Não houve debate. Não houve discussão pública. Não houve período de transição. Não houve demoras – nem se esperou que o novo ministro se ajeitasse na cadeira da 5 de Outubro. Por iniciativa do PCP e do BE, no primeiro dia do governo de António Costa, o parlamento aprovou a eliminação do exame do 4.º ano. E o mais curioso é que ninguém estranhou. Afinal, são eles, PCP e BE, quem define o rumo político quando se trata, como é o caso, de uma questão que não consta das “posições conjuntas” que o PS assinou? O que fez o PS da sua promessa eleitoral, agora inserida no Programa do XXI Governo (p. 105), de “reavaliar a realização de exames nos primeiros anos de escolaridade” – já reavaliou ou reavaliaram por si? E o que pensa o ministro sobre este tema?

Recorde-se que, quando Nuno Crato introduziu os exames no 4.º ano, o país dedicou horas a escrutinar a decisão e ainda mais horas mergulhado em comparações internacionais. Agora que é para os eliminar, não se consulta ninguém, não se executa um balanço dos seus efeitos, não há um minuto de debate público, não se admite uma observação, não se anuncia uma política integrada para a educação na qual encaixe essa eliminação. O PCP e o BE resolveram, o PS acenou, a Fenprof aplaudiu. Não há, portanto, outra interpretação possível: o PS aprovou a precipitação e escolheu a cedência ao PCP e ao BE, satisfazendo reivindicações sindicais e tornando irrelevantes tanto o seu programa como o seu ministro. Vai ser sempre assim?

A pergunta não é de pormenor, até porque a hierarquia política é apenas metade do problema. A outra metade está no perigo de tomar decisões sobre aspectos estruturais do sistema educativo – sector para ao qual se está sempre a pedir mais consensos e cautelas, e menos reformas e mexidas – em cima do joelho, sem ponderar consequências ou estudar alternativas. É que, nos moldes excessivos em que foi tomada, sem garantir um mecanismo de aferição e monitorização dos desempenhos escolares no 1.º ciclo, a eliminação dos exames do 4.º ano é um erro.

Há boas razões para defender a manutenção dos exames, assim como há boas razões para pretender a sua eliminação. Mas uma coisa é acabar com exames cujas notas têm influência na avaliação final e no percurso dos alunos. E outra coisa (inaceitável) é deixar um vazio de avaliação externa que impeça a monitorização das aprendizagens no 1.º ciclo, esquivando-se a substituir esses exames por provas de aferição – que não contam para a avaliação final, mas que servem para acompanhar a evolução dos alunos. Alguém sabe qual é o plano? Alguém percebe o que fica no lugar dos exames eliminados? Não se sabe, não se percebe.

Ora, é uma irresponsabilidade governar nestes termos, porque é impossível levar a cabo políticas públicas de educação sem monitorização dos resultados escolares – leia-se, sem a existência de uma avaliação externa (com ou sem impacto na nota final dos alunos). Gostem ou não PCP/BE disso. Porque é esse tipo de monitorização que permite avaliações internacionais (como o PISA da OCDE), que diagnostica as dificuldades de aprendizagem dos alunos a tempo de as corrigir, que possibilita o aperfeiçoamento das metodologias e do currículo, que facilita o apoio das escolas e dos professores aos alunos. Ou seja, a avaliação externa é um instrumento imprescindível para o sucesso escolar e para a promoção de igualdade, protegendo os alunos que mais precisam da escola para ultrapassar barreiras sociais e económicas. E, sem essa avaliação externa, a governação na educação converte-se numa navegação às cegas.

O PS sabe tudo isto. Ou, pelo menos, sabia-o nos tempos de Maria de Lurdes Rodrigues. Esperemos que não o tenha esquecido e que alguém emende o rumo. Mas os factos são o que são e, entre cedências perigosas, irrelevâncias políticas e precipitações desastradas, a legislatura começa mal na educação. Sobretudo porque, na sua base, arranca com uma incerteza inquietante: afinal, quem manda na educação?

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