Aparentemente, os dois temas do título nada têm a ver um com o outro. Mas as aparências enganam. Há um ponto que os une. As opiniões e os comportamentos mudam com as posições de poder.

1. Comecemos com o Benfica e os emails. Quem acompanha o futebol português, não ficou surpreendido com as revelações. É mais do que óbvio que o Benfica se tornou no clube mais poderoso nas instituições do futebol, na Federação, na Liga e no Conselho de Arbitragem. Aliás, foi o próprio presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que um dia afirmou: “Mais importante do que contratar bons jogadores é controlar as estruturas do futebol”. Hoje, ninguém tem dúvidas que o Benfica as controla. Isto não significa que os jogos sejam viciados e os resultados combinados. Os esquemas são sofisticados. Também não significa que o Benfica seja campeão apenas por causa do seu poder institucional. Tem tido boas equipas e bons treinadores. Mas significa que é mais fácil para o Benfica ser campeão do que é para o Porto ou o Sporting.

A reação do país é para mim o mais interessante. Começando pelo Benfica. Luís Filipe Vieira obviamente não fala e esconde-se. Mandaram um assessor de imprensa, Luís Bernardo, defender a inocência do Benfica e de Vieira. Lembro-me de Luís Bernardo, como antigo assessor de imprensa de José Sócrates, e de o ver defender a inocência do antigo PM. Esperemos que o actual patrão seja mais inocente do que o anterior.

Jornais como o Correio da Manhã, A Bola e Record, sempre tão empenhados na moralização do futebol, ignoram olimpicamente o assunto. Imaginem se fossem emails do Porto? Estes jornais não falariam de mais nada. As televisões têm tido mais ou menos o mesmo comportamento. Já se passou quase um mês e ainda ninguém viu jornalistas perguntarem aos presidentes da Federação e da Liga o que pensam sobre os emails, se pretendem fazer alguma coisa, ou se vão simplesmente, de acordo com os costumes do país, deixar o tempo matar o assunto.

A verdade é muito simples. A maioria dos portugueses é do Benfica. Nas instituições desportivas, na imprensa e na política. E quase ninguém se comporta de um modo neutral quando se trata de futebol. Quase todos se comportam como adeptos do Benfica, independentemente das suas funções profissionais. Os benfiquistas olham para o futebol de um modo demasiado simples. Se tudo acontecer de um modo natural, o Benfica é o melhor clube em Portugal. O domínio das décadas de 1960 e do início dos anos de 1970 nada tinha a ver com a natureza do Estado Novo. Nada. A separação entre futebol e política era absoluta. O Benfica era simplesmente o melhor.

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Depois, a partir da década de 1980, o Porto cresceu e começou a dominar. Foi quando a corrupção chegou ao futebol pela mão do maquiavélico Jorge Nuno Pinto da Costa. Os títulos do Porto têm uma explicação: Apito Dourado. Quando o poder de Pinto da Costa para manter esquemas de corrupção chegasse ao fim, tudo voltaria ao curso natural, e o Benfica voltaria a ganhar. Foi o que aconteceu nos últimos quatro anos. Em suma, no período pré-corrupção o Benfica ganhou. Depois chegou a corrupção, e o Porto ganhou. Por fim, no período pós-corrupção, o actual, o Benfica volta a ganhar. Todos os benfiquistas, ministros, autarcas, juízes, advogados, jornalistas, acreditam nisto. A maioria do país recusa ver o óbvio, já absolveu Luís Filipe Vieira e acha que tudo isto não passa de uma tentativa de Pinto da Costa para voltar a mandar no futebol em Portugal.

2. O poder da maioria sobre as minorias também existe na política e leva muitos hoje a declarar o oposto do que diziam no passado. Vejam por exemplo a opinião da esquerda socialista sobre Merkel e sobre Schauble. A chanceler alemã, uma maldita neo-liberal entre 2012 e 2014, passou a ser a esperança da Europa num mundo ameaçado por Trump. Por mim, nem discordo. Mas por que razão os mesmos que atacaram Merkel no passado a defendem agora? É muito simples. Entre 2011 e 2015, Merkel era uma aliada de Passos Coelho. Hoje, mudou o PM e por isso Merkel tornou-se uma aliada de António Costa. Na política da União Europeia, os chefes de governo são um clube exclusivo e ajudam-se uns aos outros. As divisões entre esquerda e direita ou as preferências ideológicas são secundárias.

Passa-se o mesmo no outro clube exclusivo da União Europeia, o Eurogrupo. Se no passado Schauble foi aliado de Vítor Gaspar e de Maria Luís Albuquerque, hoje é quase o melhor amigo de Mário Centeno, e até o compara a Ronaldo. O país vai acabar a olhar com ternura para o velhinho Schauble.

Embora de um modo mais discreto, até a própria austeridade começa a ser reinterpretada. O governo socialista continua a rejeitar a vida para além do défice porque o financiamento do BCE é vital para a economia e para as finanças públicas nacionais. O PCP e o BE aceitaram a luta contra o défice, porque sem dinheiro de Frankfurt não há privilégios no Estado. Apesar de não o reconhecer em público, António Costa sabe que a saída do procedimento por défice excessivo começou com o governo de Passos Coelho, tal como sabe que o crescimento económico se deve em grande medida a reformas feitas entre 2012 e 2015, o que de resto é reconhecido por todas as instituições europeias e internacionais. Este governo está a recolher os frutos da austeridade imposta pelo anterior executivo do PSD e do CDS.

Mas Costa tem agora um problema pela frente. Os comunistas e os bloquistas vão pedir reversões que ameaçam o crescimento económico. O PM, como é óbvio, não vai fazer a vontade aos seus camaradas de geringonça. Costa fez as reversões que um segundo governo de direita teria feito (talvez mais lentamente), mas não fará muitas outras desejadas pelas esquerdas radicais. Costa é um homem de poder e sabe bem onde está o poder na Europa. Entre Merkel, e Catarina Martins, escolhe a primeira. Entre Schauble e Jerónimo Martins, escolhe também o primeiro. A pós-austeridade em que a União Europeia entrou não significa apenas o fim da austeridade, também quer dizer que a luta anti-austeridade acabou. A Grécia está domesticada e faz o que Berlim e Bruxelas querem. O Podemos falhou a tentativa de chegar ao poder. A França Insubmissa durou um mês. A zona Euro voltou ao consenso das reformas liberais e Costa vai querer beneficiar desse consenso. O PCP e o BE aceitam esse consenso ou voltam para a oposição.

As “sondagens” estão a construir uma maioria socialista para condenar os defensores da velha “austeridade” à oposição e obrigar as esquerdas radicais a aceitar a “nova-velha ortodoxia financeira”. Os mesmos meios de comunicação que não fazem perguntas incómodas sobre os emails do Benfica e permitem o luxo do silêncio a Luís Filipe Vieira estão activamente a ajudar a construir uma maioria socialista. Há melhor Portugal do que aquele em que o Benfica é sempre campeão e os portugueses vivem felizes com a bondade consumista oferecida pelos socialistas? Até o tempo ajuda.

Portugal não é um país amigo do pluralismo. Gosta mais de rebanhos e de pastores.