O chamado “conflito do Médio Oriente” está connosco há décadas. Nem por isso se tornou mais claro. Pelo contrário, tudo parece hoje um pouco mais confuso, como sugere a tendência para reduzir a questão a uma contabilidade macabra: as operações militares israelitas, segundo fontes em Gaza, terão provocado até agora 200 mortos; o Hamas, apesar dos seus esforços (mais de 1200 mísseis disparados), só conseguiu matar um israelita. Logo, tratemos de nos indignar e marchar contra Israel.
É absurdo. Imaginemos, por exemplo, o princípio aplicado à II Guerra Mundial. Em meados de 1944, os Aliados ocidentais iniciaram o bombardeamento sistemático das cidades da Alemanha; ao mesmo tempo, a Alemanha flagelava o sul de Inglaterra com mísseis. Os bombardeamentos anglo-americanos terão feito, aceitando os números de Jorg Friedrich, 600 mil vítimas civis, incluindo 76 mil crianças; os mísseis alemães mataram cerca de 9 000 pessoas.
Vamos dizer que as democracias ocidentais eram piores do que a ditadura nazi? Não: vamos dizer que, com mais recursos, puderam causar maiores danos. Os nazis conduziam então o extermínio da população judaica da Europa e projectavam instalar uma ordem racial em que a maioria dos europeus seria classificada como seres inferiores. Era isso que os diferenciava dos Aliados, não os resultados das respectivas campanhas aéreas em 1944-1945.
Podemos (e devemos) lamentar o uso de certos meios. Mas a distinção moral entre forças combatentes não se faz na frente de combate. Aí, a regra para bons e para maus é infelizmente a mesma: tentar causar o maior prejuízo possível ao inimigo. Se pretendermos separar moralmente Israel e o Hamas, pensemos antes no rapto e assassinato dos três adolescentes israelitas em Junho. Em represália, um adolescente árabe teve a mesma sorte. Ora, o governo de Israel condenou o homicídio do jovem árabe e identificou e prendeu os seus autores. Do outro lado, o Hamas nem sequer foi capaz de condenar o assassinato dos três jovens israelitas, cujo rapto um seu porta-voz terá mesmo louvado. Eis aqui dois padrões de moral e de direito. E se não vemos tudo aquilo de que o regime intolerante e misógino do Hamas é capaz, é apenas porque não tem os recursos de Israel. Se tivesse, Israel já não existiria.
Perante a proposta egípcia de cessar-fogo, o Hamas deixou claro que prefere a guerra. A sua estratégia é óbvia: confrontar o Estado judaico com um dilema: ou Israel continua a controlar territórios e populações fora das suas fronteiras, aviltando-se numa ocupação sem nobreza e sem futuro, como acontece na Cisjordânia, ou retira, como fez no sul do Líbano e em Gaza, apenas para ver movimentos como o Hamas ou o Hizbollah converterem essas áreas em bases de guerra e sujeitarem os habitantes aos “martírios” da sua propaganda.
O governo de Israel diz que o objectivo da corrente operação militar em Gaza é estabelecer a paz “de uma vez por todas” (expressão usada pela embaixadora de Israel em Portugal, num artigo publicado ontem). Mas nenhuma operação militar deste tipo, devido aos limites humanitários e aos constrangimentos diplomáticos que Israel aceita, será alguma vez decisiva. A grande questão é saber quanto tempo pode um Estado democrático e de direito, como Israel, sobreviver a uma guerra sem fim. Por enquanto, tem os meios materiais necessários. Mas até quando? É que se um dia lhe faltarem, não teremos muito tempo para lastimar Israel.