Vivem-se tempos estranhos na Europa. Há, por um lado, o campeonato europeu de futebol, igual a tantos outros. Mas, por outro lado, a Europa daqui a um mês poderá ser muito diferente da Europa de hoje. Enquanto os europeus seguem as suas seleções, o continente pode iniciar uma transformação cujo rumo será impossível de prever. O referendo britânico poderá começar uma revolução europeia. Mas as eleições em Espanha terão igualmente um elevado significado político. Se as sondagens estiverem certas – e acertaram em Dezembro do ano passado – será a segunda eleição, em menos de um ano, sem consagrar uma solução estável. Um acontecimento único na história da Espanha democrática. A única certeza será um governo minoritário.
Mas o ponto que me merece atenção aqui será a mais do que provável vitória do “BE espanhol” (o Podemos, agora mais Unidos) sobre o “PS espanhol” (o PSOE). Seria impensável há menos de um ano atrás, mas aparentemente é o que vai acontecer. O PSOE tem sido um dos dois grandes partidos da democracia espanhola e é uma referência importante da social-democracia europeia. Foi liderado por figuras históricas e alcançou maiorias absolutas. Hoje, corre o risco de se tornar no terceiro partido espanhol e o segundo entre as esquerdas de Espanha. Um desastre. E um sinal de uma revolução política na democracia espanhola. No dia seguinte às eleições o PSOE terá que escolher entre ser o número dois de uma coligação de esquerda ou permitir um governo minoritário da direita. Não será nada fácil e não se sabe o que acontecerá ao partido, seja qual for a escolha.
O que se passa em Espanha é semelhante ao que se passa nos outros países do sul da Europa, à excepção de Portugal: as esquerdas estão em guerra civil. Na Grécia, o Syriza destruiu o PASOK. Em Itália, o Movimento 5 Estrelas transformou-se no principal adversário do partido Democrata de Renzi e, em França, o PM socialista e o líder dos sindicatos de extrema esquerda estão numa luta sem fim à vista. Portugal é o único país do sul onde as esquerdas estão unidas.
Esta unidade poderá ser o principal contributo do talento político de António Costa. Se conseguir manter o PS como o maior partido das esquerdas e, simultaneamente, obrigar os outros a apoiar uma maioria de governo, Costa alcançará um grande triunfo político, sobretudo no actual contexto europeu. No entanto, é prematuro declarar a vitória. Este governo só tem seis meses de vida. Meio ano não é nada em política. E o governo tem grandes desafios para enfrentar nos próximos tempos.
Sei que existe uma enorme relutância em Portugal para se pensar em cenários políticos que parecem hoje impensáveis. Quase ninguém consegue imaginar o BE com mais votos do que o PS. Mas basta que este governo caia de um modo desastroso antes do fim da legislatura, para o BE poder ultrapassar o PS. Se o eleitorado britânico decidir tirar o Reino Unido da UE, o sul da zona Euro pode enfrentar uma crise financeira cujas dimensões são impossíveis de prever. No caso dos britânicos serem sensatos, uma combinação entre a crise do sistema financeiro nacional, uma economia fraca e as finanças públicas sob pressão (sobretudo se o programa de impressão de moeda do BCE acabar durante o próximo ano) pode levar igualmente a uma nova crise muito séria em Portugal.
Nesse cenário, não podemos excluir umas eleições sem a direita alcançar maioria absoluta e com o BE ligeiramente à frente do PS. Ou seja, o PSD como maior partido mas as esquerdas juntas com maioria absoluta, mas desta vez com o BE como o partido mais votado. Há um ano, no início do Verão de 2015, ninguém imaginava que teríamos hoje um governo do PS apoiado pelo BE e pelo PCP, ou um Podemos a ultrapassar o PSOE em Espanha. Mas temos. O que mostra que em política o impensável acontece.
O PS poderá um dia enfrentar o dilema que o PSOE vai enfrentar no dia 27 de Junho: participar numa maioria de esquerda com um PM do BE ou permitir um governo minoritário de direita. E o PS pode ser tentado a fazer o oposto do que pediu ao BE no final do ano passado. Hoje, já sabemos que o PS fará tudo para chegar ao poder. Mas ainda não temos a certeza que fará também tudo para permitir a unidade das esquerdas. De todo o modo, o que se passa em Espanha, legitima a seguinte questão: se o PS for o segundo partido num cenário de maioria das esquerdas, aceita um governo liderado pelo BE ou prefere ver um PM de direita?