A administração da CGD renunciou ao mandato e no quadro da lei terá de sair para a semana se não lhe for formalmente pedido para ficar. A gestão está reduzida a quatro pessoas. Basta uma não estar e o banco deixa de ter quórum para tomar decisões. Mais de nove mil colaboradores assistem ao anúncio de despedimentos baseados num plano de reestruturação feito fora do banco. Aquela que era para ser a comissão de avaliação da nova administração viu o seu mandato mudar a meio dos trabalhos, levando à demissão dos seus membros. Os cidadãos em geral ouvem o ministro das Finanças falar de um desvio que afinal diz respeito ao plano a três anos da CGD do qual o próprio ministro também é co-autor. Uma carta do BCE, conhecida há quase um mês, acaba por revelar que o processo de aprovação da nova administração, anunciada em Abril, estava ainda em Lisboa.

Em Abril ficamos a saber que António Domingues, administrador do BPI, seria o novo presidente da CGD. Trazia consigo uma administração com nomes de peso na gestão, na sociedade e na banca. Os elogios foram obviamente muitos e merecidos. António Domingues tem uma longa carreira na banca como administrador financeiro.

Praticamente na mesma altura, em meados de Abril, foi conhecida a equipa que iria fazer a avaliação da administração. Fernando Teixeira dos Santos, Miguel Pina e Cunha e Vasco d’Orey eram os membros deste órgão que teria um mandato de três anos. Passado um mês sabe-se que afinal Fernando Teixeira dos Santos vai para o BIC e por isso terá de sair da comissão de avaliação que estava obviamente já a trabalhar com a CGD.

De repente, entre finais de Junho e início de Julho, mudam as regras. A Comissão de Avaliação passa ser temporária em vez de ter um mandato de três anos, como inicialmente tinha decidido o ministro das Finanças. Miguel Pina e Cunha e Vasco d’Orey obviamente demitem-se. E no início de Julho entra em funções uma equipa totalmente nova. A comissão transitória que vai avaliar a independência, competência e idoneidade da administração da CGD é agora composta por Laginha de Sousa, ex-presidente da Euronext Lisboa, Francisco Veloso, reitor da Universidade Católica e Patrícia Lopes da Porto Business School.

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A análise da comissão de avaliação, à equipa e a cada um dos membros da administração da CGD proposta pelo Governo, é por onde começa todo o processo que termina no BCE. A avaliação desta comissão servirá de base para o trabalho que a seguir o Banco de Portugal terá de fazer para enviar para o BCE que terá a última palavra.

Neste processo já se perderam pelo menos dois meses por causa de uma mudança de opinião do Governo sobre o mandato da comissão de avaliação. Primeiro era uma comissão definitiva que teria a seu cargo a avaliação da administração ao longo de três anos. No início de Julho passou a provisória, revelando que a meio do caminho se mudou o modelo de governo da CGD que já estava decidido em Abril. Com isso atrasou-se o envio da documentação para o Banco de Portugal e deste para o BCE.

Como será a comissão de avaliação definitiva? Poderá sair da própria administração da CGD o que não dá, naturalmente, as mesmas garantias de independência.

O caso da comissão de avaliação é muito importante, pelo sinal que dá de ausência de convicção e porque explica parcialmente o atraso na tomada de posse da nova administração. Mas o pior é que os episódios não se ficaram por aqui.

Temos depois os milhões que são necessários para o banco. Quatro a cinco mil milhões são os montantes que têm sido referidos pela comunicação social baseados em fontes governamentais. E pergunta-se: porquê e para quê tanto dinheiro? A Caixa não pode ter um modelo de limpeza geral de créditos em risco e todos os outros bancos seguirem a política que foi escolhida desde a entrada da troika, de ir registando as imparidades ao longo do tempo. Com essa dimensão de números criam um problema aos outros bancos, com especial relevo para o BCP. Ou será que não se compreendeu isso? Não se pode considerar que o crédito a uma determinada empresa, com financiamentos em vários bancos, tem de ter imparidades na CGD e não tem de ter nas outras instituições financeiras.

Esse é um “não problema” , dir-se-á. Resolvido por natureza uma vez que, não há dinheiro e, mantendo-se as actuais regras, dificilmente se conseguirá provar à toda poderosa direcção-geral europeia da Concorrência que existiria a possibilidade de um investidor privado colocar esse dinheiro todo num banco com a dimensão da Caixa.

Ao mesmo tempo que se diz que a Caixa precisa desses milhões, o Governo resolve dar aos novos gestores salários mais elevados. Parecendo populista e menor, este é mais um contributo para a desestabilização da CGD. Claro que gestores de topo devem ser bem pagos. Mas quando estamos a falar de um sector que vive uma conjuntura de prejuízos ou de margens de lucro mínimas, de um banco que precisa de fazer uma profunda reestruturação, com despedimentos e que precisa de quatro a cinco mil milhões de euros, o bom senso recomendaria que se mantivesse a mesma política salarial. Qualquer empresa privada faria isso.

Mais recentemente conhecemos a equipa de gestão executiva. Os colaboradores da CGD ficam a saber que o seu futuro presidente escolheu uma equipa composta por colegas do BPI e um ex-colega que está agora na Caixa. São com certeza gestores de elevada competência. Mas têm de ser todos do banco de onde vem António Domingues? Não há gestores noutras áreas? E na própria Caixa? Imagine-se o efeito que esta estratégia tem nos colaboradores da CGD.

Claro que todo este processo tinha de desencadear uma reacção da administração em funções. Maria João Carioca saiu para presidir à Euonext Lisboa. O primeiro a perder a paciência e a bater com a porta foi Nuno Fernandes Thomaz. E no fim de Junho foi a vez de toda a administração apresentar a sua renúncia ao ministro das Finanças. Neste momento a equipa de gestão executiva da CGD é composta por quatro pessoas, o número mínimo para se tomarem decisões. Basta um não estar para não se poder decidir nada.

Imagine-se o que é estar a gerir um banco da dimensão da Caixa e ver que o seu accionista já nomeou uma nova administração, que está preparar um plano de reestruturação, que nada disse sobre o plano de reestruturação que lhe apresentou, que anuncia despedimentos e que diz que o banco que dirige precisa de um aumento de capital da ordem dos cinco mil milhões. É preciso ter um enorme espírito de serviço público e de dedicação para aguentar tudo isto sem bater com a porta. (E com toda a certeza que só conhecemos parte dos episódios de desrespeito e desconsideração por uma equipa que, sem a generosidade do accionista, como outros bancos beneficiaram, manteve a CGD como pilar de confiança durante toda a tempestade que vem desde a entrada da troika).

Como se não bastasse tudo isto, o ministro das Finanças resolve dizer no Parlamento que há um “desvio”, palavra proibida para qualquer empresa, no plano que a Caixa fez. O desvio, como se sabe, compara os resultados atingidos com o que estava previsto. O ministro esqueceu-se que as previsões de resultados basearam-se numa determinada previsão de evolução da economia e das taxas de juro que foi feita no Banco de Portugal, quando era esse o trabalho de Mário Centeno. Ninguém, obviamente, conseguiu prever em 2011 que estaríamos com taxas de juro negativas em 2016. Mas isso é o menos grave. O mais grave é a utilização da palavra ‘desvio’, quando se está a comparar previsões com realidades. Mais grave ainda quando a empresa é um banco numa altura em que a confiança no sistema financeiro está fortemente abalada.

O que se está a passar com a Caixa é um exemplo de tudo o que um accionista não deve fazer com uma empresa, seja ela de que sector for. Os erros, até agora cometidos, podem não determinar o fracasso total das escolhas feitas. Vão seguramente dificultar os objectivos e resultados que se querem atingir.