Não sei quem vai ganhar estas eleições. Sei quem as perdeu: os cenógrafos. Da campanha chegam imagens, números e notícias que a cenografia não previa e o desconcerto instala-se.
1. Os que não cabem no cenário
Perante esta imagem impõe-se uma pergunta: onde esteve durante estes quatro anos este senhor que mostra um cartaz a Passos e Portas? E os senhores iguais a este senhor por onde andaram? Nunca ouvimos estas pessoas, nunca as vimos e sobretudo não era suposto que existissem.
Durante estes quatro anos vimos pessoas indignadas e furiosas com as medidas que estavam a ser tomadas pelo Governo. Nunca vimos alguém dizer que apoiava essas medidas ou declarar que as achava necessárias. Independentemente dos resultados destas eleições, estas pessoas existem, elas estão nas sondagens e nas ruas. E contudo os jornalistas portugueses não as mostraram senão agora. Viveriam escondidas? Estariam em caves? Teriam feito voto de silêncio? Nunca quiseram dar uma entrevista? Nem sequer um testemunho anónimo?
Esta invisibilidade de parte do eleitorado é um dos traços da sociedade portuguesa: enquanto candidato a primeiro-ministro, Cavaco Silva levou o PSD quase aos três milhões de votos mas se fossemos a crer no que então se escreveu e disse sobre os partidos em Portugal seríamos levados a acreditar que, em 1987 e 1991, o PSD não passava de um partido de labregos desinformados liderados por um provinciano inculto. Mandavam o bom senso e o bom gosto que esta gente ficasse reduzida à insignificância.
Mais de duas décadas depois a cenografia da invisibilidade mantém-se. E este não é de modo algum um problema do PSD. Ou melhor dizendo também é. Mas essa é apenas uma parte da questão e nem sequer tem de jogar a desfavor dos líderes laranja: Cavaco aprendeu a capitalizar a seu favor o desfavor com que mediaticamente era tratado e Passos também, como se está a ver. O que de facto nos afecta a todos é esta cenarização do país, uma cenarização onde não existe lugar para quem não pensa e não vota como se entendo correcto nos cursos de jornalismo e nos colóquios do ISCTE.
2. Os que ficaram presos no cenário
Em primeiro lugar o óbvio: António Costa é um homem só no palco desta campanha. Isso nada tem a ver com essa ilusão de óptica para jornalista ver chamada arruada mas sim porque para lá de parecer carregar sozinho o partido, Costa não tem quem colocar ao seu lado nesta campanha. Cada nome que se avança – Centeno, Galamba, Santos Silva… – suscita de imediato um conjunto de observações que nos leva a concluir que é bem melhor que Costa fique sozinho. Sócrates e a divisão Seguro-Costa deixaram marcas no PS: entre aqueles que podiam aparecer mas não querem e os que querem mas não podem sobram poucos nomes capazes de dar um sólido apoio a Costa.
Em segundo lugar António Costa concebeu esta campanha como se o país fosse o cenário da Quadratura do Círculo e ele ainda fosse o eterno segundo socialista, em permanente estado de graça mediática. Mas rapidamente esse estatuto se esboroou.
Actor isolado, Costa criou um país cenário de tragédia. Para essa ficção que fazia de cada português um protagonista do Almoço do Trolha, António Costa criou uma personagem à medida: o Costa que promete abrir o que se fechou, repor o que se cortou, abolir o que se criou…
Mas nada disto bate certo com Portugal em 2015. Nem o país está como António Costa diz, nem os portugueses vivem como ele acha, nem esperam dele o papel que ele se propõe desempenhar: levá-los para o passado. O problema de Costa não é cometer erros. É estar desfasado. A sua campanha parece pensada para um outro tempo. Às vezes quase para outro país.
3. Os que passaram para o primeiro plano do cenário
Ao alienar o centro onde o PS sempre conseguiu as suas vitórias e ao fechar a porta a negociações com Passos de um Orçamento ou da Segurança Social, Costa levou o PS para a esquerda. Mas não só. Imediatamente tornou governamentalizáveis o PCP e o BE.Trouxe-os para o centro onde se decide o poder sem que estes tivessem de se deslocar um bocadinho do radicalismo onde estão instalados.
Resultado, Costa afugentou os seus eleitores do centro (os tais que dão maiorias), não ganhou um único voto à esquerda (pelo contrário perdeu pois quanto mais débil estiver o PS mais força terão os seus camaradas de esquerda) e ainda transformou Jerónimo de Sousa, que à tarde revela contactos com o PS e à noite desdenha deles, num dos vencedores antecipados desta campanha.
Certamente embalado pela sua experiência autárquica, António Costa achou que podia reproduzir no país os acordos que fez na CML. Mas não só em Lisboa esses acordos não foram tão positivos quanto nos tem sido dito, como um país não é uma autarquia. Que António Costa esteja disposto a levar o PS para essa experiência frentista que se sabe sempre como acaba – com os socialistas em fanicos –, é algo que dá que pensar. Que não tenha percebido que isso o enfraquece é que não se entende de forma alguma.
4. A narrativa dos encenadores
Este homem, reformado, mostra a Passos Coelho o recibo da sua reforma. O valor é baixo, obviamente. Onde está Passos podia estar Costa, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins… Manda a cenografia que se registe o embaraço do governante, a indignação da oposição e a razão do queixoso. Mas tudo isto é um faz de conta para repórter ver. Por onde andavam os repórteres e os agora pobres reformados quando há vinte anos estas reformas de miséria se estavam a formar? Deste senhor nada sei mas dos jornalistas sei que levaram as últimas décadas a tratar de forma muito mais favorável aqueles que garantem que a Segurança Social é sustentável por comparação com quem defende que ela precisa de ser reformada. Quanto aos políticos, prometer aumentar as pensões dos pobres reformados que lhes saem ao caminho é bem mais fácil que negociar uma reforma da Segurança Social.
Curiosamente aceitou-se como inevitável que nesta campanha não se discutisse esse outro recibo: o das reformas que os actuais activos vão receber dentro de vinte anos. Ou será que a Segurança Social só se torna mediaticamente interessante quando num qualquer lar se pode mostrar o pobre reformado de recibo de reforma miserável na mão?