A social-democracia em Portugal tem uma definição simples: é a distribuição de dinheiro pelo Estado. Social-democrata é o governante que multiplica funcionários, aumenta pensões, acrescenta subsídios, e acumula contratos e parcerias. O PSD, em tempos, foi um grande partido social democrata. Poucos governos empregaram tanta gente na administração central em tão pouco tempo como os da AD entre 1980 e 1982. Poucos governos melhoraram tanto os ordenados do funcionalismo como o governo de Cavaco Silva. Por terem lido Eduard Bernstein? Não, porque precisavam de se instalar no poder. É a essa necessidade que em Portugal se chama “social-democracia”. Mas agora, dizem-nos, o PSD já não é social-democrata. Porquê?

Há duas explicações. Uma é conspirativa, outra não é. A explicação ensinada nas escolas do regime é, como não podia deixar de ser, a conspirativa: uma noite, o PSD teria sido tomado de assalto por um comando de “neo-liberais”, que ainda hoje mantém o partido sequestrado. Quando se pede a lista desses neo-liberais, os inquisidores do regime dão geralmente três nomes: Bruno Maçães, Bruno Maçães e Bruno Maçães.

A outra explicação tem a desvantagem de não envolver Bruno Maçães, e é esta: o PSD não é social-democrata porque há vinte e três anos, desde a crise de 1992-1993, que só governa em Portugal quando não há dinheiro. Ora, quando não há dinheiro, é preciso conter ou cortar despesa pública, mas também atender às recomendações internacionais para estimular investimentos e exportações, o que geralmente passa por aligeirar as limitações que o Estado português impõe aos empresários. É isto o “neo-liberalismo”, que em Portugal tem também uma definição muito simples: é o que os governos fazem quando não há dinheiro. 

Foi nessa situação que os líderes do PSD se viram sempre que passaram pelo governo neste século. Em 2002 e em 2011, receberam um país espremido pelos seus antecessores socialistas até aos limites da tolerância internacional. Em ambos os casos, sobejou para o PSD, em aliança com o CDS, a tarefa de executar programas de ajustamento iniciados ou negociados pelos socialistas. De cada vez, o PS aproveitou a passagem à oposição para se lavar de responsabilidades, fazer de conta que o ajustamento é que era a crise, acenar com uma “alternativa” de consumo e facilidade, e acusar o PSD de “neo-liberalismo”.

Em Portugal, como noutros países, o Estado social tem um ciclo composto de duas fases: uma de ascensão da despesa, e outra de desaceleração ou declínio. É este pára-arranca que cria a ilusão de variedade ideológica. O sistema nunca muda, mas os seus períodos de ascensão são considerados “sociais-democratas”, e os de declínio “neo-liberais”. Neste jogo, o PS conseguiu reservar-se o papel de acelerador e obrigar o PSD a desempenhar o papel de travão, isto é, de “neo-liberal”.

O PS não foi servido apenas pela sorte. Em 2004, logo que Santana Lopes declarou o fim da austeridade, o presidente Jorge Sampaio desmontou-o, reservando para os socialistas o direito de gozar no poder o crédito barato do euro. Este ano, quando o PSD e o CDS se preparavam para mostrar outra face, mais simpática, depois de quatro anos de ajustamento, foi uma manobra parlamentar que lhes demonstrou que o PS governa quando ganha, mas também quando perde eleições. Em suma, se Costa e os seus “acordos” negativos passarem os testes do presidente, lá vai o PSD ser impedido mais uma vez de fazer de social-democrata. E com esta certeza: quando voltar a sua vez, é porque não há dinheiro. Mísera sorte, estanha condição…

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