Em Outubro de 2015, os eleitores portugueses escolheram entre dois candidatos principais a primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho e António Costa. Optaram maioritariamente por Passos Coelho. Mas umas semanas depois, António Costa, o derrotado, agarrou a desesperada disponibilidade de outro derrotado, o Partido Comunista, que trouxe a reboque o Bloco de Esquerda, e fez os acordos necessários para alcançar no parlamento o que não conseguira nas eleições. Costa fez-se assim primeiro-ministro. Foi há dois anos. Mas agora, depois de aprovado o Orçamento de Estado para 2018, parece haver duvidas outras vez. Quem é o primeiro-ministro? No Diário da República, ainda é António Costa. Mas no Orçamento de Estado, parece que também é Arménio Carlos, à frente dos sindicatos comunistas a quem o governo cede e concede.

Durante dois anos, as eleições de 2015 foram apagadas da história do regime. Se era preciso criticar o governo, que se falasse de “problemas de comunicação”. Da noite de 4 de Outubro de 2015 é que não. Mas esse permanece o ponto de partida necessário para compreender o que se está a passar. A tradição de o governo caber aos partidos vencedores das eleições e não aos derrotados, tinha a sua razão de ser, tal como o costume de os primeiros-ministros precisarem de um mandato eleitoral e não apenas de uma maioria parlamentar. Viu-se isso com Pedro Santana Lopes em 2004, e está-se a ver agora com António Costa. Quando o poder político, numa democracia como esta, não tem a força de uma vitória eleitoral, isto é, da convicção dos eleitores, tende a tornar-se um vazio que nenhum Diário da República, manobra parlamentar ou feitiço orçamental serão capazes de preencher. Aos que hoje se queixam do que antes eram “habilidades” e a que agora chamam “cambalhotas tristes”, ou aos que descobriram que o “fim da austeridade” é afinal a “rendição à Fenprof”, é preciso perguntar: que esperavam, nestas circunstâncias, que António Costa fizesse para se manter no governo, a não ser este circo de concessões ao PCP ou de equívocos com o Bloco de Esquerda?

Entre aqueles que passaram dois anos muito despreocupados, parece que há agora quem se comece a preocupar. Deploram a divisão da população entre os sindicalizados do PCP no Estado, de um lado, e os empregados do sector privado e trabalhadores independentes, do outro. Fazem contas ansiosas, não apenas aos compromissos de aumento de despesa e diminuição da receita para 2018, mas já para 2019. Sabem que governos minoritários socialistas, desesperados por aplauso e suporte, foram os anunciadores de todas as aflições em Portugal nos últimos anos, em 2001 tal como em 2011. As taxas de juro, entretanto, prometem subir, e tornar o nosso endividamento e a nossa baixa produtividade novamente assuntos de conversa entre os investidores. O que custará o fim dos juros baixos a um Estado sobrecarregado de despesa e a cidadãos apertados por uma malha fiscal tão implacável que aumentos de salários podem significar diminuição de rendimento?

Não sei o que vai acontecer. Ninguém sabe, desde que os velhos projectos do regime faliram em 2001-2002. Uma coisa sei, porém: a actual maioria social-comunista nunca será capaz de fazer mais do que o que já fez, que é aumentar os salários e pensões dos dependentes do Estado, com esperança de se reeleger em 2019. Os últimos dois anos provaram que António Costa e os seus parceiros nunca tiveram, de facto, alternativa nenhuma. Porque consumir a folga criada pelo ajustamento da troika, pela política do BCE, pelo petróleo barato e pelo crescimento económico na Europa, compensando eventuais desequilíbrios com cativações e impostos — é um expediente, mas não é um plano. Como ontem se diziam uns aos outros os deputados do PS e do BE, vivemos em Portugal o “pior da política”.

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