À despedida, Durão Barroso permitiu-se uma observação original: segundo ele, a última década teria “fortalecido” a União Europeia. Em que sentido? Provavelmente, no sentido da carta que a Comissão Europeia enviou ao governo italiano, e que este pôs cá fora na sexta-feira: de facto, nunca os órgãos da UE exerceram uma ascendência tão severa sobre alguns dos seus membros. Nesse sentido, a UE é sem dúvida mais forte. Mas é duvidoso que o seja noutros sentidos.
A força da UE traduz neste momento pouco mais do que a dependência dos seus Estados mais deficitários em relação ao BCE. Por isso, é uma força que se sente em Roma, mas que já não se sente, por exemplo, em Moscovo. A esse respeito, o caso da Ucrânia ensinou-nos tudo o que precisávamos: antes do ataque ao avião malaio, foi a envergonhada disposição para aceitar a invasão e a anexação russa; depois, tem sido a ânsia de pôr termo às sanções à Rússia. Porquê? Porque as economias e as finanças europeias não estão para confrontos. A força de Bruxelas perante Roma tem as mesmas causas que a sua fraqueza perante Moscovo.
A situação da UE é curiosa. Os 28 Estados membros, todos juntos, não têm no mundo uma sombra da influência que tinham, há cem anos, a Inglaterra, a França ou a Alemanha, cada uma por si. No entanto, a “integração europeia” foi exaltada durante décadas como um meio de restaurar o esplendor da Europa depois das duas guerras mundiais. Juntos, os Estados europeus recuperariam o poder que tinham perdido individualmente. Acontece que não recuperaram. A UE pesa hoje menos no mundo do que a Inglaterra sozinha em 1914.
A pergunta que devemos fazer em relação à UE é se não contribuiu também para este enfraquecimento. É verdade: a integração dos mercados, a solidariedade inter-estatal e as instituições comunitárias ajudaram, durante algumas décadas, ao crescimento das economias e à estabilização e universalização dos modelos políticos, jurídicos e sociais a que hoje chamamos “europeus”. Mas a “construção europeia” também teve os seus efeitos perversos, como as bolhas de crédito do Euro, que agora o BCE, no seu desespero anti-deflacionista, se arrisca a insuflar outra vez. Há uma razão para isso: no “processo europeu”, os motivos políticos atropelaram demasiadas vezes outro tipo de critérios. Foi assim que, no princípio deste século, passou a haver uma moeda europeia sem haver uma economia europeia, no sentido de um mercado realmente unificado e de padrões empresariais e laborais similares. Julgou-se que o poder político, só por si, era suficiente para recriar o mundo. Não é. A “crise do Euro” mostrou os limites do integracionismo mágico.
As sociedades europeias envelhecem e os seus Estados sociais sobrecarregam-nas com défices e dívidas. Dependem dos EUA para a sua defesa. No entanto, não são casos perdidos. Os seus Estados de direito dão aos cidadãos garantias como poucos outros Estados do mundo. Dispõem das melhores infraestruturas e das mais qualificadas forças de trabalho. A UE fará sempre sentido na medida em que ajudar a tornar estes recursos numa base de inovação económica e equilíbrio social. Infelizmente, não é seguro que seja assim. As cartas de Bruxelas servem frequentemente de pretexto para reformas, mas as larguezas do BCE ajudam a manter a ilusão de que haverá sempre dinheiro para adiar mudanças. Pense-se no exemplo português.
Não, esta década não fortaleceu a UE, porque a UE só será forte quando os seus Estados tiverem, cada um por si, a força que neste momento não têm. A força não é uma coisa que se obtenha pelo método de adicionar fraquezas.