõem a personalidade e a forma-mentis de chefe do Governo, encaixa (ingredientes que justamente horrorizam as nossas soi-disants bem pensantes elites, mas isso é outra história, à qual voltarei em breve).

E finalmente: poderei estar enganada, mas julgo que este caso – sofregamente precioso para as oposições, secundário para quem naturalmente não se inclina a ver em Passos Coelho um “caloteiro” – terá um prazo de duração (como os iogurtes). Como o recente episódio de António Costa com os chineses, ou como mil outras histórias que diariamente compõem a grande sinfonia portuguesa dos pequenos incidentes, dos quais não rezará a História. E que nunca constarão do ranking dos desafios que farão dos portugueses e de Portugal algo que valha a pena.