Muito se tem dito e escrito sobre Jesus. Alguns não escondem o seu despeito por alguém que consideram materialista, interesseiro e oportunista. Outros, pelo contrário, olham com expectativa para o novo messias, de quem esperam o milagre da taça, condição necessária para que uma esponja limpe o seu passado de subserviência ao adversário. Num ambiente ainda crispado pelas emoções, não é fácil chegar a um veredicto objectivo e desapaixonado. Mas, mesmo que persistam algumas dúvidas, uma conclusão pode ser desde já adiantada: Jesus não é, decididamente, um bom treinador.

Talvez alguns pensem que quem o diz é um lampião ressentido, que quer aproveitar este espaço para verter o seu ressabiamento clubístico, ou então um fervoroso adepto do seu eterno rival, agora detentor do promissor treinador. Nem uma coisa, nem outra. Na realidade, o mister a que se refere esta crónica nem sequer é o alvo dos noticiários desportivos destes últimos tempos, mas um seu remoto homónimo que, há coisa de dois mil anos, também foi um polémico treinador.

Não consta que Jesus, o outro, tenha alguma vez assumido quaisquer funções directivas no clube futebolístico de Nazaré que, a ter existido, não deixou rasto. Todos os dias aparecem novas ‘evidências arqueológicas’ acerca de Jesus mas, que se saiba, ainda ninguém negou que Jesus de Nazaré, depois de carpinteiro, foi mesmo treinador.

Com efeito, quando começou o seu magistério público, Cristo escolheu uma equipa de colaboradores, os apóstolos. Se onze são os jogadores de uma equipa de futebol, doze eram os discípulos mais próximos do galileu, embora tivesse muitos mais adeptos porque, numa ocasião, enviou setenta e dois destes a pregar. Entre estes últimos devia haver todo o tipo de gentes, mas aqueles doze eram a sua selecção, porque foram pessoalmente escolhidos pelo Mister.

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Acontece, contudo, que aquela equipa deixava muito a desejar. Em termos intelectuais, aqueles jogadores eram bastante primários. Não eram propriamente pessoas muito inteligentes, porque não entendiam, muitas vezes, o que o Mister lhes dizia nos treinos. Para suprir esta sua insuficiência, Jesus tinha que lhes dar explicações suplementares, como se costuma fazer com os maus alunos.

Do ponto de vista táctico, eram também bastante limitados: enquanto o Mister lhes falava continuamente de um outro campeonato, o do reino dos céus, as suas expectativas não iam além do título de campeão nacional. Em vez de temerem a equipa do maligno, o principal adversário, receavam a formação rival dos fariseus.

Também não eram grandes corações: abundavam, entre eles, as discussões de balneário, por mesquinhas rivalidades. Numa ocasião, quando a equipa, a caminho de Jerusalém, foi mal recebida na Samaria, Tiago e João quiseram que descesse fogo do céu e destruísse os samaritanos, ao jeito do moderno apedrejamento dos autocarros das equipas contrárias. Quando uma desesperada fã suplicou a Jesus, aos gritos, a cura da filha muito doente, em vez de dela se compadecerem ou de por ela intercederem, pediram ao Mister que mandasse calar a mãe, o que também não denota bons sentimentos (Mt 15, 21-28).

Seriam, pelo menos, piedosos? Não parece, porque Cristo retirava-se sempre sozinho para os lugares onde, de madrugada ou à noite, rezava. Mesmo quando, na iminência da grande final, pediu à sua equipa que se concentrasse e se unisse à sua prece, no estádio do horto das oliveiras, não o logrou e ficou, mais uma vez, só. Foi aliás sozinho que ele ganhou a copa do mundo (Jo 16, 33).

Mesmo em termos físicos, a selecção deixava muito a desejar. Bartolomeu, também chamado Natanael, foi apanhado a dormitar debaixo de uma figueira. Tomé, outro dos jogadores, tinha tão pouco espírito de equipa que só acreditava nos golos que via. Filipe, também titular, queria ver o presidente do clube, por duvidar que ele e o Mister fossem um só. Mais estranho é que o veterano da equipa, Simão, apesar de ter negado por três vezes o treinador, que o chamou Satanás, ou seja o nome do presidente do clube maligno, não viu rescindido o seu contrato, nem sequer deixou de ser o capitão da equipa! Pior ainda: o traidor, Judas, que era ladrão e roubava para a equipa contrária, tinha sido igualmente escolhido pelo treinador que, sabendo da sua má índole, nunca o deveria ter contratado.

Será que um tão rotundo falhanço se ficou a dever à falta de bons candidatos? De modo algum porque, entre os contemporâneos do Mister de Nazaré, encontrava-se o seu primo João Baptista, um autêntico campeão da fé, e seu amigo Lázaro, que ele ressuscitou e que, portanto, depois dessa fantástica recuperação, deveria estar em excelente condição física.

Até tinha quem lhe financiasse os passes mais custosos, porque eram seus amigos Nicodemos, “um chefe dos judeus” (Jo 3, 1); Maria, que lhe ofereceu “uma libra de perfume feito de nardo de grande preço” (Jo 12, 3); e José de Arimateia, o abastado discípulo em cujo sepulcro ele viria a ser sepultado (Mt 27, 57). Nenhum presidente de clube lhe fechou a torneira das contratações, nem nenhum constrangimento orçamental o impediu de optar pelos melhores da Galileia, da Judeia e da Samaria.

Como afirmou Marcos, uma espécie de redactor do jornal desportivo da época, o Mister escolheu “os que quis” (Mc 1, 13). Quer isto dizer, sem sombra de dúvida, que ele, o treinador, foi o único responsável pelo seu próprio plantel.

Não, decididamente Jesus não foi um bom treinador. A equipa que ele formou era, a todos os títulos, lamentável. Ninguém contrata jogadores tão fracos como aqueles que o Mister de Nazaré, consciente e voluntariamente, escolheu. Porque o fez?! Talvez para que ninguém se sinta, por aselha que seja, indigno desta equipa, a Igreja, para a qual ele chama todos os homens e mulheres, garantindo a todos os que nela perseverarem por amor, a vitória final.

Sacerdote católico