Quem ganhou o debate? Vou ser sincero: detesto esta pergunta. Não gosto de olhar para estes confrontos da mesma forma como se olha para um combate de boxe. Mas fi-lo – é a regra – na RTP na quarta-feira, ainda a quente, e não encontro muitas razões para mudar o meu veredicto: o debate deixou Pedro Passos Coelho e António Costa mais ou menos onde estavam, repetindo os mesmos argumentos, às vezes os mesmos exageros.

Por isso não creio que tenha sido muito esclarecedor para os indecisos, mesmo tendo António Costa tido vantagem na forma, porque esteve ao ataque ao mesmo tempo que Pedro Passos Coelho sofreu da pecha de sempre, isto é, alongou-se sempre tempo demais em explicações. Já no conteúdo, tendo sido o debate falho de novidades, também foi falho de gaffes. Mas mesmo aí, se Passos não ganhou vantagem, como poderia ter ganho se tivesse sido mais directo, Costa acabou por estar pior porque exagerou na demagogia e fugiu sempre às perguntas mais concretas dos jornalistas. Nisso chegou a ser quase desagradável.

Sendo assim, e se fosse um combate de boxe, daria uma vitória tangencial a Costa. Como foi um debate político, acho que não foi suficientemente marcante para nenhum dos lados de forma a mudar os dados essenciais desta campanha. Desse ponto de vista, como o debate era mais importante para Costa do que para Passos, não creio que a sua vitória apertada e mais formal do que substancial consiga catapultá-lo para uma vitória decisiva. Mas permite ao PS regressar à rua com mais optimismo, o que não é coisa pouca.

Mas, além deste tipo de análise, é bom sublinhar que o debate foi também a reafirmação de duas estratégias de campanha e de duas formas de ver o futuro do país. Nisso não deixou de ser esclarecedor.

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A estratégia de Passos é simples, e não é apenas fazer de morto, como por aí se diz. Pelo contrário. Ela assenta em três pilares: primeiro, estes anos foram duros, mas o pior já passou; segundo, os portugueses conhecem-me e sabem que comigo não haverá aventuras; terceiro, o PS não merece confiança porque quer repetir alguns erros do passado e insiste em fazer promessas a mais.

Já a estratégia de Costa é mais complexa, porque tem de falar para dois eleitorados muito diferentes. Por um lado, tem de parecer prudente e de inspirar confiança aos eleitores que receiam o regresso das imprudências do passado. Por outro lado, tem de ser o mais anti-troiquista possível, pois necessita de ir buscar votos à sua esquerda. É isso que o obriga a nuns dias falar serenamente de números e contas, com economistas ao lado, e nos outros dias carregar no quadro negro do país, recusando-se a aceitar que as coisas já estão a melhorar. Foi isso que o impediu de responder às perguntas concretas e directas dos moderadores.

Nenhum dos dois saiu deste guião, e por isso nenhum quis falar muito do futuro. O passado é, afinal, terreno mais firme e já conhecido. Porque é no passado que está o fantasma de Sócrates, que Passos quer que não seja esquecido nesta campanha. E também porque são do passado as promessas eleitorais irrealistas de Passos na campanha de 2011, promessas que Costa recordará as vezes que forem necessárias.

Mas não é só neste jogo que se decidirá quem vence e quem perde a 4 de Outubro. Nesse dia a vantagem também irá para quem acabar por se mostrar mais sintonizado com o estado de espírito dos eleitores.

Se ainda for muito grande a zanga com um Governo que teve de aplicar medidas duríssimas, o terreno será de Costa, mas tudo indica que essa zanga só por si não lhe chegará: surpreendentemente a oposição socialista não tem de esperar apenas que o Governo perca, como é tradicional e se esperaria depois de anos tão difíceis, tem de ser ela a ganhar.

Isto acontece porque há muitos sinais de que a zanga também atinge o próprio PS, pelas suas responsabilidades passadas, como há sinais de estar a ser substituída pela percepção de que as coisas estão mesmo a dar a volta. Não estarão melhores do que há quatro anos, mas hoje sabemos que quem falhou nas previsões foram os catastrofistas. Se até 4 de Outubro esta percepção se solidificar, a vantagem é da coligação, pois o “virar de página” anunciado por Costa, a sua mudança de rumo, pode inspirar mais receios do que esperança.

Gato escaldado de água fria tem medo, e o medo de voltar para trás é grande. Mais: o que se passou na Grécia, mesmo não sendo o PS o Syriza, longe disso, levou a que todos entendessem que isto de “virar páginas” não acontece apenas porque nós queremos, mesmo que o referendemos. Tem de haver dinheiro nos cofres.

Mas o debate, mesmo falando pouco sobre o futuro, mesmo tendo os dois candidatos sido muito vagos – António Costa teve momentos em que foi pior do que vago, fugiu teimosamente às perguntas que lhe eram feitas, comportamento que não creio tenha inspirado muita confiança nos indecisos – permitiu-nos também perceber até que ponto são diferentes as estratégias defendidas para o futuro. De lado do PS, aposta-se num estímulo à economia por via do consumo; do lado da coligação acredita-se que um crescimento saudável só sucederá com mais abertura da economia e mais exportações – exportações que depois paguem o aumento do consumo, não o inverso.

O risco das propostas socialistas é o crescimento que julgam poder induzir por via dos estímulos ao consumo não aparecer (até porque as pessoas estão hoje mais prudentes, mesmo já estando menos assustadas e já tendo recomeçado a consumir). Nesse caso ficaremos com um buraco nas contas – mais um – e sem uma economia capaz de o compensar.

Esse risco não existe na estratégia proposta pela coligação, que prefere um caminho mais gradualista, prometendo muitas vezes o mesmo (acabar com os cortes na administração pública, por exemplo), mas fazendo-o ao ritmo que a economia permitir. Podemos dizer que é menos inspirador, mas ao confiar mais nos portugueses e nas empresas portuguesas, acaba por representar uma mudança de paradigma maior do que a proposta pelo PS.

No resto, sobretudo nas políticas sociais, já se percebeu que vai mesmo ter de haver convergência, até onde as diferenças parecem profundas, como é o caso da segurança social. Não faz qualquer sentido, por exemplo, que se fale em pacto de legislatura para a política de obras públicas e se finja que não necessitamos de um pacto de muitas legislaturas, até de gerações, se quisermos consertar o sistema de pensões. O coligação deseja-o e sabe que nunca conseguirá uma reforma de fundo sem um acordo alargado. O PS também sabe que enfrenta essa inevitabilidade, mas por enquanto prefere sossegar a sua esquerda e gritar contra uma proposta de plafonamento que até é bastante circunscrita e pouco ambiciosa.

E assim chegamos à questão final, que foi também a questão final do debate: a da governabilidade. Ninguém quis abrir o jogo, porque se finge dos dois lados que ainda se pode chegar à maioria absoluta, mas algo ficou claro: Passos já sublinhou que dará prioridade à estabilidade e não aos interesses do seu partido; Costa preferiu jurar que não terá de fazer acordos à direita, porque está pressionado à esquerda, mas a verdade é nessa esquerda nunca terá os apoios de que necessita – nunca terá sobretudo os apoios que viabilizem as reformas de que o país precisa.

Por isso tudo o debate até acabou por ser esclarecedor. De um lado, vimos o jogador de xadrez que vai fazendo avançar prudentemente os seus peões, casa a casa, e do qual não se esperam grandes surpresas. Do outro, o entusiasta cheio de auto-confiança que está disposta a correr mais riscos, porventura até a trocar o xadrez pelos dados.

Em contrapartida, onde o debate foi pouco ou nada esclarecedor foi sobre a forma diferente como aqueles dois homens olham para as reformas que teremos que continuar a fazer. Isso não aconteceu porque ninguém quis cometer erros e, sobretudo, porque ninguém é capaz de dizer que essas reformas terão sempre um lado doloroso e que, sem petróleo no Beato nem milagres das rosas, o nosso destino por muitos e bons anos, talvez décadas, é a contenção orçamental e ter muito juizinho. Essa é uma realidade que Passos já interiorizou e que Costa ainda não é sequer certo que tenha entendido.

E assim vamos, a menos de um mês das eleições.