“A prova constitui uma forma de garantia da equidade para todos os que ingressam na carreira docente, uma forma de garantia da qualidade do sistema de ensino (…) e ainda uma forma de garantia de uma melhor preparação do corpo docente”. Quem o afiançou, acerca da prova de avaliação dos professores, foi o ministério da educação de Maria de Lurdes Rodrigues (PS) que, em 2008, respondia assim a uma petição na Assembleia da República a solicitar a eliminação da prova. Agora que, em 2015, a prova é mesmo eliminada por iniciativa parlamentar de PCP/BE e com voto favorável do PS, em que ficamos? Para os socialistas, deixou de ser garantia de equidade, qualidade e melhor preparação dos professores? E, no seu lugar, o que surgirá? Certezas, não as há. É que, tal como aconteceu com a eliminação dos exames do 4.º ano, não houve debate ou discussão pública. Nem houve cumprimento do programa de Governo (p. 110), onde se aponta à suspensão e reponderação da prova (em vez de a sua eliminação). E muito menos houve um ministro da educação envolvido no processo, a quem se pudesse perguntar: qual a estratégia e qual o rumo?

Não é só estranho, é também uma opção com quatro consequências imediatas. A primeira é que todos os professores de matemática, química e português que chumbaram nessa prova (e que, como tal, ficaram impedidos de dar aulas) vão, afinal, ensinar matemática, química e português aos miúdos. A segunda é, precisamente, que esta opção agrada aos professores mas prejudica a escola pública face ao ensino privado, porque a associa à desconsideração dos critérios de qualidade e de exigência. A terceira é que, por via da cedência do PS aos partidos que apoiam o seu governo, ficou um vazio numa das frentes estratégicas de combate ao insucesso escolar. E a quarta é que essa cedência tem um preço: põe em causa tudo o que se construiu na Educação nos últimos 10 anos por PSD/CDS mas, também, pelo PS. Ora, visto que as duas primeiras se explicam por si mesmas, avancemos directamente para a questão estratégica.

A qualidade da formação dos professores é, por toda a Europa, uma prioridade das políticas públicas de educação, devido a uma evidência consolidada em dezenas de artigos científicos e relatórios internacionais: na escola, nenhum factor tem maior influência nas aprendizagens dos alunos do que o professor. Dito de outro modo, existe uma diferença tremenda entre aprender com um bom ou com um mau professor. Por isso mesmo, tantos países elegeram a introdução de critérios exigentes no acesso à profissão de professor como o centro da sua política educativa, sendo a Finlândia o exemplo mais conhecido – os finlandeses só confiam nos melhores entre os melhores para preparar as gerações futuras nas suas escolas. A questão estratégica resume-se, portanto, de uma forma muito simples: é legítimo discordar dos moldes da prova de avaliação, mas quem o faz tem a responsabilidade de lançar alternativas. Porque é realmente imperativo ter os melhores professores possíveis nas escolas. O PS sabe-o, e daí ter introduzido a prova em 2007, mas PCP/BE recusam-no. E o que aconteceu sexta-feira, no parlamento, foi a eliminação da prova nos termos de PCP/BE, em nome da recusa dessa exigência.

Foi mau, mas nem tudo se perdeu. Por exclusão de partes, e pela sucessão de episódios, ganhou-se uma resposta à incerteza que pairava no ar – afinal, quem manda na educação? Não será o ministro, a quem não se conhece uma posição ou plano estratégico sobre as várias medidas já tomadas no seu sector. Também não será o PS parlamentar, porque essas medidas violam compromissos eleitorais e até decisões anteriores dos seus governos. E não pode ser sequer o Tribunal Constitucional, que reconheceu em acórdão que “existem razões de interesse público que suportam a exigência da prova de avaliação”. Sobram, portanto, os sindicatos de professores e PCP/BE. Serão eles, respectivamente, o cérebro e a voz que delineiam o rumo da Educação? Parece que sim. Até porque é deles a única coerência política neste processo: são as suas lutas e as suas promessas eleitorais que estão a fazer lei.

Assim sendo, não se julgue que tudo isto é inócuo. A cedência do PS às corporações terá um preço elevado para o sistema educativo, pois implica não só o revogar do trabalho de PSD/CDS, mas também o do PS, como exemplifica a eliminação da polémica prova dos professores. Exames, prova de professores, requalificação profissional, descentralização, agregações de escolas. Até onde irá este ajuste de contas? Mário Nogueira já informou que há muito trabalho pela frente: “são muitas as questões porque foi longa e destruidora a acção do anterior governo e da anterior equipa do MEC e, de uma forma geral, nefasta a acção governativa na Educação ao longo da última década”. Ou seja, tudo o que PSD, PS e CDS construíram, na educação, durante a última década – aquela em que tanto se progrediu e colocou o país nas médias internacionais – está em jogo. Resta, apenas, a ténue esperança de que o PS não esteja disposto a arriscar tudo para ficar em São Bento.

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