“Ele é mesmo assim”. Foi com esta expressão que uma pessoa de um dos partidos da coligação definiu, entre o resignado e o chocado, o primeiro-ministro Passos Coelho, numa conversa recente. E não foi o único a quem ouvi isto. Em muitas conversas e discussões, tenho ouvido muitas pessoas, quase todas do PSD e do CDS, dizer isso, mesmo quando usam outras palavras. Aos simpatizantes do PS, tenho ouvido o mesmo diagnóstico, mas exprimido com mais alegria, “ainda bem que ele é assim.”
Em geral, ouve-se duas ‘acusações’. A primeira é de que “ele acredita mesmo que se deve pagar as dívidas.” E dizem-no com um som de perplexidade na voz, como se o PM fosse uma espécie rara. “Ele próprio vive em austeridade, um vida poupada e sem extravagâncias.” No fundo, a maioria da oligarquia política portuguesa continua a acreditar que a crise é passageira, e um dia o passado voltará, vestido de cor de rosa, e voltaremos a viver de crédito e a acumular dívidas. As dívidas são sempre para ser pagas no futuro, ou seja, nunca. Viver com um PM que discorda deste consenso nacional é uma revolução. Os anos de Passos Coelho serão conhecidos como um pesadelo que resultou da combinação entre a “ideologia neoliberal” e “teimosia pessoal”.
A segunda ‘acusação’ é formulada com um ar ainda mais chocado, “ele está mesmo nas tintas para as eleições”. “Continua a tomar medidas impopulares a menos de um ano das eleições” e, pior do que tudo, “diz a verdade aos portugueses”. Como é possível ganhar as eleições assim? A fazer o que é necessário? A dizer a verdade, quando a verdade é impopular? Ninguém ganha eleições com este discurso. E há outros que, naturalmente, acham que “o governo não tem uma política de comunicação” como, por exemplo, “tinha o Sócrates”. Como se pode ter uma “política de comunicação” a dizer “verdades impopulares”?
Na família socialista, ouço dizer, com evidente alegria, “ainda bem que ele não se preocupa com as eleições”. Cada vez que Passos Coelho anuncia mais uma medida impopular, os socialistas celebram com alegria “a falta de talento político do PM”. E a táctica de António Costa é clara. Falar o mínimo possível, evitar compromissos, e sobretudo não dizer a verdade, evitando ao mesmo tempo mentir; daí, o discurso vago e redondo. As verdades do PM e as medidas impopulares do governo serão suficientes para garantir a vitória eleitoral do PS.
Houve uma altura em que muitos portugueses se queixavam dos políticos que “mentiam” para “ganhar eleições”, lembram-se? Hoje, muitos dirigentes políticos estão convencidos do que o PSD vai ser derrotado porque o PM acredita na necessidade de reduzir as despesas e as dívidas e porque diz a verdade por mais desagradável que ela seja. Diz muito mais sobre o modo de fazer política em Portugal do que sobre o primeiro-ministro.