Algo vai mal com as elites políticas no mundo, ou melhor, com a falta delas. Para onde não se olhe, a paisagem é desoladora e preocupante.

Não me refiro apenas a Donald Trump que ameaça ser eleito Presidente dos Estados Unidos, a maior potência mundial. Este já tem dado provas públicas e evidentes de que o mundo talvez possa vir a ter ainda mais dores de cabeça, e de intensidade maior, do que as que tem. Não há dia em que não brinde o mundo com uma surpresa.

Trump tem um grande concorrente, em termos de declarações peregrinas (queria dizer desmioladas, mas talvez seja politicamente incorrecto), na pessoa de Dmitri Medvedev na Rússia. Para os que já se esqueceram, Medvedev foi aquele político que “substituiu” Vladimir Putin no cargo de Presidente da Rússia entre 2008 e 2012 e agora “substitui-o” no cargo de primeiro-ministro até 2024, se a rotatividade não for alterada.

Pois bem, num encontro de jovens russos naqueles campos partidários de férias semelhantes aos nossos (mas com uma particularidade: não foi feita a tentativa de acabar com casas de banho separadas), um jovem professor do Daguestão, república do Cáucaso do Norte russo, perguntou ao primeiro-ministro Dmitri Medvedev porque é que um professor dessa região ganha 15 mil rublos por mês (cerca de 200 euros) e um polícia ganha 50 mil (pouco mais de 600 euros). A resposta foi imediata: aconselhou os professores descontentes a “trabalharem por fora” ou a dedicarem-se a negócios, e a justificação da diferença salarial ele atribuiu ao facto de a polícia ser uma “profissão mais perigosa” do que a de professor.

As missões dos professores e dos polícias são ambas de primordial importância e se os primeiros tentam educar cidadãos exemplares, facilitando o trabalho da polícia, os agentes da ordem também têm muito trabalho porque as escolas não fazem milagres, mas eles também não. Por isso, é difícil concordar que um polícia ganhe o triplo de um professor.

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Além do maior perigo, Medvedev encontrou mais uma justificação para essa diferença, pois considera que ser professor é uma “vocação”, ou seja, que os mestres devem ser como os padres ou voluntários que trabalham por vocação e não por dinheiro.

E se os padres podem abandonar o sacerdócio, os professores têm também liberdade de ganhar mais dinheiro e Medvedev tem solução para estes casos e compartilhou o segredo com o citado professor: “Se querem ganhar dinheiro, há numerosos lugares maravilhosos onde se pode fazer isso mais depressa e melhor. Por exemplo, o mundo dos negócios. Você, segundo compreendi, não quis ir para o mundo dos negócios, e é tudo”.

Escusado será dizer que os salários dos professores, talvez à excepção de algumas escolas, são baixos e que se a maior parte der ouvidos a Medvedev, a Rússia ficará sem escolas e será o país que terá mais homens de negócios por habitante. Se tal ainda não aconteceu, é porque o espírito de missão dos professores ainda é grande, mas perde terreno para esquemas corruptos. Por exemplo, os professores universitários dão explicações particulares a alunos que querem ingressar nas faculdades onde eles leccionam a troco de generosos pagamentos dos pais com posses. Claro que, em troca, o aluno tem o ingresso garantido nessa escola de ensino superior. Mas há mais: pode-se comprar notas dos exames, por exemplo.

Recentemente, quando os reformados da Crimeia, região da Ucrânia ocupada pela Rússia, lhe pediram o aumento de pensões durante um encontro com ele, o primeiro-ministro respondeu: “Não há dinheiro, tenham paciência…”.

Estas recomendações de Medvedev, que só diz o que o patrão autoriza, são um excelente conselho para os sindicatos e governo português, ou seja, professores (aqui pode-se alargar a todos os funcionários públicos), querem ganhar mais dinheiro, façam biscates por fora e deixai-vos de reivindicações. Se quiserem ganhar mais, arranjem-se, dediquem-se a negócios. Já existem até precedentes: não há políticos que receberam indevidamente diplomas universitários?

Outro bom conselho do primeiro-ministro russo, desta vez para todos os portugueses e que será muito necessário depois das férias de Verão: querem mais aumentos, tenham paciência, é que não há mesmo dinheiro!

Isto coloca a questão da qualidade das elites não só nos Estados Unidos, Rússia, mas também na Europa, onde Portugal se encontra.

A julgar pelas últimas notícias, a qualidade dos nossos políticos anda igualmente pelas ruas da amargura. Sendo membros do governo ou deputados, não veem nada de censurável em receber de empresas privadas viagens, bilhetes e almoços grátis para irem, imagine-se!, ao futebol. As justificações que dão apenas justificam o ditado: “é pior a emenda que o soneto!”. Reconhecem que fizeram tudo segundo a lei, mas alguns devolvem as despesas.

(Afinal, Portugal até foi Campeão da Europa, o que poderia ser impossível sem o apoio dessas personalidades nas bancadas).

Por isso, não se espantem de o mundo estar no estado em que se encontra. No fundo, os culpados somos todos nós que os elegemos. Eles não são extra-terrestres.