Num texto de desarmante candura para um dirigente socialista, o Eng.º João Cravinho acaba de levantar o véu sobre a governação oportunista e atabalhoada do primeiro-ministro, vaticinando a sua futura queda política – mesmo que não eleitoral – perante as ambições do actual presidente da República, o qual funcionava, até há pouco tempo, como o seguro de vida da «geringonça» junto dos espectadores dos canais de televisão que difundem, desde que o duo está no poder, a respectiva propaganda.
Toda a gente percebeu que António Costa tinha perdido completamente o pé com o incêndio de Pedrógão Grande. Desde então, não só não recuperou o pé como tem acumulado erros dos quais os seus cúmplices da chamada «esquerda» se têm aproveitado para lhe arrancar promessas e mais promessas, as quais já se estão a revelar impossíveis de cumprir sob pena de deitar a perder tudo quanto os apoiantes do governo julgam ter recuperado. Entretanto, o primeiro a agir perante isso foi, sem surpresa, o PCP que já anunciou que não fará mais acordos escritos com o PS a partir daqui.
Antigo participante dos gabinetes governamentais promotores da modernização económica já no tempo do «marcelismo»; ministro no 4.º governo provisório e no governo Guterres; deputado em Portugal e no Parlamento Europeu; director do Banco de Investimento Internacional, entre outras funções importantes, o Eng.º Cravinho e alguma gente do PS devem estar mais descontentes do que parecem para ele fazer as declarações que fez.
Com efeito, a questão não é meramente conjuntural nem de agora. O actual primeiro-ministro foi, como se sabe, empurrado da presidência da Câmara de Lisboa para substituir o anterior líder por uma série de adversários avulsos da chamada «austeridade». Nunca apresentou, porém, um programa que se visse e, tendo falhado o primeiro lugar nas eleições de 2015, surpreendeu quase toda a gente, a começar pelo seu próprio partido, mancomunando-se com o PCP e o BE a fim de aproveitar o facto de o presidente Cavaco Silva não poder dissolver o parlamento e de assim chegar ao poleiro da forma que se sabe. Mas nem todos fomos dúplices…
Logo na altura, António Costa teve de engolir o programa com que foi às urnas, em particular o documento dos economistas que o apoiavam e à cabeça dos quais se encontrava já Mário Centeno, que teve por seu turno de mudar completamente de rumo, deixando por fazer todas as reformas estruturais defendidas no documento, nomeadamente a flexibilização laboral. Agora, só deve pensar em ir para a Europa e poder rir à vontade… Ou seja, desde o primeiro dia que o actual governo anda à bolina, apertado entre um controle mínimo da parte da UE e um controle máximo dos seus parceiros de governação, que não fazem outra coisa que não seja puxar um pelo outro. No meio, o PS dá guinadas à esquerda, faz cativações à direita e acumula os privilégios imorais à função pública, como já concedera aos estivadores e a todos os sindicatos que levantam o dedo para pedir…
Na realidade, o primeiro-ministro nunca teve um plano, nem bom nem mau. Desde o início que não faz mais do que reagir às pressões. Por sorte sua, os esforços do governo anterior resultaram em pleno com a viragem expansiva da conjuntura mundial, com a invasão turística e a baixa das taxas de juro geradas pelos triliões do BCE. Alguém há-de ter-lhe dito, porém, que esta conjuntura não é eterna, conforme eu próprio chamei a atenção. No dia seguinte de manhã, já o Eurogrupo lhe tinha feito saber que o orçamento para 2018 entregue na véspera ia ter de ser revisto!
Segundo o Eng.º Cravinho, o descontrolo completo em que o primeiro-ministro entrou em Pedrógão Grande tem tudo a ver com o facto de aquilo que (cito) «falhou foi uma concepção de combate aos incêndios que era o modelo escolhido por António Costa como ministro da Administração Interna há dez anos». Por isso não podia demitir a ministra e foi de férias para fingir que não tinha nada com isso, entrando definitivamente em «denial», como diz Cravinho. Se Pedrógão foi uma tragédia e o 15 de Outubro outra igual, Tancos é ridículo e a habilidade do Infarmed simplesmente uma risota!
Entretanto, explica Cravinho, «Costa não entendeu o que se estava a passar e não tinha capacidade de comando». É então que «Marcelo lhe salta em cima». Pelo seu lado, «Costa estava inactivo… Achava que comandava o tempo e enganou-se por completo». A seguir, «Marcelo furou-lhe o jogo… Sabe que Costa perdeu aqui a maioria absoluta». O resto vale a pena ler. A iniciativa agora é do presidente da República que apenas espera a escolha do próximo líder do PSD. Seja ele Santana ou Rio, não só Marcelo o controlará como lhe imporá «um Presidente muito forte… que pode presidir ao Conselho de Ministros». Que eu saiba, é a primeira vez que alguém vai tão longe no seu vaticínio. Seja como for, Costa não fará mais do que reagir às situações que surjam e quem hoje o apoia facilmente lhe virará as costas.
