Na longa entrevista com chamada na capa que o «Público» dedicou há dias à «coordenadora» do Bloco de Esquerda, declara esta na parte final que «o país deve estar preparado para sair do euro». Nada a distingue aliás do PCP, bem como daquilo que Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral escreveram há mais de dois anos e cujo «racional» tive oportunidade de denunciar.
Entre outras afirmações bombásticas, Catarina Martins diz que «a dívida deve ser renegociada unilateralmente», declarando do alto da sua soberania que «a dívida pública não é um problema do nosso país e da nossa economia», como se Portugal não tivesse conhecido ameaças sucessivas de falência (1978, 1983-1985) antes de o «euro» existir e, na realidade, sempre que vigorou um regime político liberal! Só em ditadura (Salazar) o país não foi à bancarrota – com todos os custos que se sabe… mas nos quais, aparentemente, ela e os seus camaradas não se importam de incorrer, desde que seja, imagino, sob a égide deles!
Pensada ou não nesse sentido, a entrevista da porta-voz do BE foi publicada escassos dias antes da badalada «cimeira dos países do Sul da UE» em Lisboa, não só pondo à vista as contradições profundas que reinam na «geringonça» como embaraçando o primeiro-ministro português perante a opinião pública. Que credibilidade pode ter um governo minoritário do PS cujos únicos parceiros são ruidosamente contra a moeda única e o pagamento da dívida?
Com efeito, António Costa bem apresentou as habituais reivindicações dos países devedores acerca da convergência monetária que eles próprios não respeitaram, mas o grupo enquanto tal limitou-se a um vago apelo ao «fortalecimento do euro». Ora, este fortalecimento reside, segundo a Zona Euro, na adopção das chamadas reformas estruturais – e não meramente conjunturais, como a tal as reduziu num ano a coligação PS+BE+PCP – que permitirão, eventualmente, manter algum crescimento económico perante as ameaças americana e inglesa contra o projecto europeu e a moeda única.
Que confiança podem um eleitorado e um presidente da República ter nesta aliança governamental onde o partido que a encabeça pede o «fortalecimento do euro» e os outros dois querem «sair do euro», alegando Catarina Martins que «não há ninguém na Europa que hoje aposte muito na sustentabilidade do euro» e concluindo: «Depois do que aconteceu na Grécia, qualquer país europeu que se leve a sério deve estar preparado para o fim do euro ou para sair do euro»!
Ora, é tempo de chamar a atenção, neste momento de vertiginosas mudanças internacionais, para o facto de este discurso pretensamente soberanista ser, na realidade, descabido num país com as debilidades sócio-económicas e financeiras que conhecemos e que estão espelhadas em todas as estatísticas disponíveis, desde a performance económica virtualmente nula da última década e meia até ao baixo nível comparativo das competências escolares e ao acelerado envelhecimento da população.
Tal discurso assumido de forma cada vez mais clara pela extrema-esquerda portuguesa converge, afinal, não só com a extrema-direita soberanista de outros países, como até com os impenetráveis desígnios do novo presidente norte-americano e do aprendiz de czar russo. Só a retórica das questões fracturantes e da apologia de «refugiados» que não pensam em vir para cá separam, na realidade, o soberanismo de esquerda – seja cá, em Inglaterra ou na França – e o da direita mais patrioteira e arrogante.
Percebe-se, perante esta poluição ideológica veiculada pela maior parte dos «media», que uma fracção da população portuguesa seja tentada a apostar, por vezes, numa espécie de lógica do «quanto pior melhor», esperando que uma nova bancarrota ou, mais próximo ainda, um efectivo fortalecimento da moeda única europeia que deixe de fora países como Portugal e a Grécia (mas não a Espanha nem a Irlanda: porque será?), para recomeçarmos de novo a subir penosamente os degraus do regresso à União Europeia, pleno direito esse que não é meramente geográfico.
Também se percebe, inversamente, que o Presidente da República queira acreditar em que «tudo vai pelo melhor no melhor do mundos», mas arrisca-se, como aquela parte do eleitorado, a descobrir a falácia demasiado tarde. A actual turbulência internacional e o seu previsível crescimento no futuro próximo já só parecem apontar num sentido: «Quanto pior, pior!». É tempo, por isso, de o PR perder as suas ilusões ecuménicas e de o próprio PS reconhecer que os seus parceiros não são de confiança, especialmente na Zona Euro, como aliás aconteceu com a Grécia. Do ponto de vista partidário nacional, a evolução começaria no mesmo dia em que o PR e o PS tomassem consciência de que o seu «irritante optimismo», se teve algum sentido para alguns, tornou-se altamente perigoso na presente situação internacional.