A semana passada, a Pátria contemplou, embevecida, os tesouros de opções que os seus mais distintos filhos lhe estenderam aos pés. Segundo os sábios da tribo, é assim: de um lado, está a hipótese de fazer crescer a economia através das empresas e da exportação; do outro, a possibilidade de obter o mesmo resultado por meio do Estado e do consumo. E perante estes dois caminhos, é suposto os nativos irem para casa e meditarem: empresas ou Estado? Exportar ou consumir? Hayek ou Keynes? Por aqui, ou por ali? Como se tudo fosse possível e tivéssemos imenso por onde escolher.

Desculpem não conseguir levar a sério esta guerra do alecrim e da manjerona. É como se, quando muito desesperados, tivéssemos este jogo colectivo, em que nos dividimos em dois bandos teoricamente opostos, e fingimos ter imensas alternativas. Ou seja, sabendo que temos de fazer x, preferimos, em vez disso, discutir se devemos fazer y ou z. Perante a necessidade, optamos por examinar duas impossibilidades.

A quem não tenha de marcar pontos em serões televisivos, todo este pé de vento à volta dos programas do Governo, e do relatório do PS, terá de parecer bizarro. A maioria governamental pretende fazer o país prosperar através de empresas exportadoras? Vamos admitir que sim. Mas quando terá meios para impedir que a burocracia e o fisco nos continuem a tirar oportunidades e recursos, como até agora? O PS propõe-se pôr o Estado a gastar, para que possamos importar mais? Provavelmente. Mas onde está o dinheiro para multiplicar a despesa sem multiplicar o défice e a dívida?

Esqueçamos por uns momentos as etiquetas polémicas que os nossos oligarcas gostam de se colar uns aos outros. Deixemos descansar o “neo-liberalismo” de que o PS acusa o governo, e o “esquerdismo” de que o governo acusa o PS. Tanto a maioria PSD-CDS como o PS estão de facto comprometidos com o Estado social e com o Euro. Acontece que o Euro tem certas regras e que o Estado social tem certos constrangimentos. O Euro impõe o equilíbrio orçamental e o serviço regular da dívida pública. O Estado social determina uma despesa rígida, constitucionalizada. O Euro e o Estado social limitam, assim, qualquer variedade real. Resta, para consolo da Pátria, uma variedade imaginária. Talvez a actual maioria PSD-CDS goste mesmo das empresas, das famílias e dos cidadãos; e talvez o PS só se dê bem com o Estado e os seus funcionários. Mas nas circunstâncias actuais do país, essas preferências não bastam para termos uma revolução liberal, ou uma revolução socialista.

Estou a dizer que não há escolha? Há escolha, claro. Mas não é a escolha que os partidos e os comentadores dizem que há. Num país a envelhecer, com um Estado desequilibrado e endividado, desesperado por manter uma moeda forte e recuperar o crédito internacional, a escolha não é entre Keynes e Hayek, como todos andamos a fingir há uma semana. A grande questão para os Portugueses, a menos que queiram sair do Euro ou liquidar o Estado social (e sair do Euro seria, aliás, a melhor maneira de acabar na prática com o Estado social…), é decidir qual a combinação parlamentar e qual o Presidente da República mais adequados para levar o país a cumprir os compromissos internacionais de que dependem a estabilidade monetária e, por essa via, a defesa das poupanças, pensões, subsídios e salários contra a inflação devastadora de um novo Escudo.

De um lado, está a coligação PSD-CDS e o seu candidato presidencial, provavelmente um antigo dirigente nacional ou local do PSD. Do outro lado, o PS sozinho e o seu aparente candidato, o ex-reitor António Nóvoa. Qual é a melhor opção para manter Portugal no Euro e preservar o Estado social? Uma coligação que já durou quatro anos, ou um PS oscilando entre acordos à esquerda e à direita? Um presidente com experiência política, ou um presidente que sabe de cor as letras das canções de Zeca Afonso? É só isso que há para escolher. E já não é pouco.

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