John Fitzgerald Kennedy, um dos presidentes americanos mais admirados na Europa, lançou um único repto aos cidadãos no seu discurso inaugural em 1961: “não perguntes o que o teu País pode fazer por ti, mas sim o que podes fazer pelo teu País”.
Foi aplaudido entusiasticamente… e ignorado olimpicamente!
Tanto na América como na Europa, continuou a cavalgada do Estado para oferecer mais e mais aos cidadãos.
Em Portugal, a poucas semanas das eleições legislativas, ainda há muitas pessoas a prometer em doses astronómicas (nos partidos políticos), a pedir (na população, nos grupos profissionais, nas corporações) e a fazer (no governo) mais do mesmo, que é aumentar a dimensão do Estado.
Como se chegou aqui?
Nas sociedades primitivas, não havia Estado e o poder era exercido pelo líder da tribo. Desde então, as sociedades aumentaram de dimensão e complexidade e, entre muitas guerras e revoluções, foram sendo criadas instituições que visavam proporcionar condições de convivência entre as pessoas. Essas instituições, com parcelas de poder, vieram a constituir o Estado, que foi alargando progressivamente o seu âmbito de actuação e acumulando novas funções. O foco inicial de promover segurança evoluiu para promover liberdade e actualmente o foco é promover bem estar.
Essa evolução foi benéfica. Ter Estado a menos, como acontece em alguns países falhados, é muito mais perigoso do que ter Estado a mais. Mas o Estado está exausto na maioria dos países democráticos. Em Portugal a dívida pública é de cerca de 130% do PIB. Em 2013, a despesa de todas as entidades públicas consumiu aproximadamente 50% do PIB, sendo cerca de 54% com a segurança social.
Temos um círculo vicioso em que o Estado promete cada vez mais aos cidadãos mas, como não consegue cumprir, os cidadãos exigem cada vez mais ao Estado, forçando o aumento de impostos e o endividamento público.
É preciso quebrar este círculo vicioso, redefinindo as funções do Estado de maneira a promover o bem estar dos cidadãos, que deixou de estar assegurado em algumas áreas, por exemplo nas pensões de reforma e na protecção social. Felizmente existe consenso sobre a importância e a urgência da reforma do Estado, impondo-se reduzir os seus encargos de forma a ter as finanças equilibradas para recuperar soberania, o que é impossível com uma dívida pública excessiva.
Mas não é só o Estado que precisa de mudar, é todo o País. E para perceber como, há que considerar o contexto de globalização em que vivemos. Os países estão em competição global pelo bem estar das suas populações. É uma competição sem trégua nem fim à vista, em que Estado, empresas e cidadãos estão do mesmo lado, na mesma equipa. A perspectiva “público + privado” é mais construtiva do que a perspectiva “público vs privado”.
Portugal tem poucos recursos naturais e um mercado interno reduzido, ambos insuficientes para proporcionar o nível de bem estar que a população espera. Por isso o País deve organizar-se de forma a aproveitar as oportunidades que existem ou que existirão no mundo para exportar o conhecimento, a experiência, a tecnologia, os serviços e os produtos portugueses.
Neste contexto, sendo o Estado indispensável para o êxito do País e o bem estar das pessoas, quais devem ser as suas funções?
Há que distinguir três planos de intervenção: regulação, financiamento e execução.
Se a função for importante para a paz social, para a liberdade dos indivíduos ou para o bem estar, o Estado deve regular, mas não necessariamente financiar nem executar.
Se não for possível estabelecer uma relação directa entre quem executa a função e quem beneficia dela (por exemplo as infraestruturas, que são um benefício social para a população em geral, sem um beneficiário definido), o Estado deve financiar, mas não necessariamente executar. Pode haver excepções, em que o Estado também deve financiar, quando há situações de debilidade dos cidadãos.
Se houver necessidade de independência face a agentes económicos, o Estado deve executar. Se não existir essa necessidade e houver oportunidades para exportar, o Estado não deve executar, deixando isso às empresas. Assim, as empresas poderão desenvolver-se a ponto de conseguir explorar as enormes oportunidades que a globalização proporciona, trazendo riqueza para o País.
Com base nestas orientações, seguem alguns exemplos de como definir diferentes funções do Estado, estando assinalado (NÃO) onde deve haver mudança face à situação actual.
(1) Há excepções, em que o Estado deve financiar quando há situações de debilidade dos cidadãos. No Ensino, com escolaridade obrigatória, o Estado deve financiar um mínimo para todos os estudantes.
Importa realçar três pontos: regulação, subsídios às actividades económicas e pensões de reforma.
A regulação em Portugal é incipiente em muitas áreas, mas também é assim na esmagadora maioria dos países, por isso o País tem a oportunidade de se diferenciar se investir muito na sofisticação e na melhoria da qualidade da regulação, o que fortalecerá as empresas para a competição mundial. Quanto às falhas de mercado, se existem em Portugal é muito provável que também existam noutros países… em vez de financiar e executar, o Estado deve apenas financiar, contratando empresas que possam executar, as quais poderão mais tarde exportar os serviços associados.
Os subsídios às actividades económicas não são importantes para a paz social, nem para a liberdade dos indivíduos, nem para o bem estar, por isso não devem ser uma função do Estado. No quadro da União Europeia, há subsídios atribuídos aos países, dos quais Portugal tem beneficiado. Estes subsídios distorcem a concorrência e é preciso revê-los, tendo em atenção que impor limites à produção tem impactos negativos no emprego.
As pensões de reforma são financiadas pelo Estado e já é amplamente consensual que o modelo em vigor é insustentável. É imperativo criar um novo modelo baseado em poupança por parte do cidadão ao longo da vida (com um período de transição que tenha em conta a situação dos pensionistas actuais e dos que estão a alguns anos de se reformar), aumentar gradualmente a idade da reforma tendo em conta a esperança média de vida e ajustar situações anómalas. É possível estabelecer uma relação directa entre quem atribui a pensão e quem beneficia dela, por isso o Estado não deve financiar (excepto pensões mínimas para pessoas em situação de debilidade). Como não é preciso independência dos agentes económicos e há muitas oportunidades para exportar serviços de fundos de pensões, o Estado não deve executar, mas sim dar oportunidade para que diferentes empresas o façam.
Alguns pontos da tabela acima poderão parecer impossíveis. Mas não são. Na Suécia, um país com grande tradição social democrata, o Estado chegou à exaustão mais cedo do que noutros países e começou a dar espaço às suas empresas em áreas onde antes tinha o monopólio. Há vários exemplos da prestação de serviços por agentes privados na saúde, no ensino e na segurança social. Segundo dados da OCDE, entre 1995 e 2013 a Suécia diminuiu a despesa pública em 11% do PIB (de 64% para 53%) e entre 1998 e 2012 reduziu a dívida pública em 29% do PIB (de 83% para 54%).
A Suécia demonstra que é possível mudar o Estado em democracia, sem revoluções!
Por todo o mundo é possível observar diversas iniciativas de concessão de actividades do Estado a agentes privados e privatizações. Portugal pode explorar estas oportunidades se conseguir antecipar-se e se o Estado der condições para as empresas competirem globalmente.
Para isso é preciso que as empresas e o Estado actuem alinhadamente. As empresas desenvolvendo competências e o Estado regulando eficazmente e adequando os benefícios sociais às possibilidades do País. Com a riqueza gerada, o Estado terá superavits que reduzirão a dívida pública e permitirão ao País ganhar autonomia no seio da União Europeia, dando aos governos a possibilidade de definir e executar as suas políticas sem condicionamento dos credores. Só assim teremos bem estar sustentadamente.
Filipe Simões de Almeida é empresário