A notícia do Observador sobre o falhanço da marca de comércio de luxo eletrónico Chic by Choice despertou as reações que se esperavam nas redes sociais. E, parecendo que não, foi um bom vislumbre da relação do país com o mundo das empresas.

A reação mais generalizada foi a alegria pelo insucesso das fundadoras da Chic by Choice. Como somos um país de encolhidos sem gosto por arriscar, adoramos que as pessoas que arriscam e criam (ou tentem criar) algo sejam punidas. Não há nada que irrite mais o português médio que o arrojo e a ousadia alheia. O atrevimento e as ambiciosas ideias de uns têm o condão de iluminar o conformismo dos restantes, o que ninguém leva a bem. Gostamos de manter a ficção de que não arriscamos por impedimentos esmagadores, falta de capital intransponível, necessidade de segurança para sustentar os filhos, a vizinha que nos lançou mau olhado e razões semelhantes. Se afinal alguém se atreve, fura este colete de forças, angaria recursos para criar uma empresa e um projeto do nada, bom, claro que começa tudo a rezar aos orixás para que castiguem severamente que teve este ímpeto de realizar o que os outros não conseguiram.

Outra reação foi a crítica e o moralismo porque a empresa falhou. Como se todos os empresários e gestores bem-sucedidos não tenham no CV alguns falhanços, alguns deles de boa dimensão. O empreendedor de sofá, que tem medo de arriscar mesmo se a feijões, entendeu julgar e moralizar aqueles que tentaram e falharam.

Mas este caso é também exemplar do nosso fascínio (e da Forbes) pelo pechisbeque e pelo que reluz. Impossível elencar todas as vezes que na comunicação se enamoram por empresas cheias de grandes rasgos e inovadoras que, anos depois, invariavelmente são logros, vão à falência, terminam atoladas em dívidas.

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Vibramos com o espalhafato, confundindo-o com a capacidade de realização e o bom senso que são, acima de tudo, necessários a uma empresa. Imensas fazem o seu trabalho sem empresas de comunicação, sem padrinhos estatais, sem alarido. Preocupam-se mais em vender e satisfazer clientes do que em serem conhecidas, badaladas, aparecerem nos jornais e revistas. Podem ser noticiadas, claro, mas não é esse o alfa e o ómega da atividade que prosseguem.

Mas este gosto pelo brilho em vez da substância também contamina os que arriscam e empreendem. O marketing é muito bonito mas não há marketing que valha a um mau produto. Por mim, rio-me em abundância de cada vez que leio nos jornais marcas que não oferecem produtos mas sim ‘conceitos’ ou ‘experiências’. Para ir jantar fora não se procura uma boa comida e ambiente catita, não, busca-se uma ‘experiência’. De seguida os empresários ficam tão obcecados com a experiência que esquecem a qualidade culinária e os clientes, injustos, abandonam-nos.

As minhas preferidas são as inovações de produtos que não têm nada que inovar. Dou como exemplo o chá. Todas as inovações – dos saquinhos a coisas demoníacas como cápsulas para máquina de café com ‘chá’ (persignem-se, se faz favor, perante tal heresia) – tornaram o produto pior e alguns (é o caso das cápsulas) produzem uma zurrapa que nenhum apreciador de chá considera chá. Só fazendo apelo ao meu mais arreigado liberalismo prescindo de clamar aos poderes públicos pela proibição destas blasfémias que usam a folha da camellia sinensis. Da minha experiência, quanto mais absurdo é o produto e mais se carrega no ‘conceito’, mais a comunicação social se deixa embeiçar.

Na Chic by Choice parece-me que houve marketing a mais, comunicação a mais, site a mais e produto a menos. Claro que, como de resto é usual nos negócios de moda, pode ter servido primeiramente para tornar afamadas as duas fundadoras e assegurar-lhe a visibilidade que lhes traga bons empregos. Assim sendo foi bem-sucedida.

Em todo o caso, tirando clientes que pagaram e que não receberam os vestidos (calotes não são bonitos), e opacidade neste fim da empresa, não há muito mais a apontar (se for só o que li) às criadoras. Tiveram uma ideia, tentaram, não correu bem, mas isso não envergonha ninguém, é passar à frente.

Causa-me mais espécie o papel da empresa estatal de capital de risco, a Portugal Ventures, que pelo que se percebe investiu massivamente na empresa e terá pesadas perdas. Começo pelo singelo facto de ser ferozmente contra uma empresa estatal deste tipo. O que faz uma empresa pública aplicando o dinheiro dos contribuintes em projetos muito arriscados? Que alma julgou adequado financiar uma start up ao volume de dois milhões de euros (entre os vários financiadores)? Não têm na Portugal Ventures quem tenha noção dos investimentos iniciais normais para uma PME? É que não estão de perto nem de longe, na maioria dos casos, nestes valores. Sei bem que os vestidos que a Chic by Choice alugava não eram baratos e podiam sempre ser vendidos em sample sales, mas ainda assim.

Se é necessário emprestar dinheiro a projetos e pessoas que não têm fácil acesso ao crédito, não era para isso que devia servir a CGD? CGD, mais uma instituição que melhor seria não pública. Mas, sendo, não é melhor emprestar dinheiro a estes projetos do que aos amigos do PS para grandes projetos ruinosos (os apadrinhados por Armando Vara vêm à memória)?

Alegria pela desgraça alheia. Punição para quem arrisca. Foguetório em vez de substância. Estado a meter-se onde não deve. Não digo que é um retrato do país?