Os congressos de partidos que estão no governo limitam-se ao objectivo de unir a máquina partidária à volta do seu líder e primeiro-ministro – o país fica à porta, ninguém vem para discutir ideias, arriscar propostas de reformas ou lançar debates internos. São congressos sem história. Mas o interessante do XXI Congresso do PS foi que, devido ao carácter inédito do apoio parlamentar à actual solução de governo, o culto do poder conduziu à legitimação interna da “geringonça” e, nesse processo, revelou um PS muito mais inclinado para a esquerda do que no passado de Guterres, de Sócrates ou de António José Seguro.
Por ideologia? Não: por pragmatismo e sobrevivência política. No arranque do Congresso, o dirigente socialista Porfírio Silva resumiu a moção de António Costa e sintetizou a ideia-chave: no pós-eleições legislativas de 2015, se o PS tivesse viabilizado um governo PSD-CDS teria assinado a sua “pasokização” – isto é, a condenação à irrelevância, à semelhança do que sucedeu aos socialistas gregos do PASOK. Ou seja, António Costa e os seus mais próximos acreditam que o PS ficou entre o poder (através da “geringonça”) e a morte. Compreensivelmente, escolheram o poder. Só que essa escolha arrasta duas consequências.
Em primeiro, uma aproximação e uma relação de dependência à esquerda: a celebração do sucesso da “geringonça” (omnipresente durante todo o congresso) exalta, indirectamente, a dependência do PS na disponibilidade do PCP e, sobretudo, do BE para governar. Ora, o que se percebeu no congresso foi que os dirigentes socialistas parecem ter aceitado que não voltarão a ganhar maiorias absolutas e que, como tal, a lógica de poder e de alianças mais à esquerda é para preservar no futuro. Assim, mais do que o rígido PCP, o BE sai deste congresso reforçado na sua influência e com a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, integrará um governo PS. Catarina Martins tem razões para sorrir.
Em segundo, o outro lado do espelho da aproximação à esquerda é o proporcional afastamento do PS face às políticas europeias. A resposta do deputado João Galamba à discordância de Francisco Assis – “o nosso partido não se chama partido europeísta, chama-se Partido Socialista” – não deixou margem para dúvidas. E, note-se, essa tomada de posição não rompe apenas com o passado do PS. Rompe, também, com outros partidos socialistas que, seguindo os conselhos europeus, têm procurado liberalizar as suas economias. Por exemplo, o PS italiano de Matteo Renzi. Ou, por exemplo, o PS francês de François Hollande e Manuel Valls, cuja flexibilização das leis laborais incendiou as ruas e afundou o partido nas sondagens. Ora, o raciocínio é simples: na cabeça dos socialistas portugueses, estar ao lado da Europa é estar ao lado das políticas neoliberais, e isso custa votos que António Costa recusa dispensar. Coincidência ou não, isso empurra o PS a seguir, com as devidas distâncias, a linha incoerente do Syriza: por um lado, uma visão duramente crítica em relação à Europa, por outro lado, uma submissão às metas e às políticas de consolidação orçamental.
Ficou claro, em vários momentos do fim-de-semana, que nenhuma destas consequências inquieta os militantes socialistas. Afinal, os partidos servem para muitas coisas, mas para os seus militantes nenhuma é mais importante do que a captura do poder – a partir de agora, com os olhos nas eleições autárquicas. Mas devem essas consequências inquietar o país? António Costa, num discurso de encerramento bem estruturado e explicitamente europeísta, procurou garantir que não. A realidade encarregar-se-á de nos esclarecer.
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