Recapitulemos. O essencial da estratégia do governo, largamente anunciado e prometido antes e após as eleições, era privilegiar o crescimento económico e o investimento e, com o impulso dessa dinâmica, baixar o défice orçamental e a dívida. As medidas essenciais para promover o crescimento da economia eram a reposição de rendimentos das famílias. Diz o Programa do Governo (como já antes dizia por palavras semelhantes o documento “Uma década para Portugal”, elaborado pelo grupo de economistas liderado por Mário Centeno) sobre o primeiro dos seus “quatro objectivos essenciais”: “O virar de página na política de austeridade e na estratégia de empobrecimento, consagrando um novo modelo de desenvolvimento e uma nova estratégia de consolidação das contas públicas assente no crescimento e no emprego, no aumento do rendimento das famílias e na criação de condições para o investimento das empresas”. Dez meses depois há sinais de que esteja a resultar?

Alguns rendimentos foram, de facto, repostos. Os cortes salariais da função pública estão a ser revertidos a um ritmo mais rápido do que previa o anterior governo. E a anulação da sobretaxa de IRS também, aumentando o rendimento das famílias. Esta era a parte fácil e simpática do governo, bastando assinar decretos ou fazer aprovar leis pela maioria parlamentar de esquerda. Em contrapartida, e porque não há milagres, outros impostos sobre o consumo subiram, retirando uma parte dessas reposições do outro bolso dos contribuintes.

Certo é que nada disso se está a converter no crescimento e no investimento que eram o alfa e o ómega da política do governo. Ainda assim, com os dados conhecidos, há um esforço para manter o défice orçamental sob controlo e o primeiro-ministro garante mesmo que ele vai ficar abaixo de 2,5%. Ora, se a tal estratégia virtuosa de consolidar as contas públicas através do crescimento económico não está a funcionar, então isso está a ser conseguido com o aperto ou adiamento da despesa do Estado. Menos mal. Mas, como metodologia, não é nada de substancialmente diferente do que vimos durante os quatro anos de troika. A intensidade é diferente porque a emergência das contas públicas também é diferente, já que este governo herdou um défice muito inferior ao que tínhamos em 2010 e 2011.

Esta tem sido a história da nossa vida económica e orçamental da última década e meia e não é por acaso que continuamos com um problema sério de sustentabilidade das contas públicas. Vamos disfarçando com medidas casuísticas e temporárias de maior ou menor emergência mas à mínima distração a derrapagem espreita. O aumento da dívida pública é um sinal disso mesmo e volto a citar o programa deste Governo no balanço que fazia da legislatura anterior: “Em vez de baixar, a dívida pública, que é o principal indicador da saúde das finanças públicas, aumentou”.

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Conhecendo minimamente o que se está a passar e acrescentando-lhe a fragilidade da banca não podemos ficar surpreendidos com os alertas e os avisos que vão sendo feitos, venham eles do Presidente da República , de agências de rating ou da imprensa económica internacional.

Se o governo reverteu uma série de medidas dos últimos anos, mudando a estratégia da política económica e orçamental, à espera de obter resultados e benefícios que tardam em aparecer, alguma coisa está a falhar.
Confirmamos isso quando ouvimos o ministro das Finanças admitir que evitar um novo resgate é a sua “principal tarefa”.

Ora, isto é uma mudança radical no principal objectivo do governo. De “um novo modelo de desenvolvimento” passámos para “evitar um segundo resgate”. Achamos que já não conseguimos ganhar e entrámos na fase de tentar perder por poucos? A última vez em que o grande objectivo da governação passou a ser evitar o desastre e fazer o controlo de danos possível foi em 2010. E não correu bem, como sabemos. O país dispensa a repetição do filme mas o caminho está a tornar-se cada vez mais estreito e a margem de manobra cada vez mais escassa.